sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A DERROCADA DE UM TRONO (II)


A Derrocada de um Trono (II)

" ... No dia 29 foi preso, em sua casa, o dissidente sr. João Pinto dos Santos. O chefe desse grupo, dr. José d'Alpoim, mais o Visconde de Pedralva, que sabiam ter também ordem de prisão, fugiram para Espanha.
Com o último se deu um episodio engraçado em Ensinasola, terra castelhana onde ele se fôra acolher. Julgando-o um anarquista perigoso, as autoridades de terra usaram para com o fugitivo d'um extremo de rigor, mas depois, quando souberam quem era e porque motivos ali estava, encheram-no de favores e de distinções.

As medidas de rigor da ditadura começaram pela suspensão de jornais.

No dia 31 foram suspensos o Popular, o Correio da Noite, o Dia, o Liberal e o Paiz. A Vanguarda e o Mundo já estavam suspensos. Ficavam pois unicamente em publicação o Diário de Noticias, o Século e os dois jornais franquistas.

Era de péssimo agoiro esta prepotência. O que iria mais suceder? Os liberais apavoravam-se. Mas um despacho publicado no Matin, de Paris, chegado nesse dia a Lisboa, era um tanto tranquilizador. Simulava uma conferência havida entre João Franco e o correspondente dessa importante folha parisiense, e, como para desfazer os temores do público, a respeito das ideias do ditador em tão tremenda conjuntura, o jornalista punha-lhe na boca estas palavras:

«Pode anunciar aos leitores do seu jornal que não existe nenhum fundamento para as notícias alarmantes que se teem espalhado a respeito de Portugal. Descobrimos, é certo, provas flagrantes de que se planeava uma alteração da ordem pública, porem, logo que o governo adquiriu as suficientes indicações sobre o caso, tomou as medidas necessárias para reduzir a nada essa tentativa
«foram presos os principais organizadores da agitação, e outros virão talvez ainda a ser capturados. Os tribunais os julgarão e é de supor que sejam simplesmente postos fóra da fronteira, tal como se fez no seu paiz a Deroulède e aos seus amigos. Restabelecido o sossego poderão, voltar, mas é indispensável que a tranquilidade reine no paiz
»

(...) Um jornal de Algés, a Praia, publicava, por esses dias, a seguinte apreciação d'essa singularíssima gente:

«O franquismo é principalmente típico. Não representa apenas uma perversão politica, com a evidência de todas as suas opressões, e a ameaça iminente de todos os seus crimes; é acima de tudo uma degenerescência moral, clara e decididamente manifesta, tanto na sua forma íntima, como na sua estrutura externa.
Para quem pense e veja, faça raciocínios e tire conclusões, o franquismo é uma coisa tenebrosa, horripilante. Não é apenas a ambição desenfreada d'um megalómano, posta ao serviço d'uma causa péssima, e fundamente detestada. É coisa muito pior: é o reinado d'uma epilepsia temível, mas desgraçadamente bastante espalhada entre nós, vinda, radicalmente, dos caceteiros de D. Miguel, continuada em sucessivas reviviscencias de reaccionarismo estulto, e evidenciada, em toda a sua pujança, n'este momento, pelo escabujar macabro de doidos furiosos que, nos impetos d'uma insensatez furibunda, estão almejando pelas forcas, pelos fuzilamentos, pelas vindictas mais barbaras, para assim darem satisfação aos seus doentios sentimentos.
«O que se está passando não é uma revolução política, é um desequilíbrio mental. A perversão espiritual d'alguns, venceu a circunspecção da maioria; o arbítrio d'uma tara de intelectos doentios, impoz-se à sanidade cerebral do maior número, e assim vamos n'um revolutear louco. Deus sabe até onde!
"

[continua]

in Cronica do Reinado de D. Carlos. A Derrocada de um Trono, de César da Silva, Lisboa, Romano Torres, 1922

J.M.M.

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