terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

REGICÍDIO - VISTO POR CASIMIRO GOMES DA SILVA



Continuamos hoje a trazer à luz do dia alguns depoimentos interessantes que se publicaram sobre o problema do regicídio, este defendendo claramente a posição da Monarquia. Uma obra relativamente pouco conhecida, pois é pouco citada, encontram-se-lhe de facto alguns erros [tipográficos e outros], no entanto é interessante devido às descrições vibrantes que o autor faz da vida de D. Carlos e, em particular, do regicídio.

Na obra de Casimiro Gomes da Silva, Apontamentos para a história de alguns aspectos do reinado de D. Carlos I, publicada em Sintra em 1946, p. 166-167, encontramos este extracto vivo e detalhado dos acontecimentos:

Ao passar a carruagem real na altura do Ministério da Fazenda, Buíça, postado na direcção da estátua de S. José, apontou uma carabina Winchester, desfechando. Estremeceu o corpo do rei. Era no instante em que Alfredo King, professor de D. Manuel, increpava um popular:
- Descubra-se, que vão passando S.S.M.M.!
E o popular Alfredo Costa, ao ouvir o primeiro tiro, correu sobre o trem e, saltando para a capota, disparou, à traição, a sua pistola Browning, sobre o soberano, cuja cabeça logo pendeu para a frente. Foi neste momento que a Rainha, sacudindo o ramo de flores, quis, com ele, afastar a visão sinistra.
Ao ver a agressão, o Princípe, com desembaraço, feriu o Costa, pouco depois morto pelos polícias 32 e 917, mas sem reparar no Buíça, que alvejava, gritando:
- Ah! Cães.

Produziu-se um duelo rápido, entre os dois. O antigo sargento acobertado por certo quiosque, que na época existia na praça, fez fogo duas vezes atingindo D. Luís Filipe, que, de pé sobre o veículo em movimento, mal podia regular a pontaria, acabando por desfalecer sobre as almofadas. Pulou o regicida, como um gamo, para a arcada do Ministério do Reino, fazendo esforços para atingir D. Amélia, que, com o próprio corpo ocultava o do Infante, já ferido num braço.

Passava-se isto, quando o tenente D. Francisco Figueira, oficial às ordens do Rei, atravessou com a espada, por altura dos rins, o dorso do assassino. Depois, para um polícia, que era perto disse:
- Tome conta deste homem!

Então o regicida, de joelho em terra, desfechou a arma, percutindo numa verilha o seu antagonista, que, a esvaír-se em sangue, corajosamente, resolveu ao contrário do que lhe aconselhavam:
- Não vou para o hospital! Vou para onde estiver a Família Real!
Arrastado e mesmo assim lutando sempre, Buíça foi conduzido até junto dos Paços do Concelho, onde um guarda, de nome Silva, o matou.

Dos três cumplices restantes só um deu sinal de si, ainda que passageiramente. A Rainha, mesmo nas condições anormais em que se viu, teve memória para fixar-lhe os traços. Dias depois, para fins de investigação policial, fez-lhe o retrato - sem êxito, de resto.

No meio da extraordinária desordem estabelecida, o povo fugiu em todas as direcções. Por momentos parou o trem da morte, entrando nele a Condessa de Figueiró, ao passo que o Marquês de Lavradio e outro indivíduo saltavam para os estribos. Ouviam-se ainda tiros. O trintanário, Manuel Nunes, foi lacerado numa das mãos, e o cocheiro, Bento Caparica, mal refeito do pasmo e do terror, que o tinham acometido, chicoteou, com violência, os hanoverianos, que, ressentidos na sua nobreza, quase tomamram o freio nos dentes. Dentro de segundo, a carruagem vencia o túnel do velho Arsenal da Marinha.
[...]

A.A.B.M.

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