terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

REGICÍDIO - UM TESTEMUNHO "SUSPEITO" (PARTE II)


Continuando a trazer à luz do dia o conjunto de artigos publicados por Aquilino Ribeiro, na Seara Nova, intitulados O Regicídio e os Regicidas. Neste caso, um artigo públicado no número 6, de 14 de Janeiro de 1922, sobre o Alfredo da Costa.

Dizia Aquilino Ribeiro:

[...] Foi no corrente de 1906 que R. P. [personalidade ligada à Carbonária que Aquilino não identifica - nota nossa] apresentou no Gelo esse rapaz de vinte e oito anos, alto, desengonçado de corpo, duma fisionomia séria, quase triste, a que ninguém ligou importância. Grandes olhos castanhos, lentos a mover-se, com uma fixidez por vezes de desvario, um nada de bardba loura no queixo, o nariz levemente amolgado sobre a esquerda. Provavelmente uma tuberculose descurada, que traiçoieiramente seguisse caminho, achatara-lhe o torax, aguçando-lhe os ombros e imprimindo-lhe já às costas uma quebratura perceptível. [...]

Alfredo da Costa foi este homem, lançado para a a cidade da sua aldeia alentejana, e que, dobrando-se sobre si, batido dos baldões, "se viu a marchar". Atrás, todo o atavismo da alma popular, opressões, tristeza, fatalismo, mansidão. Pela frente, o torvelinho do século, luz e sombras, ideias confusas, ideias desordenadas, ideias; a vida com as suas facetas; o homem em todos os seus planos.

Educou-se como pôde, que mais não foi do que abrir os olhos ao que via e tratar de compreender. Tudo o que era imediato recebeu-o; tudo o que era bradado alto, ouviu-o. Nada mais receptivo que a simplicidade do camponês; nada, ao mesmo tempo, que mais precise de síntese. Para a improvisação intelectual de Costa,a revolução prégada em 1906-1907 devia ser o fecho de abóbada, a ideia adequada. [...]


O seu republicanismo acabara por tornar-se exclusivamente num estado de consciência, soberano e despótico. Não lhe faltava nada para carrasco ou herói; coragem, decisão, porque não duvidava, o fanatismo que existe sempre que acima do espírito de flora paire um só pensamento.

Em Angra do Heroísmo fundou um jornal para defesa da classe dos empregados do comércio, e tão bem conduziu a campanha das suas reivindicações que, ao cabo de tempos, vigorava ali o repouso hebdomadário. Em 1903, em Extremoz, fez intensa propaganda republicana e daí começou a colaborar nos jornais de classe da capital, sempre o mesmo homem de fé e de dedicação sem limites. Foi caixeiro viajante, e presidiu à Associação dos Empregados do Comércio de Lisboa. Depois, mediante um pequeno capital, emprestado por mão amiga, fundou uma vaga empresa de livraria, A Editora Social, onde foram editados alguns folhetos contra o regime.

Encetou ainda a publicação em fascículos, distribuídos aos domicílios, dum romance de índole popular: A Filha do Jardineiro. Nele se pretendia aproveitar a voga duma quadra que ainda hoje corre pelas aldeias em que se recorda um pecado ou suposto pecado da juventude de D. Carlos. Os seus autores F. R. [siglas que escondiam nomes de figuras públicas que não queriam ser reconhecidas], um que já foi ministro da República e outro que assentou banca de publicista [alguns autores apontam o próprio Aquilino Ribeiro], propunham-se sob pseudónimo de Miguel Mirra agitar as multidões e atraí-las ao credo republicano. Apenas vieram a lume três capítulos. Nesta empresa embrionária e mal sucedida consumiu Costa o seu pecúlio, que não era muito. [...]


A 30 de Janeiro [1908], dia em que foi assinado o decreto da proscrição pura e simples, Alfredo da Costa, teve um encontro com o oficial da marinha, M. da C. [provavelmente Marinha de Campos] que lhe disse:
-Matem João Franco e dou-lhes a minha palavra que a revolução sai para a rua. A marinha e infantaria da marinha só esperam um sinal.
Costa busca reunir um bando de homens capazes. Furtam-se todos. [...]


Nos próximos dias concluiremos este conjunto de artigos, com muita informação sobre os regicidas e o regicídio que, certamente alguns estudiosos julgaram interessante e oportuno, enquanto alguns dos nossos ledores nunca teriam ouvido falar.

A.A.B.M.

1 comentário:

Anónimo disse...

Envio por mail, em anexo, o texto escrito por Bernardino Machado acerca do Regicídio, transcrito do seu livro "Pela República" - 2ºvol.(1908-1909) e do folheto intitulado "A Concentração Monárquica" - Lisboa - Typographia do Cmércio - 1908
Ainda não vi nenhuma citação a este texto no que tem sido escrito nestes últimos dias.
Saudações cordiais
Manuel Machado Sá Marques