domingo, 23 de março de 2008
A IMPORTÂNCIA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA - POR JOSÉ FÉLIX HENRIQUES NOGUEIRA
Segundo José Félix Henriques Nogueira, em Maio de 1853, publicado no jornal A Revolução de Setembro, nº 3373, de 06-07-1853:
Não existe em Portugal ensino para o povo. O que aí se denomina instrução pública, é mais luxo de classificação, do que entidade real. A mesquinha, ignorada e por vezes solitária escola do campo, lá está para bruxulear sua luz duvidosa sobre a povoação de três ou quatro freguesias. Poucos contos de réis bastam no orçamento para satisfazer este momentoso encargo. De resto, quem faz caso de que o povo leia ou deixe de ler. Trabalhe ele, obedeça e pague - que tudo corre às mil maravilhas. É verdade que a ignorância o prejudica a cada instante, que os maus se aproveitam dela em seu prejuízo, e que todo o melhoramento lhe fica vedado. Mas isto toda a vida se viu. O povo não tem tempo para ler. É verdade que a ignorância o faz desprezar os seus melhores e mais importantes direitos políticos. Terras temos que os eleitores vão arrastados como presos de leva. Outras há em que nem eleições se fazem, à falta de quem saiba escrever. Mas também nisto não existe inconveniente. O santo sacramento da eleição celebra-se sempre. A diferença está em pouco. Em vez do povo, oficia o Governo. [...]
É verdade que a ignorância mantém o povo num estado mui vizinho da barbaridade, que com ela, não pode haver progresso nas artes, nem na administração, nem nos costumes. Mas estas coisas não são de primeira necessidade. O dinheiro corre para o Tesouro. As secretarias estão cheias de obra.Os quartéis regurgitam de operários. As prisões aumentam de povoação. Que mais se precisa? Não é esta uma civilização chapada? Será. Nós abominamo-la. E tanto mais a abominamos, quanto estamos convencidos que a felicidade pública, de todos os indivíduos e de todas as classes, depende dum vasto plano de educação, que permita a cada um o desenvolvimento das suas faculdades. Não é decerto com a marcha acanhada, egoísta e meticulosa dos governos de hoje, que tão importante conquista se há-de operar. Toca aos homens de coração filantrópico arredar os primeiros obstáculos que se opõem ao fiat lux e acender o farol que tem de guiar o baixel popular em sua perigosa derrota. É para eles que escrevemos estas linhas - e felizes nós se conseguirmos afervorar sua diligência para meter mãos à obra de tamanho e tão glorioso futuro.
Se a boa instrução é, como ninguém pode negar, uma fonte perene de interesses e de gozos para quem o possui, os livros são indubitavelmente o seu mais seguro depósito. Mas quão poucos dos nossos cidadãos sabem decifrar os mágicos caracteres de que estão cheias as suas páginas! À maior parte deles, a falta de mestres - ao pé da porta -vedou este conhecimento. A outros a cobiça e a rudeza dos pais e amos, serviu de obstáculo. A muitos a dificuldade e aridez do ensino desgostou desde as primeiras lições. Calcule-se por isto de que importância não é a invenção dum método para que pela simplicidade e agrado do seu processo, faz de cada sujeito medianamente instruído, um mestre, e de cada discípulo um leitor. O mestre não necessita de fazer profissão do ensino. Lavrador, artista, negociante, sacerdote, sábio; interrompe por uma hora, nas noites do Inverno, as suas tarefas - e cercado de vizinhos e amigos, de velhos e crianças, dirige-se a todos no caminho da ciência com benignidade e desinteresse. O discípulo não transtorna a sua carreira. Operário, pastor, caixeiro, trabalhador, criado de servir, tira ou pede para tirar essa hora, que tanto pode contribuir para a sua fortuna e de sua família, e vai à escola, apressado e contente como se fosse para uma festa. [...]
[Retirado de: José Félix Henriques Nogueira, Obra Completa, Tomo II, Org. António Carlos Leal da Silva, Col. Estudos Portugueses, INCM, Lisboa, 1979, p. 214-215. Itálicos e Negritos da nossa responsabilidade.]
A.A.B.M.
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1 comentário:
Aqui segue uma sugestão bibliográfica:
Vítor Neto, As Ideias Políticas de José Félix Henriques Nogueira, Lisboa, Edições Colibri/Câmara Municipal de Torres Vedras,(s/d, mas 2005).
Abraço
LBC
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