terça-feira, 18 de março de 2008

A INSTRUÇÃO PÚBLICA - POR ALEXANDRE HERCULANO


A INSTRUÇÃO PÚBLICA

[...] A história da nossa indústria é a da luta entre o trabalho e a administração. Quando os tem querido proteger os governos só têm sabido contrariá-los. Lede a pauta da alfândega, as leis dos forais, esse caos de leis incoerentes e parvas que se têm feito, e vereis sempre a mesma ignorância a transparecer em tudo ; ignorância dos princípios económicos gerais, ignorância da índole e necessidades do país. Não encontrareis nessa lastimosa história senão erros dos governos, esforços dos industriosos e agricultores: estes pagando sempre, aqueles enriquecendo-se e desbaratando a fortuna pública.

A história da instrução pública é semelhante às outras. As escolas superiores têm de estar em defesa permanentemente contra as agressões dos políticos ignorantes, que as consideram como inimigas suas irreconciliáveis. Fortes, porque são pela maior parte compostas de homens instruídos e respeitáveis pela sua integridade, têm podido, não só resistir aos ataques dos políticos de ofício, mas desenvolver-se , progredir, influir na instrução geral do país. As escolas primárias, a instrução do povo, a mais essencial de todas para o bem da nação essa, abandonada, esquecida, perseguida pelos tartufos políticos, e não tendo força para lutar com eles, sucumbiu, e hoje, podemos dizer, e com o coração opresso o dizemos, qua a não há. Temos muitos alferes, muitos tenentes, muitos generais, capacetes com penachos brancos na cavalaria, muitos soldados municipais agaloados, dourados, enfeitados; mas perceptores que ensinem a ler os filhos do povo, e lhes dêem as primeiras noções morais, padres virtuosos que propaguem os princípios suaves e eminentemente liberais da verdadeira religião, isso não temos nós; nem os nossos senhores tratam de preparar as coisas para que o hajam um dia.

A história do país é a condenação dos que nos têm governado. E será possível que, depois de tão longa quanto dolorosa experiência, os eleitores continuem a entregar os seus destinos áqueles que não têm feito senão erros ou vilanias? [...]

Alexandre Herculano, O País, 29-10-1851 in Opúsculos, Tomo 1, Questões Públicas - Política, org. Joel Serrão, Libraria Bertrand,Lisboa, 1983, p. 281.

[Nota: Passado mais de um século e meio, veja-se a actualidade deste texto e os problemas que aborda, são em muito semelhantes aos que se vivem nos nossos dias, no campo do ensino público. Os negritos e itálicos são da nossa responsabilidade.]

A.A.B.M.

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