quarta-feira, 8 de abril de 2009


JOÃO PAIS PINTO
(conhecido Abade de S. Nicolau – Porto) - PARTE IV

Para além de João Pais Pinto houve outros casos de padres como Domingos António Guerreiro, de Viana do Castelo e Padre Oliveira que colaboraram com Pais Pinto, num folheto dedicado aos vencidos do 31 de Janeiro feito em 1892 [Dicionário Bibliográfico Português, org. de Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, Tomo XVIII, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, p. 21]. Mais tarde outras personalidades ligadas à Igreja vão aderir também ao republicanismo como o abade Casimiro Rodrigues de Sá, padre António Duarte Silva, o padre Manuel Ribeiro da Silva, o padre António Augusto de Vila Seca, o padre Manuel Pires Gil e o reverendo Esteves Rodrigues [Fernando Catroga, A Militância Laica e a Descristianização da Morte em Portugal (1865 - 1911), Vol I, Coimbra, Faculdade de Letras, 1988, nota 4, p. 517-518. Cf. Ainda Vítor Neto, “A Questão Religiosa na 1ª República: A posição dos padres pensionistas”, Revista de História das Ideias, vol. 9, Coimbra, 1987, p. 675-731].

A partir do momento da sua absolvição pelo conselho de guerra, Pais Pinto entra num período de recolhimento. Esta situação pode relacionar-se com a sua mudança de local, já que em Junho de 1892 regressa à sua terra onde pouco se houve falar dele durante algum tempo.

Em 1903 voltamos a ter notícias do padre Pais Pinto, quando ele, surge defendendo a Irmandade dos Clérigos Pobres. Este acontecimento terá sido desencadeado porque esta irmandade contava entre os seus inimigos os Jesuítas e alguns membros do alto clero português.

A Irmandade dos Clérigos Pobres foi transformada pelo Monsenhor Elviro dos Santos em Associação de Socorros Mútuos em 1887. A ela terão aderido cerca de 1600 presbíteros de todo o País [Vítor Neto, O Estado, A Igreja e a Sociedade em Portugal (1832-1911), Lisboa, Col. Análise Social, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998, p. 130]. Com o apoio do poder civil, esta irmandade, cuja sede estaria na Igreja da Encarnação, passaria para o Convento de Santa Marta. Porém, o clero paroquial atravessava uma crise profunda, já que desde o tempo de Pombal que a classe eclesiástica se sentia oprimida. Perderam liberdades, sujeitaram-se ao arbítrio do poder secular, sofreram humilhações com a venda dos bens das ordens religiosas, as expulsões frequentes a contento dos liberais. Por outro lado, o próprio clero descurou a formação eclesiástica, mas também se desenvolveram sociedades secretas que tinham como objectivo fundamental desacreditar o clero, e os sacerdotes passaram a ser considerados como agentes da reacção.

Pais Pinto que era amigo pessoal de Monsenhor Elviro dos Santos, envolve-se novamente em polémica ao lutar contra o encerramento do Hospício do Clero em Lisboa. Contra essa situação reage o então pároco de Cabanas [de Viriato] ao publicar uma série de artigos no jornal Vanguarda de inspiração republicana.

Esta questão da Irmandade do Clérigos Pobres chega a ser discutida na Câmara dos Deputados, em Maio de 1903, quando Hintze Ribeiro, que na altura era ministro do Reino, decidiu que não dissolvia a Mesa da Irmandade, porque tinha sido feito rigoroso inquérito e provou-se que esta era zelosa na sua administração. Esta decisão trouxe no entanto um problema, o Governo retirou momentaneamente o edifício do Convento de Santa Marta à Irmandade.
Segundo Vítor Neto, a Liga do Clero Paroquial foi fruto da evolução que se registou com a Irmandade dos Clérigos Pobres onde a classe eclesiástica começa a demonstar algumas preocupações em unir-se e reivindicar os seus direitos. As articulações e desavenças que se fizeram sentir dentro do clero tornaram esse movimento cada vez mais uma necessidade. Por isso, assiste-se em 1907 à criação dessa Liga do Clero Paroquial Português que teve a dinamizá-la Monsenhor Elviro dos Santos. Também nessa altura, Pais Pinto, novamente activo politicamente vai defender essa instituição e sobretudo o seu grande amigo, pároco de Santa Engrácia, contra os ataques do Partido Nacionalista.

Pais Pinto volta à ribalta política, quando se organiza uma manifestação na cidade do Porto em sua honra que terá envolvido “mais de mil cidadãos” para receber na estação de S. Bento “o intransigente e velho republicano”. Esta recepção aconteceu em 16 de Junho de 1906, nas vésperas da realização de uma conferência que se efectuou na salão do Centro Democrático no dia 17 [Anónimo, “Dr. Paes Pinto”, Vanguarda, Lisboa, 18-06-1906, Ano XI (XVI), nº 3450 (6311), p. 1, col. 1.]

No final do mês de Junho, Pais Pinto surge indicado como candidato republicano em Cabanas no Congresso Republicano de Lisboa. Mais tarde, já no mês de Julho desloca-se a Lisboa devido a problemas de saúde e fica hospedado em casa do Monsenhor Elviro dos Santos e, o jornal Vanguarda, pedia mesmo aos republicanos, que o fossem esperar à estação do Rossio, para lhe prestarem homenagem pelo seu papel de difusor do ideal republicano pela província. Essa homenagem é concretizada quando Pais Pinto chega e tem à sua espera “grande número de correligionários nossos que enchiam a gare e aclamaram freneticamente o distinto eclesiástico republicano (...) que foi alvo duma eloquente e estrondosa manifestação, que tomou ainda maior incremento à saída da estação até ao Rossio, onde os centenares de pessoas dispersaram” [Anónimo, “Dr. Paes Pinto”, Vanguarda, Lisboa, 10-07-1906, Ano XI (XVI), nº 3472 (6333), p. 1, col. 4]. Sendo esta visita realizada sobretudo por motivos médicos e para assistir à assembleia-geral da Irmandade dos Clérigos Pobres. Por estas manifestações de apreço, realizadas pelos republicanos do Porto e de Lisboa, pode-se concluir que ele seria uma pessoa relativamente conhecida nos meios políticos e as suas posições políticas eram admiradas pela população que o considerava sobretudo como o herói da revolta republicana de 31 de Janeiro.

Na sequência desta manifestação de apreço do povo de Lisboa, Pais Pinto, publica um manifesto ao Partido Republicano de Lisboa, onde agradece a organização da referida manifestação e aponta os laços de “solidariedade” que ligam os elementos deste partido, pela dedicação que manifestava à pátria, em que a República seria a “única forma de governo capaz de regenerar a nacionalidade portuguesa”. Como era padre, acreditava também, qualquer que fosse a religião dos correligionários da república “ou mesmo, nenhuma, que eu não deixarei de cooperar com eles para o restabelecimento de costumes austeros, implantação de virtudes cívicas, amor ao trabalho e administração justa e económica”, deixando mesmo ficar uma nota importante, “se a República acabar com o clero nacional, proclamando a separação do Estado da igreja, nada mais fará do que dar o golpe de misericórdia a uma instituição ludibriada por quem a devia honrar” [João Paes Pinto, “Ao Partido Republicano de Lisboa”, Vanguarda, Lisboa, 11-07-1906, Ano XI (XVI), nº 3473 (6334), p. 1, col. 6]. Acrescentava ainda acerca da posição do clero, que vivia numa situação vergonhosa porque era sustentado pelos emolumentos dos mortos, tendo a Monarquia prometido resolver o problema já havia muito tempo.

Será com a subida ao poder de João Franco, com a instauração da ditadura franquista que Pais Pinto desencadeará novamente um conjunto de acções na imprensa republicana que propaga as suas ideias e princípios. Assim, critica a monarquia pela ausência de liberdade que se vivia, pela corrupção que grassava, pela crueldade e imoralidade da situação.

No vasto número de artigos que se encontrou da autoria do padre Pais Pinto, 26 deles estavam subordinados ao título: “Os Padres Republicanos”.
Outro dos aspectos com que o padre republicano se defrontava era com o peso da Maçonaria e as críticas que lhe eram feitas por ele escrever num jornal que era dirigido por um grão-mestre da Maçonaria portuguesa, Sebastião Magalhães Lima. Quanto a este aspecto, Pais Pinto considerava-a como um inimigo civilizado, porque “combate princípios, mas não se incompatibiliza com as pessoas”, por saber travar uma batalha, por colocar em seu redor “pessoas de todas as cores políticas”, “pessoas de todas as confissões religiosas” [Abade Paes Pinto, “Os Padres Republicanos”, Vanguarda, Lisboa, 05-09-1908, Ano XII (XVIII), nº 4184 (7055), p. 1, col. 1.]. Estes elementos opunham-se aos que eram propostos pelo nacionalismo, fazendo o confronto de ideias entre a Monarquia e a República.

Finalmente, a sua concepção de Deus e da religião é apresentada de forma clara porque “tudo se firma na autoridade de Deus” dentro do campo religioso. Para Pais Pinto “Deus só quer o que é bom, portanto se a religião manda amar mesmo os que não crêem em Deus, é porque estes, seguindo embora o erro, têm alguma coisa de bom e de digno de ser amado”. Mas conduz essa noção para a ideia de liberdade porque “a liberdade de pensamento é um direito igual para todos”, portanto “o sectarismo é inadmissível” no entanto, ele estava bem presente na forma de agir dos católicos ligados ao nacionalismo. Conclui afirmando: “a religião (...) é superior à política, e a política é superior às formas de governo” [Abade Paes Pinto, “Os Padres Republicanos”, Vanguarda, Lisboa, 04-08-1907, Ano XI (XVII), nº 3849, p. 1, col. 1].

Outro assunto que Pais Pinto apresenta nestes artigos é a polémica em que se envolveu com o jornal Portugal representante do Partido Nacionalista [Manuel Braga da Cruz, “Os católicos e a política nos finais do século XIX”, Análise Social, 2ª Série, vol. XVI (61-62), Lisboa, 1980, p. 269.] e onde desfere algumas críticas bastante fortes aos membros desse partido e sobretudo ao apoio que lhe era fornecido pela Igreja católica. Afirmava, portanto, a propósito desse partido “perdeu para mim toda a consideração de um partido sério, austero e capaz de pela prática das virtudes cívicas, influir na regeneração dos costumes sociais, por vê-lo eivado dos mesmos vícios”, mas o grave eram as intenções manifestas de utilizar os párocos para “onde explicam o evangelho e fazem a catequese, tratassem dos assuntos políticos e económicos”.
Para Pais Pinto só poderia falar-se em República e em política se se pensasse em democracia. Ele próprio afirmou “politicamente falando, para mim não há deístas nem ateus, judeus ou muçulmanos, católicos ou protestantes: há só cidadãos com a liberdade de seguirem as crenças que quiserem” [João Paes Pinto, “Dr. Pais Pinto”, A Beira, Viseu, 02-03-1909, Ano III, nº 177, p. 3, col. 2]. Assim, temos logo à partida definidos os parâmetros por onde se guiava este padre: liberdade, democracia, tolerância e concórdia. Portanto, quase todos os temas vão desaguar nestes valores e princípios fundamentais da sua personalidade que o tornaram tão admirado na sua época.
No seu entendimento, a República tinha que ser democrática, tinha que deixar o povo exprimir as suas opiniões livremente e sem restrições. Por isso, a democracia, na sua concepção “é a nação falando por si , e o começar dos argumentos mais simples para os mais complexos”. As palavras religião e democracia tinham, no seu entender, “uma missão parecida; a primeira dissipa as trevas do materialismo, a segunda, as da tirania, ou do poder absoluto; a primeira faz raiar na consciência a luz de Deus, a segunda, a do direito e da justiça. Ambas militam na terra sob a mesma bandeira - Liberdade”. Note-se como este homem consegue estabelecer um raciocínio sobre política e manter a coerência em todos estes aspectos, porque ele via a vida política com estes princípios fundamentais, o que na altura era bastante raro e mesmo inovador, sobretudo para um membro da igreja católica que obviamente não via com bons olhos todas estas afirmações.

A sua morte surpreendeu quase toda a gente a 7 de Abril de 1909, aos 54 anos, sem nunca ter conseguido ver concretizado o seu sonho de ver a República implantada em Portugal. No seu funeral estiveram presentes as figuras republicanas do distrito de Viseu e Bernardino Machado em representação do directório nacional do Partido Republicano. A imprensa, mesmo a religiosa, fez referência à sua morte, pois apesar de não concordar com as suas opiniões políticas o certo é que nunca conseguiram provar que ele era mau sacerdote, apesar de por vezes ser alvo de críticas bastante feias, sobretudo dos órgãos nacionalistas.

Conhecem-se colaborações nos seguintes jornais:
A Beira, Viseu, Dir. Alberto da Silva Basto, 1906-1911
O Futuro, Olhão, Dir. Gustavo Cabrita, 1891-1909
Palavra (A), (1837 188). Sábado, 31 de Dezembro de 1887, N.° 169, Ano XVI, Leão XIII. Homenagem dos católicos portugueses a Sua Santidade Leão XIII, no seu jubileu sacerdotal, Porto, 6 pág.
Protesto de sympathia á Hespanha, Porto, Imp. Moderna, 1 de Dezembro de 1890, 4 pág.
A Voz de Ourém, Vila Nova de Ourém, 1908.
Vanguarda, Lisboa, Dir. Sebastião de Magalhães Lima, 1890-1908

Folhetos e Opúsculos:
Abbade de S. Nicolau e o Bispo de Coimbra, O (Um Incidente da Sublevação do Porto), Porto, Typographia da Empreza Litterária e Typográphica, 1891.
Anno (Um) depois. (Aos vencidos). 31 de Janeiro de 1831 - 31 de Janeiro de 1892. Porto, Typ da Empreza Litteraria e Typographica, 20 pag.
PINTO, João Paes, O Hospício do Clero em Lisboa, Lisboa, Typogrphia Minerva Central, 1903.

A.A.B.M.

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