quinta-feira, 4 de março de 2010

COLÓQUIO INTERNACIONAL REPÚBLICA, UNIVERSIDADE E ACADEMIA


Tivemos oportunidade de assistir, hoje, a uma parte deste colóquio dedicado à questão da República na Universidade.
Numa sala bastante bem composta tivemos oportunidade de assistir às apresentações de Christophe Charle, sobre a Ciência e República e os conflitos nas instituições universitárias francesas. Onde foi possível compreendermos que os problemas suscitados pela massificação do ensino superior e as políticas de ensino superior, definidas pelos poderes políticos, provocam na evolução dos Estados. Os novos problemas, agora em voga como o Protocolo de Bolonha, o subfinanciamento do Ensino Superior, entre outros estão a provocar conflitos e irão causar redefinir o enquadramento das instituições de ensino superior e exigir novas respostas.

De seguida, apresentou a sua reflexão a Doutora Isabel Nobre Vargues, sobre as imagens da República através das leituras dos contemporâneos ou dos historiadores do período. Começou por recordar alguns historiadores como A. H. de Oliveira Marques, Carlos Ferrão ou Jacinto Baptista ou ainda Manuel de Arriaga, Machado Santos ou Lopes de Oliveira. Chamou a atenção para a escola de Coimbra que tem estudado o movimento republicano como Fernando Catroga, Amadeu Carvalho Homem, Manuela Tavares Ribeiro, Luís Reis Torgal ou para a escola de Lisboa, com personalidades como Ernesto Castro Leal, António Ventura, Luís Bigotte Chorão, entre outros.
Recordou alguns momentos essenciais da construção do ideal republicano e a sua ligação a Coimbra, como a visita de Emílio Castelar a Coimbra no início dos anos 70 do século XIX.
Por outro lado, chamou a atenção para a iconografia da época, agora já digitalizada, devido ao excelente trabalho desenvolvido pela Hemeroteca Municipal de Lisboa que disponibilizou online revistas como O Ocidente e a Ilustração Portuguesa, onde se pode acompanhar o processo da implantação da República em imagens.
Outro dos aspectos importantes foi a nomeação de Manuel de Arriaga para reitor da Universidade de Coimbra. Tendo realizado logo nesse período um conjunto de cinco conferências em Coimbra, a propósito da implantação da República, que hoje não se conhecem os textos, ou mesmo o título das mesmas.

O Professor Amadeu Carvalho Homem analisou o significado simbólico do gesto do Zé Povinho, de Rafael Bordalo Pinheiro (manguito). Partiu da análise dos mitos gregos, principalmente os de Deméter, Dionísio e orgiásticos para compreender que o riso provocado pelos gestos obscenos têm significados muito interessantes na psicologia. Procurou, analisando algumas obras, não só ao nível da escultura ou mesmo da pintura, explicar como a interpretação desses gestos podem servir para interpretações, no mínimo, curiosas.
Analisou também a personalidade de Rafael Bordalo Pinheiro, a sua vida boémia, que também contribuiu para uma morte prematura. Por outro lado, através do tipo de reacção que as suas obras de cerâmica provocavam no contexto da época. Realçando que, com base em Lavater, o riso tem significados que vão desde o gozo com os incidentes dos outros, a manifestação de superioridade, o desdém face à situação, ou a insegurança.
Finalmente, esclareceu que com base em determinadas concepções, explicava-se a superioridade dos órgãos da parte superior do corpo, mais ligados à espiritualidade e à racionalidade (cérebro, coração), enquanto os órgãos inferiores (estômago, órgãos genitais) eram muito mais terrenos e corruptíveis.
Esta reflexão já tem vindo a ser construída no blogue Livre e Humano, onde se encontram já as linhas gerais desta comunicação que começou por ser apresentada, ainda embrionariamente nas Jornadas Históricas de Seia e tem vindo constantemente a ser melhorada e aperfeiçoada.

Ernesto Castro Leal e Noémia Malva Novais analisaram as lutas estudantis e académicas entre 1918 e 1926. O Professor Ernesto Castro Leal destacou a dificuldade que existiu e existe em Portugal em se conseguir organizar uma Federação Académica Nacional. Assinalou algumas tentativas realizadas, mas todas muito efémeras e sem continuidade.
Assinalou-se ainda a criação das diferentes Associações Académicas e as dificuldades com que todas lutam devido à transitoriedade das funções. Começou, depois por realçar o papel da greve académica durante o Sidonismo (Abril de 1918) tendo surgido duas organizações académicas como a Liga Nacional Republicana e o Centro Federal Mocidade Republicana.
Noémia Novais distinguiu quatro momentos essenciais nas lutas académicas em Coimbra, 1919, quando Leonardo Coimbra cria a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e as reacções em Coimbra; 1920, com o episódio da Tomada da Bastilha, quando alguns alunos da Associação Académica de Coimbra ocuparam o edifício da revista O Instituto, para ocuparem um espaço mais alargado, melhorando as suas condições; 1921, quando os estudantes de Medicina se revoltaram contra o Professor Ângelo da Fonseca e deixaram de ir às suas aulas, acabando por não organizar nesse ano a Queima das Fitas; 1924, devido a confrontos durante o cortejo da Queima, quando alguns futricas e estudantes se envolveram em episódios de pancadaria em pleno cortejo, facto que acabou com a morte de um estudante.
Por fim, Ernesto Castro Leal, recordou que quando se deu Golpe Militar de 28 de Maio de 1926 estava em curso uma greve académica. Esta surgiu devido à reconfiguração de algumas profissões como as ligadas às letras e a profissão de engenheiro. Recordou o papel de Henrique de Barros no processo através da leitura das suas memórias dos acontecimentos.

Após um breve intervalo, seguiu a sessão com as apresentações de Manuela Tavares Ribeiro, Luís Bigotte Chorão e Isabel Pérez-Villanueva Tovar.
A Professora Manuela Tavares Ribeiro analisou a formação ideológica dos republicanos de 1848, que mesclavam republicanismo, socialismo, liberalismo e democraticidade, numa época onde o idealismo e a perspectiva romântica eram notórias. Recordou o sentimento de esperança e espectativa assente na importância da ilustração e da educação que podiam conduzir a uma crescente igualdade entre os cidadãos.
Lembrou algumas figuras que se destacaram neste contexto como Custódio José Vieira, Marcelino de Matos ou Casal Ribeiro.
Concluiu reflectindo sobre o papel da França no contexto europeu da época, como foi mitificada e a República era encarada como uma verdadeira religião pelos homens marcados pela influência do Romantismo.

Luís Bigotte Chorão analisou a influência dos designados “Intransigentes de 1907” durante a Primeira República. Começando por estudar as causas dos acontecimentos de 1907, a reprovação de José Eugénio Dias Ferreira, na apresentação das suas conclusões magnas. Chamou a atenção para o facto da tese de Dias Ferreira estar didicada a Teófilo Braga, acto que logo desagradou aos membros do juri. Por outro lado, algum convencimento sobre a verdadeira importância do seu trabalho, o que levou logo a que criasse poucas simpatias junto da Universidade e dos treze membros do juri das provas, todos eles seus antigos professores.
No entanto, o acto de reprovação transformou-o num herói para os republicanos e para muitos estudantes das escolas superiores. Mais, rapidamente se transformou numa arma de arremesso político, quando originalmente não era essa a sua função. Muitos jovens estudantes adereriram nesta altura ao Partido Republicano. Entre as figuras referidas, como as mais em evidência destacaram-se Campos Lima, Alberto Xavier ou Amilcar Ramada Curto, mas mais de uma centena de estudantes mantiveram a sua posição de não realizar exames nesse ano, manifestando o seu apoio ao aluno perseguido.
Esta posição política valeu a uma dúzia deles serem eleitos à Assembleia Constituinte de 1911. Por outro lado, não esquecendo a situação por que passaram alguns deles, vão tomar de imediato a iniciativa de criar novas escolas de ensino superior, como Alberto Xavier, que pouco depois do 5 de Outubro, convocou publicamente os seus colegas de curso para envidar esforços no sentido de se criar em Lisboa uma nova Universidade. Nesse contexto surgiu também um antigo estudante, José Francisco de Azevedo e Silva, ilustre advogado e republicano, com alguma influência, que também ele tinha tido problemas com a Universidade de Coimbra e vinha solicitando na Associação de Advogados de Lisboa a criação de um curso de Direito na capital. Este facto veio a concretizar-se com alguma rapidez no novo regime.

Por fim Isabel Pérez-Villanueva Tovar apresentou a sua pesquisa intitulada La Ciudad Universitária de Madrid, de la Monarquia a la Republica: continuidad y cambio, que já não nos foi possível assistir. Após essa apresentação, realizar-se-ia ainda um período de debate que foi certamente bastante proveitoso para todos os palestrantes e audiência presente, que era bastante assinalável.

Um interessantíssimo colóquio onde se trocam experiências e confrontam investigações que estão em curso ou já em fase de conclusão. Esperemos que outros se repitam pelo País ao longo do presente ano.

A.A.B.M.

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