sábado, 9 de fevereiro de 2013

SEBASTIÃO JOSÉ DA COSTA

A propósito do que escreveu o Prof. António Ventura via Facebook, lembramos um dos homens do denominado Reviralho, que participou nas principais revoltas contra a Ditadura Militar (1927 e 1931), marinheiro, republicano, bibliófilo, seareiro, oposicionista e uma figura muito esquecida na cultura algarvia. Para ficarmos com uma breve ideia conviveu com António Sérgio, Raúl Proença, Afonso Costa, Camilo Pessanha e, recentemente, descobri também a sua paixão pela música, tendo trocado correspondência com o Maestro Viana da Mota ao longo de vários anos.

Aqui fica uma nota breve sobre a personalidade de Sebastião José da Costa.

Nasceu em Faro, em 2 de Junho de 1883. Desde bastante jovem alinhou politicamente ao lado dos republicanos (1905[1]). Quando se deu a implantação da República, Sebastião da Costa estava no Extremo Oriente, a bordo do cruzador Rainha D. Amélia, com a patente de 2º tenente. Este afastamento tinha já a ver com a sua actividade política, porque eram bem conhecidos os seus sentimentos republicanos e o ardor com que os propagandeava entre os oficiais da Armada, sendo um dos responsáveis pela rede de aliciamentos que existia neste ramo das forças armadas.


A carreira militar foi iniciada em 2 de Outubro de 1902, quando se alistou. No final desse mês ascendia a aspirante (29/10/1902), alcançando o posto de guarda-marinha em 21 de Setembro de 1906, foi depois promovido a 2º tenente em 19 de Março de 1909 e a 1º tenente em 24 de Agosto de 1917. Em 9 de Setembro de 1926 ascende ao posto de capitão-tenente, atingindo a situação de reforma em 2 de Junho de 1953[2]. A sua carreira militar foi também consagrada com variadas condecorações onde se destacam a de Oficial da Ordem de Avis, a medalha de prata militar, da classe de comportamento exemplar, a medalha da Vitória, medalha de prata do Ultramar, de campanha e diversas medalhas comemorativas das campanhas do exército português.

Em 1908, participou nas operações militares desenvolvidas na Guiné, o que lhe conferiu louvores por parte do Governador-geral daquela antiga colónia portuguesa.
Quando das invasões monárquicas no Norte do País, deu provas de dedicação, zelo e arrojo, o que lhe conferiu um louvor por parte do ministro da Marinha em 1912.
Durante a 1ª Guerra Mundial fez parte da guarnição do contra-torpedeiro Guadiana, onde participou em numerosos comboios para Inglaterra, França e outras regiões. Participou em serviços em zonas patrulhadas por submarinos inimigos e infestadas de minas.

Prestou serviço em numerosos navios, foi também instrutor na Escola de Alunos Marinheiros do Sul, capitão do porto de Olhão, director do posto radiotelegráfico de Faro, da primeira estação radiogoniométrica de Sagres e no Departamento Marítimo do Sul.

Comandou a canhoneira Cuanza, em 1921, mostrando-se muito activo no serviço de fiscalização da actividade pesqueira na região sul do País, realizando numerosas apreensões por transgressão dos regulamentos de pesca. Neste ano, fundou e dirigiu um jornal intitulado União Militar publicado em Tavira.

Durante a República, Sebastião da Costa exerceu o cargo de chefe de gabinete do Dr. Rodrigo Rodrigues, quando este foi governador de Macau entre 1923 e 1925.

A sua actividade política contra a ditadura foi iniciada com a participação no movimento revolucionário de Fevereiro de 1927. Sebastião da Costa foi um dos membros do comité revolucionário em Faro e considerado o chefe dos militares sublevados[3]. Devido a esta iniciativa foi  preso na Quinta da Torre, em Cacela. Foi afastado do serviço activo por força do decreto 13 137, de 28 de Maio de 1927.

Participou activamente na preparação e na revolta do Funchal em 1931[4], fazendo mesmo parte da Junta Central da Revolta. Segundo o Prof. Veríssimo Serrão, o 1º tenente Sebastião José da Costa, foi incumbido duma missão fundamental: foi enviado como delegado da Junta para obter o reconhecimento por parte da Inglaterra e da Espanha e, por outro lado, tentar obter um barco e armas de guerra[5].

Porém, devido ao fracasso deste evento, foi obrigado a exilar-se, sendo demitido da armada por envolvimento nos acontecimentos revoltosos da Madeira e dos Açores no dia 14 de Maio de 1931[6]. Algum tempo depois foi preso e julgado no Tribunal Militar de Santa Clara, sendo seu defensor nesta ocasião o brigadeiro Tamagnini Barbosa.

Em 1951 foi reintegrado na armada, quando era Ministro da Marinha o almirante Américo Tomás. Em 1 de Julho desse ano foi colocado na situação de reserva e mais tarde nomeado para fazer parte da Comissão de Domínio Público Marítimo, na qual se manteve até à reforma, quando fez 70 anos em 2 de Junho de 1953.

Sebastião José da Costa sendo um homem dedicado às questões culturais deixou essa faceta bem marcada, colaborando em diversas publicações e jornais. Segundo foi possível apurar colaborou entre outras: nos Anais do Clube Militar Naval, de Lisboa; na revista Alma Académica, número único, publicado em Faro por ocasião do aniversário de João de Deus, em Março de 1922; na Alma Nova, dirigida por Mateus Martins Moreno, nos primeiros números. Foi ainda um dos membros fundadores da redacção da revista Seara Nova, dirigida inicialmente por Raul Proença; colaborou ainda n’ A Revista, dirigida por José Pacheco, em Lisboa, entre 1929 e 1931. Colaborou esporadicamente com o Correio do Sul, de Faro; com A Ideia Republicana, da mesma cidade, entre 1928 e 1929; O Nosso Algarve, publicado na mesma cidade, entre 1925 e 1927; Vida Algarvia, entre 1929 e 1930; Correio Olhanense, publicado em Olhão entre 1921 e 1933. Foi o redactor principal do A União Militar, que se publicou em Tavira no início de 1922.

Trabalhou ainda alguns anos na agência noticiosa Reuters, dedicou-se a estudos sobre orientalismo e budismo. Estes interesses terão sido adquiridos aquando da sua passagem por Macau, onde conviveu com Camilo Pessanha, escrevendo artigos sobre a saudade enquanto sentimento e vocábulo tão utilizado pelos portugueses, pondo assim em questão, de forma elucidativa, um dos mitos construídos pelo nacionalismo literário português.

Na fase final da sua vida consagrou grande parte do seu tempo e dinheiro na aquisição de livros. Possuidor de uma vasta e rica biblioteca entrega parte da mesma para o Museu Marítimo de Faro. Nos últimos anos tinha deixado de escrever ou de publicar o que escrevia, pois não se encontram vestígios de textos da sua autoria, nem há indicações disso.

Faleceu em Lisboa, no Hospital da Marinha, em 2 de Julho de 1965, realizando-se o seu enterro para o cemitério do Alto de S. João.
 
A nota biográfica mais desenvolvida e a biobibliografia já se encontram publicadas nos Anais do Município de Faro, 2009-2010, vol. XXXVI, p. 216-239.

A.A.B.M.

[1] António Henrique de Oliveira Marques, A Literatura Clandestina em Portugal (1926-1932), vol. II, Fragmentos, Lisboa, 1990, p. 236
[2] Lista da Armada. Referida a 31 de Dezembro de 1954, Ministério da Marinha – Superintendência dos Serviços da Armada, Lisboa, 1954, p. 198.
[3] Libertário Viegas, Histórias à Solta nas Ruas de Faro, Faro, AJEA Edições, 2004, p. 141-142.
[4] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal. Do 28 de Maio ao Estado Novo (1926-1935), Lisboa, Editorial Verbo, 1997, p. 203 nota 758. Constituíam a Junta Governativa da Madeira, chefiada por Adalberto Gastão de Sousa Dias os seguintes oficiais: coronéis Fernando Freiria e José Mendes dos Reis, majores Filipe de Sousa e Carlos Bragança Parreira, capitães Carlos Vilhena e Augusto Casimiro, 1º tenente Sebastião Costa, tenente Manuel Ferreira Camões e alferes Armando Hasse Ferreira.
[5] Joaquim Veríssimo Serrão, idem, p. 204.
[6] Joaquim Veríssimo Serrão, idem, p. 211.

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