“Bela entrevista que li agora, a António
Borges Coelho, por Luciana Leiderfarb (Supl. Atual, Expresso, de 8 de Março).
Estava enterrada na pilha dos papéis para ler, mas devorei-a hoje, à hora do
almoço. Declaração de intenções: A.B.C. foi meu professor, um dos melhores, pelo
que peço desculpa por qualquer entusiasmo desmedido.
Cinco ideias a reter:
1.ª A prática de uma história que se detém no
omitido ou banido, nas minorias que fizeram a nação, nas gestos que partiram de
baixo, "do chão humano humano onde toda a história assenta".
Acrescenta o historiador, a propósito da sua
nova História de Portugal: "Quis olhar para todos os lados: para baixo,
para o centro e para cima. Não tratar apenas dos poderosos";
2.ª "A história não é um plano ou uma
amassadeira, tem gradações. Podemos enganar-nos na escolha do que foi marcante,
mas não podemos apenas ir enumerando - como quem faz um colar - os factos. A
história não é um colar, tem uma orgânica que é preciso descobrir";
3.ª Sobre o historiador como manipulador do
tempo, embora "não no sentido de forçar os factos a serem outra coisa. O
historiador tem de saber que, se não for consciente da sua capacidade de
manipular, ele manipula. Falamos de camponeses que não querem pagar, e sabemos
isso porque o funcionário do bispo o disse num documento. Ao retirar do
documento esta informação, estamos a construir um facto. Existem montanhas de
factos construídos, e o maior perigo para o historiador é reutilizar factos já
feridos de vícios ou até falsos. Como se apercebe disso? Com traquejo. Ele tem
de viver, quase, na época sobre a qual escreve";
4.ª Sobre as escolhas, nunca inocentes, do
historiador e do discurso histórico: "A história não é o que se viveu. É
um discurso [narrativa] sobre o que se viveu e, por muita objectividade que se
pretenda, é sempre subjectivo. É do homem que se escreve, das suas ideias, da
sua experiência [acumulada]. Estamos sempre a fazer escolhas, e eu sempre
escolhi temas de que ninguém queria falar.";
5.ª ideia, e última, que põe em causa a
facilidade associada à história contemporânea, e da paixão pelo ofício:
"Sabe, fazer história recente é mais dificil, por isso ainda não sei qual
é o caminho. Só sei uma coisa: vou fazer isto até morrer".
Uma lição magistral de epistemologia da
história...”
[ÁLVARO DE MATOS, via Alvaro Matos Facebook - sublinhados nossos]
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