terça-feira, 8 de julho de 2014

ANTÓNIO BORGES COELHO


“Bela entrevista que li agora, a António Borges Coelho, por Luciana Leiderfarb (Supl. Atual, Expresso, de 8 de Março). Estava enterrada na pilha dos papéis para ler, mas devorei-a hoje, à hora do almoço. Declaração de intenções: A.B.C. foi meu professor, um dos melhores, pelo que peço desculpa por qualquer entusiasmo desmedido.

Cinco ideias a reter:

1.ª A prática de uma história que se detém no omitido ou banido, nas minorias que fizeram a nação, nas gestos que partiram de baixo, "do chão humano humano onde toda a história assenta".

Acrescenta o historiador, a propósito da sua nova História de Portugal: "Quis olhar para todos os lados: para baixo, para o centro e para cima. Não tratar apenas dos poderosos";

2.ª "A história não é um plano ou uma amassadeira, tem gradações. Podemos enganar-nos na escolha do que foi marcante, mas não podemos apenas ir enumerando - como quem faz um colar - os factos. A história não é um colar, tem uma orgânica que é preciso descobrir";

3.ª Sobre o historiador como manipulador do tempo, embora "não no sentido de forçar os factos a serem outra coisa. O historiador tem de saber que, se não for consciente da sua capacidade de manipular, ele manipula. Falamos de camponeses que não querem pagar, e sabemos isso porque o funcionário do bispo o disse num documento. Ao retirar do documento esta informação, estamos a construir um facto. Existem montanhas de factos construídos, e o maior perigo para o historiador é reutilizar factos já feridos de vícios ou até falsos. Como se apercebe disso? Com traquejo. Ele tem de viver, quase, na época sobre a qual escreve";

4.ª Sobre as escolhas, nunca inocentes, do historiador e do discurso histórico: "A história não é o que se viveu. É um discurso [narrativa] sobre o que se viveu e, por muita objectividade que se pretenda, é sempre subjectivo. É do homem que se escreve, das suas ideias, da sua experiência [acumulada]. Estamos sempre a fazer escolhas, e eu sempre escolhi temas de que ninguém queria falar.";

5.ª ideia, e última, que põe em causa a facilidade associada à história contemporânea, e da paixão pelo ofício: "Sabe, fazer história recente é mais dificil, por isso ainda não sei qual é o caminho. Só sei uma coisa: vou fazer isto até morrer".

Uma lição magistral de epistemologia da história...”
 
[ÁLVARO DE MATOS, via Alvaro Matos Facebook - sublinhados nossos]
 
J.M.M.

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