DIAS: 25-27 de Fevereiro (21,00 horas) | 28 de Fevereiro (15,30 horas)
| 4-6 de Março (21,00 horas) | 7 de Março (15,30 horas);
LOCAL: Junta de Freguesia do Bonfim (Campo 24 de Agosto, Porto);
LOCAL: Junta de Freguesia do Bonfim (Campo 24 de Agosto, Porto);
ORGANIZAÇÃO: Livraria Manuel Ferreira
CATÁLOGO ONLINE AQUI [Vol I e Vol
II]
► “… Walter Benjamin
(I892-I940), crítico literário, ensaísta, tradutor, filósofo e sociólogo,
escreveu algures que uma biblioteca constitui um testemunho credível do
carácter do seu possuidor.
Decerto que sim, ainda que o
presente catálogo não corresponda em rigor ao acervo da minha biblioteca. Antes
de mais porque as obras ora apresentadas correspondem a menos de 50% das que
possuo. Depois porque as registadas resultam da selecção criteriosa que o
leiloeiro fez sobre o todo, orientando-se muito naturalmente pelo valor
comercial ou potencial das que escolheu e pela experiência que tem recolhido
dos licitantes de leilões.
Confrontando entre o que foi seleccionado e o que ficou, acho
que as obras não escolhidas são mais susceptíveis de constituir um testemunho
credível do meu carácter do que as primeiras. Para que conste, grosso modo,
obras sobre Arte, Ensaios de Literatura e Crítica, Descobrimentos, História,
Política, Religião, Sociologia, Ultramarina e Literatura Estrangeira, entre
outras, foram excluídas em defesa delas próprias e dos seus autores, em face do
escasso interesse que colhem na prática histórica dos leilões (…)
Refere A. Forjaz Sampaio no seu livro "Homens de
Letras" (…), que um bibliófilo é sempre um bicho sossegado, um carcereiro
de livros...
Estou com ele e acrescento: algumas vezes até carcereiro de
livros que nunca leu e jamais virá a ler! (…)
Desde sempre tudo me interessou, acumulando livros numa demanda
que se aproxima da procura mítica do Santo Graal, embora com incidência mais compulsiva
nas épocas e autores que mais me fascinaram. Desde logo a Idade Média, o Humanismo,
o Renascimento e o século XX. E quanto a autores, desde sempre, Santo António, S.
Francisco de Assis, Dostoievsky, Proust, Thomas Mann, Faulkner,]oyce, Sartre, Camus,
Camilo, Eça, Pessanha, Alves Redol, Vergílio Ferreira, Agustina Bessa Luís, António
Rebordão Navarro, Ilse Losa, Luísa Dacosta, Mário Cláudio, Manuel Alegre, etc.,
mais a gente de Orpheu e da Presença.
Retomando a Forjaz Sampaio, no que diz respeito a bibliófilos,
transcrevo: Um livro novo, a não ser que lhe garantam que é muito difícil de
alcançar, não o tenta. Mas dêem-lhe um calhamaço joanino, com suas margens largas
em rico papel de linho, suas vinhetas delicadíssimas, como já hoje não se grava,
suas iniciais ornadas, sua encadernação do tempo, ou um pequeno quinhentista gótico
(...) e vê-lo eis transmudado de sorumbático em bailador e de longorelhudo
triste em farsola gracioso. (…)
Mas mais nos diz Walter Benjamin ao afirmar que, com o passar do
tempo e com o crescimento da biblioteca, breve o bibliófilo passa a ter em atenção
outros valores que não propriamente os do conteúdo, deixando-se seduzir pela excelência
da impressão, das encadernações, das ilustrações, da raridade do exemplar, enfim,
pelo valor que tais livros-objectos alcançam no mercado, fazendo-o transmigrar para
a condição de investidor de capital.
A esta fatalidade confesso que também não escapei. Mas só muito
moderadamente. Na verdade, escassas vezes me deixei seduzir por este parâmetro enquanto
fim em si mesmo. Agora tratando-se de obra de autor ou de matéria em que estivesse
a laborar, aí sim, não descansava enquanto a não obtivesse, olhando pouco ao preço
e menos ainda à eventual valorização futura.
Na realidade nunca fiz da minha biblioteca um meio de investimento
de capital. Tive-a sempre como fonte de união entre mim e o mundo, secundando Stefan
Zweig que dizia que os livros são feitos para unir os homens.
Como tudo começou não sei bem, mas estou em crer que pelas tiras
do Reizinho publicadas em "O Comércio do Porto", sem ainda saber ler,
e depois pela banda desenhada de "O Príncipe Valente", em "O Primeiro
de Janeiro", aos domingos.
Entretanto, fui acumulando a leitura da "Carochinha
Japonesa" com as obras da Condessa de Ségur e das de Emílio Salgari,
acrescidas, mais tarde, das de Júlio Verne, ao mesmo tempo que adquiria
"Gibis" e demais banda desenhada, a par do "X-9", nas
escadarias dos cinemas Rivoli, Coliseu do Porto e rampa do Parque das Camélias.
Com tais leituras a minha imaginação recriou-me como cavaleiro
andante, pistoleiro, xerife, detective, aventureiro, capitão Marvel, Batman e demais...
Os policiais vieram a seguir e tornaram-se quase uma obsessão. Fora estes, houve
um em especial que li não sei quantas vezes: 'John, o Chauffeur Russo’ Primeiros
livros, primeiros amores.
Os locais de aquisição eram os da Liv. Académica, alfarrabista
Marinho, na rua Fernandes Tomás, junto ao antigo quartel dos Bombeiros, a par do
outro estabelecimento na rua do Almada, dirigido pela sua irmã, no primitivo Candelabro,
onde o Sr. Barros pontificava, e que tendo descoberto ter sido furtado de uma
estátua, colocou na montra a peanha onde aquela se colocava, com um dístico a
convidar o ladrão a levá-la sob o risco de desvalorizar o primitivo furto, e
vez por outra na Casa Azul, na travessa de Cedofeita” [CONTINUA]
Ramiro Teixeira, Excerto do “Prefácio” ao Catálogo do “Leilão daBiblioteca de Ramiro Teixeira”, Livraria Manuel Ferreira, Porto, 2015, Vol I
[CONTINUA]
J.M.M.
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