domingo, 9 de agosto de 2015

O PANTEÃO NACIONAL – POR LUÍS REIS TORGAL (PARTE I)


O Panteão Nacional” – por Luís Reis Torgal, in jornal Público

Como é evidente, falar hoje do Panteão Nacional é falar de Eusébio, como, há alguns anos, teria sido falar de Amália. A Assembleia da República assim quis que as duas grandes figuras do futebol e do fado fossem panteonizadas.

Por pouco, voltaríamos aos três FFFFutebol, Fado e Fátima — que foram considerados como símbolos do Estado Novo e que, afinal, talvez não fossem tanto, como um dia tentei explicar num artigo do jornal Le Monde Diplomatique. De resto, hoje, mais do que nunca, vivemos esta trilogia: com a febre do Futebol (que há muito, na sua versão profissional, deixou de ser um desporto para ser um espectáculo dos estádios, mas, sobretudo, um espectáculo televisivo, que move milhões); com a homenagem ao Fado que se tornou 'Património da Humanidade', tendo excelentes executantes que seguiram o exemplo de Amália (e de Carlos do Carmo) de transformar o fado marialva e fatídico (fatum significa, como se sabe, 'fado' ou 'destino') numa canção com outro tipo de valores, sem perder a toada fadista; e com a importância nacional e ecuménica atribuída a Fátima, dado que o 'milagre' é particularmente sensível em tempos de doença, de austeridade e de fome (assim sucedeu em 1917 e anos seguintes e acontece agora), e em que a fé impera sobre a razão. Ou seja, são três fenómenos sociais que nenhum argumento lógico ou ético parece poder abater. Por isso, os deputados votaram — da direita à esquerda — na trasladação de Amália e de Eusébio para o Panteão (no mais recente caso, apesar das despesas que daí advinham em momento de crise financeira) e quase nenhuma voz lançou a tão simples questão de discutir se era correcta a transformação destes ilustres mortais em 'imortais'.  Que eu visse (não sou consultor de blogues, nem participo em redes sociais), fê-lo o meu colega João Medina no seu blogue e escreveu António Valdemar neste jornal sobre os 'vizinhos da sala 3' (onde Eusébio passou a estar no Panteão) que, por certo, teriam estranhado a presença de mais um companheiro de viagem e de culto cívico.

Mas não vou romper com o estranho silêncio da crítica, pondo em causa a recente panteonização, aliás pouco inesperada de Eusébio (estamos ou não numa “civilização do espectáculo”?), pelo qual tenho a admiração de quem o viu jogar e a simpatia humana que naturalmente infundia. O que quero aqui discutir é sim, neste ano de 2015, a existência do Panteão como organismo vivo que recebe afinal algumas personalidades consideradas “imortais”: o lugar destinado “a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa de valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”, como reza (afinal de forma genérica e ambígua) a Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro.

É difícil, com efeito, definir esses eleitos. É verdade que, de forma idêntica, é difícil saber quem merece entrar numa Academia — o nome de “imortais” surgiu na Académie Française e nela entraram também, por certo, figuras duvidosas, em função dos valores de cada circunstância — ou quem merece ser condecorado pelo Presidente da República com as ordens honoríficas ou quem merece um prémio, mesmo o Prémio Nobel, que todos os anos se discute se foi justo, ou não, ser atribuído a alguém, nas suas diversas modalidades. Veja-se a lista dos indevidamente chamados “prémios Nobel da Economia” e talvez se fique um pouco espantado com a sua atribuição a certas personalidades. O mesmo, de resto, se passava no tempo de outras oligarquias — “outras” porque vivemos (não tenhamos ilusões) numa oligarquia, à sombra do Poder do Capital, muito mais do que numa democracia, que supõe valores que foram relegados para segundo plano. Recorde-se o que se passava na Monarquia Constitucional com a atribuição de títulos, que tornou popular o ditado: “Foge cão que te fazem barão! Mas para onde se me fazem visconde?”. Pois é, mas o Panteão ou, como prefiro, o Pantheon, dado que a palavra assim escrita está mais próxima da sua origem grega — Pan-Theon, “todos os deuses” — é o lugar de eleição da Pátria, o lugar da Memória das memórias, dos Memoráveis mais memoráveis”.

[CONTINUA]

J.M.M.

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