sábado, 30 de janeiro de 2016

DR. AUGUSTO MANOEL ALVES DA VEIGA – “A VOZ QUE RIJAMENTE PROCLAMOU A REPÚBLICA EM PORTUGAL”



Alves da Veiga nasceu no dia 28 de Setembro de 1849 em Izeda (Bragança). Ainda jovem, com 15 anos, parte rumo a Coimbra, a instância de Emídio Garcia, conterrâneo e amigo da família, filho de um dos seus professores do liceu (Leonardo Emídio Garcia), para aí completar os estudos preparatórios e fazer o ingresso na Universidade de Coimbra. É acolhido na casa de Manuel Emídio Garcia (lente da Universidade de Coimbra e destacado maçon, igualmente nascido em Bragança em 1838), tornando-se seu “protegido” e estabelecendo uma amizade para a vida, como seu discípulo.

Cedo, como estudante, mostrou grande interesse pela imprensa, redigindo nos tempos liceais o periódico O Lyceu-Semanário Cientifico e Literário, colaborando sempre na imprensa da sua época. Em 1867, com 18 anos de idade, publica num semanário local de Coimbra um conjunto de artigos, sob o título genérico de “Ensaio sobre Philosophia Alemã – Kant e sua escola”. Na esteira do pensamento positivista revolucionário, filosófico e federalista de Emídio Garcia, publica em 1872, enquanto estudante do 3º ano da faculdade, as suas aulas de “Estudos de Philosophia Política”.

Nesse período da academia, em Coimbra, cimenta igualmente uma forte amizade e companheirismo no apostolado republicano com Sebastião Magalhães de Lima, que perdura ao longo de toda a sua vida, reforçada pela possível pertença de ambos à Loja Perseverança, de que igualmente fazia parte Manuel Emídio Garcia.

Em 1873, dois meses depois da implantação da República em Espanha, funda o semanário A República Portugueza (órgão do Partido Republicano de Coimbra) com os seus colegas de faculdade Magalhães de Lima, Álvaro Morais e Almeida Ribeiro.

Terminado o curso de direito em 1874, fixa residência no Porto em 1875, onde estabeleceu banca de advogado, dando igualmente aulas particulares durante algum tempo. Casa com Joana Teixeira, abandonando, entretanto, a actividade de advogado e dedica-se ao ensino liceal, a par da sua acção de propaganda republicana.

No Porto inicia um percurso de intenso labor na difusão dos ideais republicanos, quer como um dos fundadores do Partido Republicano, quer como tribuno, quer como periodista. Sampaio Bruno escreveria em 1881 que Alves da Veiga era o "elemento mais pronunciado e dominante da democracia nas províncias do norte, que ele tem percorrido como propagandista sem tréguas". Nesta sequência e em resultado de reunião realizada no Porto em 2 de Abril de 1882, presidida pelo professor catedrático Emídio Garcia, cria-se uma comissão constituída por Alves da Veiga, Júlio de Matos e Manuel J. Teixeira (seu cunhado) em representação do Porto, e Magalhães de Lima e José Falcão em representação de Coimbra, com vista à organização, em Junho de 1883, do “partido republicano”.

Emídio Garcia, em 1882, atribui a Alves da Veiga, na Galeria Republicana, o epíteto de “uma das mais distintas individualidades do partido republicano portuguez”. Foi o primeiro deputado republicano, apresentado pelo Porto, a entrar no “Parlamento da Monarquia”.

Como periodista colabora também no jornal O Século, fundado em 1880 pelo seu colega de curso Magalhães Lima e nos por si co-fundados A Actualidade e A Discussão, este por si financiado.
 
 

Na esteira do seu intenso labor organizativo e de tribuno em prol do republicanismo, no Porto e no norte do país, funda o Centro Republicano Democrático do Porto, através do qual publica importantes contribuições para a difusão dos ideais federalistas republicanos, cuja bandeira rubra foi arvorada no dia 31 de Janeiro de 1891 na CM do Porto. Na sequência do incêndio que deflagrou na trágica noite de 22 de Março de 1888, o Porto viveu uma terrível tragédia em que pereceram carbonizados muitos dos espectadores então presentes. Passados dois dias, depois da Matinée da Imprensa Portuense realizada no Palácio de Cristal, para angariação fundos para apoio às vítimas, D. Maria Pia percorreu durante quatro horas as casas dos parentes das vítimas, distribuindo generosamente libras de ouro. O líder do Partido republicano, Alves da Veiga, foi um dos visitados, não porque lhe tivesse morrido alguém, mas para a Rainha lhe agradecer o gesto de recolher dois órfãos de um dos mortos do Teatro Baquet. João Chagas, acompanhou a visita e deixou-nos a descrição pormenorizada desse tocante "momento de conciliação de dois princípios", que reuniu num acto solidário a possibilidade da junção da máxima representante da monarquia e do chefe da oposição republicana.

Em 1 de Abril de 1890, integra a lista de membros fundadores da “Associação Protectora do Asilo de S. João”, no Porto, que mais tarde virá a tornar-se o actual Internato de S. João.

Do seu percurso maçónico é de referir que, no Porto, integra os quadros da Loja Primavera (com o nome simbólico de Descartes) e da Loja Independência, de que foi um dos fundadores em 1887 e seu Venerável, pelo menos, em 1891. Atingiu em 1889 o grau 33 do REAA (Rito Escocês Antigo e Aceite). Em 12 de Agosto de 1891 foi abatido do quadro da Loja Independência, em virtude dos acontecimentos do 31 de Janeiro de 1891, regressando ao seu quadro em 21 de Outubro de 1891, após proposta de re-inserção votada por unanimidade das Lojas presentes na Grande Dieta realizada nos finais de Setembro de 1891, sendo nomeado seu venerável honorário em 14 de Janeiro de 1892.

Em 1890 é referido no Boletim de Procedimientos de 15 de Janeiro de 1890, como representante do Soberano Gran Consejo General Ibérico (SGCGI), a que estava agregada a sua Gran Logia Simbólica Española del Rito Antigo y Primitivo Oriental de Memphis y Mizraím. O Dr. Alves da Veiga fez parte dos quadros do SGCGI durante muitos anos, mesmo durante o seu exílio, após o 31 de Janeiro de 1891, figurando como «membro honorário» do Supremo Conselho do SGCGI.

Como refere José Augusto SeabraAugusto Manoel Alves da Veiga, ilustre advogado e professor do Porto, foi uma personalidade prestigiada, que exercia uma profunda influência na vida cívica, social e intelectual da cidade e no norte do país. Por isso ele se distinguiu no movimento que, desde a Liga Patriótica do Norte, em 1890, se ergueu contra o Ultimatum inglês, conduzindo-o depois à liderança do 31 de Janeiro, ao lado de figuras como Sampaio Bruno, Basílio Teles, João Chagas e tantos outros”.

Chefe civil da gorada Revolução de 31 de Janeiro de 1891, emigra para França, onde publica com Sampaio Bruno O Manifesto dos Emigrados Portugueses da Revolução Republicana de 31 de Janeiro de 1891, continuando sempre a sua luta pela implantação da república, a democracia e a liberdade em Portugal. Em coerência com os seus princípios, Alves da Veiga recusou sempre qualquer amnistia que não abrangesse os militares participantes no 31 de Janeiro, nomeadamente a decretada em Março de 1893.

No seu exílio, por ela abrangido, declarou “emquanto as fronteiras portuguezas não se abrirem para todos, emquanto gemer no exílio ou nas prisões qualquer das victimas da generosa tentativa revolucionária, eu continuarei sendo proscripto; solidário nas idéas sel-o-hei também nos sacrifícios, embora sinta cada vez mais a nostalgia da pátria, déssa formosa terra que adoro como um filho adora sua mãe”.

Esta sua luta na vida política portuguesa em prol da implantação da república, leva-o a integrar a legação diplomática constituída por Sebastião Magalhães de Lima (Soberano Grande Comendador e Grão Mestre de 1907 a 1928) e José Relvas, desempenhando um destacado papel organizativo e de promoção de contactos para se negociar em França e Inglaterra o apoio à promoção dos ideais liberais republicanos, com vista à preparação da revolução do 5 de Outubro de 1910.

É nomeado em 24 de Janeiro de 1911 Ministro Plenipotenciário em Bruxelas. Apresenta às Constituintes de 1911 o seu estudo e projecto pioneiro federalista e municipalista “Política Nova – Ideias para a Reorganização da Nacionalidade Portuguesa”, que é vencido pela proposta de organização unitarista da Nação Portuguesa. A actualidade do projecto federalista de Alves da Veiga, inspirado no modelo da Confederação Helvética, dos cantões suíços, nas constituições dos Estados Unidos da América e na da República Federativa do Brasil, ainda está por cumprir em Portugal e mesmo na Europa, sem unidade política e dirigida por um Directório.

É proposto para os cargos de Presidente da República e Ministro dos Negócios Estrangeiros (que chega a exercer por um dia), mas não consegue apoios suficientes para uma carreira política no governo da nação, pelo que desiste e resolve permanecer em Bruxelas.

Durante a sua permanência em Bruxelas, desenvolve importante actividade política aquando da I Grande Guerra Mundial a favor dos interesses portugueses e das forças aliadas, com vista ao Armistício. Esta sua actividade política e diplomática em Bruxelas granjeia-lhe relações de amizade com o Rei da Bélgica, ao ponto de ser sua visita habitual para jantar. O espólio da sua correspondência diplomática de então aguarda estudo e investigação para uma melhor compreensão da importância do seu contributo para as relações europeias e internacionais nesse período histórico, conforme sugeriu o Embaixador José Augusto Seabra.
 
 

Faleceu em 02.12.1924, na sua casa de Paris, situada na 7, rue Bassano (XVIème Arrondissement), onde uma placa evocativa colocada no dia 31 de Janeiro de 1997 testemunha a sua memória. Passados cerca de três meses é sepultado no Porto no jazigo de família do cemitério privado da Irmandade da Lapa. O seu funeral recebe honras de Estado, com a presença do Presidente da República portuguesa Manuel Teixeira Gomes, entre muitas outras individualidades.

[por Fernando Castel-Branco Sacramento, com a devida vénia]

J.M.M.

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