quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

SALA FIGUEIRENSE: PERIÓDICOS & OUTROS PAPÉIS PINTADOS



"O bibliófilo é essencialmente um amante de livros e de temas que entra em demanda, que alguns denominam de caça” [Pedro Teixeira da Mota, in “O Bibliófilo Aprendiz”]

O repositório de curiosidades que o amante de livros & outros “papéis pintados com tinta” encontra no silêncio devoto das Bibliotecas & outras moradas de felicidade, é um sentimento de entusiasmo e gratidão, mesmo se esse exílio seja uma benevolência dos interstícios do tempo. Decerto a “vidinha” não está para amotinados cultores de papéis ou “ratos de biblioteca”. Por isso o refúgio nas Bibliotecas, assim gostosamente escolhido, é o nosso aconchego. E o vosso desassossego.

A Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás faz o gosto e o aprumo do amador de livros, o curioso de velharias literárias, o sábio ledor, o cidadão comum. Aqui, neste remanso espiritual, pode-se fortalecer o cabedal de conhecimentos nos diversos ramos literários e artísticos. As curiosas e estimadas peças bibliográficas que a partir dos tempos idos de 1910 um grupo de bibliófilos (e entre eles o professor e jornalista Pedro Fernandes Tomás) nos legou em testemunho cívico, são um monumento à memória dos homens e das letras: relaciona-nos com a vida intelectual do país e cimenta o amor aos livros. Nunca saberemos pagar a ternura que esse grupo de bibliófilos (e outros que se lhe seguiram) nos dedicaram, essa carícia voluptuosa de poder tocar e folhear manuscritos, livros e papéis laboriosamente coligidos. A eles o nosso preito de homenagem.
Dentro dos locais de culto da Biblioteca está a Sala Figueirense, ponto de roteiro e paragem obrigatória ao “prazer vagaroso da leitura”. O devoto da historiografia local, o curioso entusiasta, o literato ou simples investigador, pode folhear livros e opúsculos das curiosas colecções temáticas ao seu dispor – associativismo, biografias, história, memorialismo, monografias, revistas - ou carrear materiais de investigação no valioso núcleo de periódicos locais, que com extremoso zelo outros tantos (e entre eles, registe-se os nomes de Augusto Pinto, Cardoso Marta, Carlos Sombrio, Adelino Alves Pereira, Eloi do Amaral, José da Silva Fonseca, Maurício Pinto) reuniram, cuidaram e, decerto, amaram.  

O leitor pode, assim, respigar na valiosa colecção de periódicos locais - do Figueirense (1863) ao Mar Alto (1966), da Gazeta da Figueira (1887) à Voz da Justiça” (1902) - os acontecimentos, o ritmo e o funcionamento da sociedade de antanho, aventurando-se no confronto das propostas políticas e sociais, sempre presentes, nos jornais da época, ou a compreensão da produção literária desse tempo. Por sua vez, o investigador da história local pode aqui encontrar, na dinâmica do jornalismo local, um guia indispensável para o seu estudo, num espaço de repousante trabalho bibliográfico, de grande quietude, e que lhe facilita a sua estimada tarefa.
Seja dito, ainda, que o ideário republicano, na qual a imprensa desempenhou papel fundamental, está muito bem representado no acervo da Sala Figueirense. É incontornável, para o estudo e a narrativa da sociedade e história política local, a leitura dos artigos saídos da pena dos colaboradores e esforçados propagandistas da República, impressos nos jornais, Povo da Figueira (1895), A Voz da Justiça (1902), A Razão (1904), Pela República, A Redenção (1909), Evolução (1909), Progresso da Figueira (1910), Pela Pátria (1912). E quando se evocar (2 de Novembro de 2016) os 75 anos do passamento de Manuel Jorge Cruz, avançado combatente do republicanismo, e para se conhecer melhor a sua figura e obra, será sempre ao periodismo local que teremos de regressar no nosso “eterno retorno”. E em especial ao notável jornal “A Voz da Justiça”, que superiormente dirigiu.  
    
A Sala Figueirense, morada do nosso capricho alumiado e pouso da nossa ventura, empresta-nos a inteligência das suas estantes. A cultura “letrada” está ao dispor do leitor. De relevante serviço público e social, com um conjunto de funcionários e técnicos competentes, atenciosos e sempre disponíveis, a Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás é “ouro o que ouro vale”. Felizes andamos nós nos requebros do livro antigo & por entre “papéis pintados com tinta”. E por isso temos tenção de continuar.

José Manuel Martins – texto [completo] publicado na Agenda Cultural e Eventos Figueira da Foz, Janeiro a Abril 2016, p. 41

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