"O bibliófilo é essencialmente um amante de livros e de temas que entra em demanda, que alguns denominam de caça” [Pedro Teixeira da Mota, in “O Bibliófilo Aprendiz”]
O repositório de curiosidades que o amante de livros & outros “papéis pintados com tinta” encontra no silêncio devoto das Bibliotecas & outras moradas de felicidade, é um sentimento de entusiasmo e gratidão, mesmo se esse exílio seja uma benevolência dos interstícios do tempo. Decerto a “vidinha” não está para amotinados cultores de papéis ou “ratos de biblioteca”. Por isso o refúgio nas Bibliotecas, assim gostosamente escolhido, é o nosso aconchego. E o vosso desassossego.
A
Biblioteca Pública Municipal Pedro
Fernandes Tomás faz o gosto e o aprumo do amador de livros, o curioso de velharias
literárias, o sábio ledor, o cidadão comum. Aqui, neste remanso espiritual, pode-se
fortalecer o cabedal de conhecimentos nos diversos ramos literários e
artísticos. As curiosas e estimadas peças bibliográficas que a partir dos
tempos idos de 1910 um grupo de bibliófilos (e entre eles o professor e
jornalista Pedro Fernandes Tomás) nos legou em testemunho cívico, são um
monumento à memória dos homens e das letras: relaciona-nos com a vida
intelectual do país e cimenta o amor aos livros. Nunca saberemos pagar a
ternura que esse grupo de bibliófilos (e outros que se lhe seguiram) nos dedicaram,
essa carícia voluptuosa de poder tocar e folhear manuscritos, livros e papéis
laboriosamente coligidos. A eles o nosso preito de homenagem.
Dentro
dos locais de culto da Biblioteca está a Sala Figueirense, ponto de roteiro e
paragem obrigatória ao “prazer vagaroso
da leitura”. O devoto da historiografia local, o curioso entusiasta, o literato
ou simples investigador, pode folhear livros e opúsculos das curiosas colecções
temáticas ao seu dispor – associativismo, biografias, história, memorialismo,
monografias, revistas - ou carrear materiais de investigação no valioso núcleo de
periódicos locais, que com extremoso zelo outros tantos (e entre eles,
registe-se os nomes de Augusto Pinto,
Cardoso Marta, Carlos Sombrio, Adelino
Alves Pereira, Eloi do Amaral, José da Silva Fonseca, Maurício Pinto) reuniram, cuidaram e,
decerto, amaram.
O
leitor pode, assim, respigar na valiosa colecção de periódicos locais - do Figueirense
(1863) ao Mar Alto (1966), da Gazeta da Figueira (1887) à Voz
da Justiça” (1902) - os acontecimentos, o ritmo e o funcionamento da
sociedade de antanho, aventurando-se no confronto das propostas políticas e
sociais, sempre presentes, nos jornais da época, ou a compreensão da produção
literária desse tempo. Por sua vez, o investigador da história local pode aqui
encontrar, na dinâmica do jornalismo local, um guia indispensável para o seu estudo,
num espaço de repousante trabalho bibliográfico, de grande quietude, e que lhe
facilita a sua estimada tarefa.
Seja
dito, ainda, que o ideário republicano, na qual a imprensa desempenhou papel
fundamental, está muito bem representado no acervo da Sala Figueirense. É
incontornável, para o estudo e a narrativa da sociedade e história política local,
a leitura dos artigos saídos da pena dos colaboradores e esforçados
propagandistas da República, impressos nos jornais, Povo da Figueira (1895), A
Voz
da Justiça (1902), A Razão (1904), Pela República, A
Redenção (1909), Evolução (1909), Progresso
da Figueira (1910), Pela Pátria (1912). E quando se
evocar (2 de Novembro de 2016) os 75 anos do passamento de Manuel Jorge Cruz, avançado combatente do republicanismo, e para se
conhecer melhor a sua figura e obra, será sempre ao periodismo local que
teremos de regressar no nosso “eterno retorno”. E em especial ao notável jornal
“A
Voz
da Justiça”, que superiormente dirigiu. A Sala Figueirense, morada do nosso capricho alumiado e pouso da nossa ventura, empresta-nos a inteligência das suas estantes. A cultura “letrada” está ao dispor do leitor. De relevante serviço público e social, com um conjunto de funcionários e técnicos competentes, atenciosos e sempre disponíveis, a Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás é “ouro o que ouro vale”. Felizes andamos nós nos requebros do livro antigo & por entre “papéis pintados com tinta”. E por isso temos tenção de continuar.
José
Manuel Martins – texto [completo] publicado na Agenda Cultural e Eventos
Figueira da Foz, Janeiro a Abril 2016, p. 41
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