quarta-feira, 9 de março de 2016

DECLARAÇÃO DE GUERRA DA ALEMANHA A PORTUGAL: ASSINALANDO O CENTENÁRIO DA EFEMÉRIDE




Há precisamente 100 anos atrás, no dia 9 de Março de 1916, a Alemanha, depois do episódio do aprisionamento dos navios alemães acostados nos portos portugueses (23 de Fevereiro de 1916), a declaração de guerra era uma questão de tempo. A entrada declarada na Guerra era uma evidência e a declaração oficial surgiu nos termos que abaixo se transcreve:

Foi a esta comunicação que o Governo Imperial entendeu responder com a nota escrita ontem entregue no Ministério dos Negócios Estrangeiros e que é do teor seguinte :

Lisboa, 9 de Março de 1916.— Senhor Ministro.— Estou encarregado pelo meu alto Governo a fazer a V. Ex.A a declaração seguinte:

O Governo Português apoiou desde o começo da guerra os inimigos do Império Alemão por actos contrários à neutralidade. Em quatro casos foi permitida a passagem de tropas inglesas por Moçambique. Foi proibido abastecer de carvão os navios alemães. Aos navios de guerra ingleses foi permitida uma prolongada permanência em portos portugueses contrária à neutralidade, bem como ainda foi consentido que á Inglaterra utilizasse a Madeira como base naval. Canhões e material de guerra de diferente espécie foram vendidos às potências da «Entente» e alem disso à Inglaterra um destruidor de torpedeiros. O arquivo do vice-consulado Imperial em Mossâmedes foi apreendido, e além disso, foram enviadas expedições à África e dito então abertamente que estas eram dirigidas contra a Alemanha.

O governador alemão de districto Dr. Schultze-Jena, bem como dois oficiais e algumas praças, em 19 de Outubro de 1914, na fronteira do Sudoeste Africano Alemão e Angola, foram atraídos por meio de convite a Naulila e ali declarados presos sem motivo justificado, e como procurassem subtrair-se à prisão, foram em parte mortos a tiro, enquanto os sobreviventes foram à força feitos prisioneiros.
A imprensa e o Parlamento durante toda a existência da guerra entregaram-se a grosseiras ofensas ao povo alemão., com a complacência mais ou menos notória do Governo Português. O chefe do Partido dos Evolucionistas pronunciou na sessão do Congresso, de 23 de Novembro de 1914, na presença dos Ministros portugueses, assim como na de diplomatas estrangeiros, graves insultos contra o Imperador da Alemanha, sem que por parte do Presidente da Câmara ou dalgum dos Ministros presentes se seguisse um protesto. Às suas representações, o Enviado Imperial recebeu apenas a resposta que no Boletim Oficial das Sessões não se encontrava a passagem em questão.

Contra estas ocorrências protestámos em cada um dos casos em especial, assim como por várias vezes apresentámos as mais sérias representações e tornámos o Governo Português responsável por todas as consequências. Não se deu porem nenhum remédio. Contudo o Governo imperial, considerando com longanimidade a difícil situação de Portugal, evitou até aí tirar sérias consequências da atitude do Governo Português.

Por último, a 23 de Fevereiro de 1916, fundada num decreto do mesmo dia, sem que antes tivesse havido negociações, seguiu-se a apreensão dos navios alemães, sendo estes ocupados militarmente e as tripulações mandadas sair de bordo. Contra esta flagrante violação de direito protestou o Governo Imperial e pediu que fosse levantada a apreensão dos navios.

O Governo Português não atendeu este pedido e procurou fundamentar o seu acto violento em considerações jurídicas. Delas tira a conclusão que os nossos navios imobilizados por motivo da guerra nos portos portugueses, em consequência desta imobilização não estão sujeitos ao artigo 2.° do Tratado de Comércio e Navegação Luso-- Alemão, mas sim à ilimitada soberania de Portugal, e portanto ao ilimitado direito de apropriação do Governo Português, da mesma forma que qualquer outra propriedade existente no País. Além disso, opina o Governo Português ter procedido a dentro dos limites desse artigo, visto a requisição dos navios corresponder a uma urgente necessidade económica e também no decreto de apropriação estar prevista uma indemnização cujo total deveria mais tarde ser fixado.

Estas considerações aparecem como vazios subterfúgios. O artigo 2.° do Tratado de Comércio e Navegação refere-se a qualquer requisição de propriedade alemã em território português. Pode ainda assim haver dúvidas sobre se a circunstância dos navios alemães se encontrarem pretendidamente imobilizados em portos portugueses, modificou a sua situação de direito. O Governo Português violou porém o citado artigo em dois sentidos, primeiramente não se mantêm na requisição dentro dos limites traçados no tratado, pois que o artigo 2.° pressupõe a satisfação duma necessidade do Estado, enquanto que a apreensão, como é notório, estendeu-se a um número de navios alemães em desproporção com o que era necessário a Portugal para suprir a falta de representações por motivo das últimas ocorrências, sem todavia se referir às primeiras. Nem sequer respondeu ao pedido que apresentámos de ser intermediário numa livre troca de telegramas em cifra com os nossos funcionários coloniais, para esclarecimento do estado da questão.

Por este procedimento o Governo Português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra, que subordina todas as outras considerações aos interesses e desejos ingleses. Finalmente a apreensão dos navios realizou-se sob formas em que deve ver-se uma intencional provocação à Alemanha. A bandeira alemã foi arriada dos navios alemães e em seu lugar foi posta a bandeira portuguesa com a flâmula de guerra. O navio almirante salvou por esta ocasião.

O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo Português. Considera--se de agora em diante como achando se em estado de guerra com o Governo Português tenho a honra de exprimir a V. Ex.a a minha distinta consideração.— ROSEN.

A Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o /Senhor D\\ Augusto Soares».



Fica o documento para memória futura.

A.A.B.M.

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