sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

AS SOCIEDADES PATRIÓTICAS [CONCLUSÃO]


 
As Sociedades Patrióticas (Parte IV - Conclusão)
 
[EXTRACTO] “Os Estados Peninsulares e as Sociedades Patrióticas” - (A propósito do discurso de José Liberato Freire de Carvalho na noite de 24 de Julho de 1822)”


NOTA: Extracto final do prefácio ao livro “Memória da Liberdade e do Constitucionalismo. Madrid-Lisboa / 1822”, com textos de José Liberato Freire de Carvalho e João Baptista da S. L. de Almeida Garrett, obra republicada pela Comissão Liberato (com assento em terras do Mondego) a 7 de Julho de 2016, em Coimbra - PARTE I pode ser lida AQUI | PARTE II pode ser lida AQUI | PARTE III pode ser lida AQUI

As Sociedades Patrióticas (Conclusão)

A mais importante das Sociedades Patrióticas, durante o Triénio Liberal em Portugal, foi sem dúvida a Sociedade Literária Patriótica de Lisboa. Instalada a 2 de Janeiro de 1822 tinha como objectivo “dirigir, a bem do sistema constitucional, a opinião pública por meio de escritos, e servir de escola de adquirir hábito de falar em público com precisão e acerto” [Estatutos, artº 1]. Formou-se esta sociedade [58] com membros originários do Gabinete Literário [59], que tinha sido fundado em 1821.

Dos seus Estatutos fica-se a saber que era composta por sócios efectivos (de Lisboa; os estrangeiros podiam ser admitidos) e correspondentes (noutras localidades) e que o seu número não podia ser “menor que 120, nem maior que 400”; as virtudes sociais e o amor da pátria eram as qualidades indispensáveis para se ser admitido como sócio (cap 1, artº 7, dos Estatutos); a lista saída dos seus sócios [60] atinge (em 1822) o número de 269, sendo a mais numerosa das sociedades formadas no período Vintista. Tinha, para uma boa ordem nos seus trabalhos, um Presidente, dois Vice-presidentes e um Secretário; existia uma comissão de censura (artº 28 e cap. IV) incumbida de examinar se a obra apresentada tinha “doutrina sólida”; e que todos os anos se pretendia comemorar o aniversário com “missa cantada, sermão e Te Deum em graças ao Todo Poderoso pela boa união dos portugueses, e prosperidade nacional”.

A Sociedade publicou um periódico, Jornal da Sociedade Literária Patriótica [61], que tinha como princípios “difundir a ilustração, propagar os conhecimentos úteis, obviar os erros da administração pública, tolher prevaricações, extirpar abusos”. Os assuntos ali tratados eram principalmente políticos, desde a situação política do Brasil, à economia política, administração judicial, eleições, instrução pública; publicou, em separado, extractos de questões debatidas nas sessões e curiosos e eloquentes sermões.

Do mesmo modo, publicou manifestos, folhetos [62] de distintos oradores, o que, se associarmos ao enorme impulso que teve o periodismo neste período, permite dizer que os homens do vintismo fizeram da palavra escrita uma arma virtuosa de instrução, alistamento e combate, acelerando a formação de uma opinião pública (quase sempre urbana) que se queria livre do obscurantismo, atenta ao presente e, por isso, interessada, ilustrada e zelosa.

O núcleo de homens irmanados na causa liberal que pugnaram na Sociedade Literária e Patriótica de Lisboa comprometeu-se, mesmo com intimidações e sacrifícios pessoais, no espírito e consciência do seu tempo, na liberdade como criação do progresso, na ilustração como crença do futuro. Figuras como José Liberato Freire de Carvalho (Ir. Spartacus), João B. L de Almeida Garrett (Ir. Múcio Cévola ?), Nuno Álvares Pereira Pato Moniz (jornalista e escritor; amigo de Bocage, fundador de O Portuguez Constitucional, redactor do Diário das Cortes, deputado; maçon importante do GOL), Agostinho José Freire (Ir. Séneca), José Ferreira Borges (Ir. Viriato; membro do Sinédrio), José Maria Xavier de Araújo (do Sinédrio), Paulo Midosi (comerciante e jornalista co-fundador de O Portuguez; redactor de O Nacional e Diário do Governo; Venerável da Loja Virtude), Joaquim Alves Maria Sinval (redactor do jornal Astro da Lusitania), Rodrigo Pinto Pizarro (oficial do exército, condenado á morte; deputado, ministro e Pres. do Conselho), Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas (do Conselho Conservador), Anselmo José Braamcamp, António Barreto Ferraz de Vasconcelos (desembargador), Bernardo de Castro Correia Sepúlveda (do Sinédrio), Gregório José de Seixas (autor de uma mensagem a Napoleão, pedindo uma Constituição), Inácio Xavier de Sousa Pissaro (do Conselho Conservador),  Joaquim César de la Figanière e Morão (importante diplomata),  José Aleixo Falcão de Gamboa Fragoso Vanzeller (Venerável da Loja Fortaleza, Grão-Mestre 1810), José Ferreira Pinto Basto Júnior (proprietário, industrial, administrador), José Porteli (Ir. Duroc; clérigo), José Vitorino Barreto Feio (oficial do exército), Luís Nicolau Fagundes Varela (magistrado e Pres. das Cortes), Rodrigo da Fonseca Paganino (escritor; bacharel em medicina; Venerável da Loja União Portugueza), Sebastião José Xavier Botelho (desembargador e deputado; director do Liceu Nacional), Tomás Oom (corrector da bolsa, director da Alfândega de Lisboa, conselheiro da Coroa), foram selectos e talentosos membros da Sociedade, escrupulosos cidadãos, uma demonstração avisada à geração liberal que se lhe seguiu.

José Liberato esteve exilado em Londres entre 1813 e 1821. Aí foi redactor de O Investigador Portuguez da Inglaterra (1814-1818), auxiliado por Nolasco e Castro, mas não cedendo às rogativas que lhe foram feitas de deixar de criticar a permanência da Corte no Brasil abandona o jornal, vindo a fundar e redigir O Campeão Português ou Amigo do Rei e do Povo (1819-1921). Regressa a Portugal em 1921 (1 de Agosto, ver Memórias, p. 141), fazendo uma longa travessia, passando por Paris, Bordéus, Baiona, Vitória, Madrid (onde se demora até Setembro), depois Cáceres, Badajoz, Elvas e, por fim, Lisboa, onde chega a 30 de Setembro. Nos dois meses que demorou a sua viagem, passou uma grande parte deles em Madrid, garantidamente a tomar o pulso da nova situação política espanhola, que decerto o agradava. E conta, nas suas Memórias, um curioso episódio (ver p. 134) passado com um “fidalgo titular espanhol” que conheceu em Madrid, que versava uma discussão sobre os debates e reuniões das Sociedades Patrióticas em Madrid. Perante a posição do fidalgo, que entendia “tais sociedades e tais debates não se deviam consentir” porque “perigosíssimas”, contrariando o gosto manifesto de Liberato de ir assistir “muitas vezes” às suas sessões, José Liberato responde: “se eu aqui governasse [Madrid], fazia com que se estabelecessem ainda muitas mais”, porque – continua Liberato – “estas sociedades duram de ordinário toda a noite (…) e a gente que de lá sai, gente de toda a qualidade, e até senhoras, vão muito contentes para suas casas (…) desafogaram e expressaram as suas ideias”. É evidente a enorme empatia que Liberato tinha por esse tipo de associação, que incitava à discussão política, participação e acção dos cidadãos.

Acontece que a Sociedade Literária Patriótica de Lisboa, como foi dito, foi instalada a 2 de Janeiro de 1822, isto é três meses depois da vinda de Liberato da emigração. Haverá nisto alguma conclusão a tirar? O certo é que, na Gazeta Universal (nº30, 7 de Fevereiro de 1822; jornal que apregoava a sermonária anti-liberal e portanto merece ressalva; tinha como redactores José Agostinho de Macedo e Joaquim José Pedro Lopes), é publicada uma curiosa e sarcástica Carta enviada (?) ao periódico e assinada por um tal Xisto (terá sido forjada pela pena do padre Agostinho de Macedo?) que diz o seguinte: foi instalada e está “em plena e activa laboração, perto do Isidro, na rua do Ferragial de Cima” a nova Sociedade Patriótica Literária, que “promete grande utilidades, e sobretudo grandes luzes à nossa Pátria”. Mais diz (a notícia grassa por 5 longas colunas) que foram eleitos para os cargos da Sociedade: Presidente, José Liberato Freire de Carvalho; 1º Vice-Presidente, Francisco Duarte Coelho (ex-ministro da Fazenda); 2º Vice-Presidente, Pato Moniz (redactor do Português Constitucional); Secretário, João Guilherme Ratcliff (funcionário público). O tom zombeteiro da Carta ou pseudo carta é manifesto, mas mesmo que assim seja, pode, além de mostrar a afectação do padre Macedo para com as figuras avançadas, revelar algum tipo de conhecimento sobre a própria Sociedade. 

A Sociedade Literária e Patriótica de Lisboa, distinta pelos sócios que a compunham, foi muito respeitada no seu labor liberal e ideologia Vintista. Deu proveito a outras Sociedades que se foram instalando, em assalto ao poder absolutista, sem intervalo nem descanso, em obediência aos princípios constitucionalistas e patrióticos. Por isso, o discurso de José Liberato Freire de Carvalho, tal como o Epicédio de Almeida Garrett – ambos a seguir reproduzidos – são ecos de um pensamento em que está presente a crença no “poder transformador das ideias”, essa luz de aprendizagem que concorre para a salvação comum. O discurso [63] viril de Liberato à memória dos espanhóis mortos em Madrid a 7 de Julho de 1822 era uma sentida e fundada esperança na vitória da pátria portuguesa e espanhola e um íntimo reconhecimento aos seus escolhidos mártires, porque “sem amor da pátria, esse amor nobre, desinteressado e sublime, que a ela tudo sacrifica, até o primeiro dos bens, a própria vida, não pode haver liberdade nem há cidadãos: só há escravos” (José Liberato).

[Fim de "As Sociedades Patrióticas" - sublinhados nossos]

J.M.M.


[58] Cf. José Silvestre Ribeiro, ob.cit., p. 128 [que seguimos de perto]. A.H.O.M. refere que é possível ter a Sociedade incorporado [regularizado] membros de algumas das sociedades patrióticas que lhe antecederam (ob.cit., p. 269). Sobre a origem da sociedade e a sua constituição ver, também, Adrien Balbi, ob. cit. tomo II, pp. 79-81.
[59] O Gabinete Literário seria uma associação que tinha como finalidade “estabelecer para uso dos subscritores e proprietários uma livraria de conhecimento do tempo”, como jornais, etc, em português e línguas estrangeiras, com livros e mapas necessários para “fazer a associação útil” e propunha-se divulgar memórias sobre as ciências morais (cf. Correio Braziliense ou Armazém Literário, 1821, vol 26).
[60] Onde “se incluíam os mais variados representantes da burguesia lisboeta, com predomínio para comerciantes, homens de leis e membros das forças armadas, mas onde não faltavam médicos, proprietários, eclesiásticos e outros muitos” – cf. A.H.O.M., ob.cit, pp. 269-270. Veja-se a ficha biográfica dos sócios apresentada por A. H. Oliveira Marques, ob.cit. (1ª parte), pp. 153-158.
[61] Ano I, nº1 (16 de Abril de 1822) ao nº26 (11 de Outubro de 1822), Lisboa, Impressão na Typographia Rollandiana, 1822, 26 números. Sobre o jornal, ver Maria Carlos Radich, ob. cit., pp.127-129.
[62] Alguns: Discursos e poesias fúnebres recitadas a 27 de Novembro em sessão extraordinaria da Sociedade Litteraria Patriotica celebrada para prantear a dor, e orfandade dos portuguezes na Morte de Manoel Fernandes Thomaz Primeiro dos Regeneradores da Patria, Typ. Rollandiana, 1823; Conciliação dirigida aos bons portuguezes pelos cidadãos unidos debaixo do nome Sociedade Litteraria Patriotica de Lisboa, Typ. Rollandiana, Março de 1823; Opinião do dr. Vicente José [Ferreira Cardoso da Costa] sobre a deliberação da Sociedade Patriótica, de que tem a honra de ser sócio para ser distribuida na sessão de 12 de Fevereiro, Typ. António Rodrigues Galhardo, 1823.
[63] A Sociedade Literária Patriótica e Lisboa, na sequência dos funestos acontecimentos de Madrid de 7 de Julho de 1822, enviou à sua congénere, Sociedade Patriótica Constitucional de Madrid, uma carta (que, curiosamente, começava com “Glória ao Supremo Senhor do Universo”), datada de 12 de Junho de 1822, em que a felicitava pelo triunfo da liberdade, desse dia. Foi publicado no Jornal da Sociedade Literária Patriótica. Agradeceu a Sociedade Constitucional de Madrid, numa extensa carta e, também, publicada no mesmo jornal. 

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