As Sociedades Patrióticas (Parte IV - Conclusão)
[EXTRACTO]
“Os Estados Peninsulares e as Sociedades Patrióticas” - (A
propósito do discurso de José Liberato Freire de Carvalho na noite de
24 de Julho de 1822)”
NOTA:
Extracto final do prefácio ao livro “Memória da Liberdade e do Constitucionalismo. Madrid-Lisboa / 1822”, com textos de José Liberato Freire de Carvalho e João Baptista da S. L. de Almeida Garrett, obra republicada pela
Comissão Liberato (com assento em terras do Mondego) a 7 de Julho de 2016, em
Coimbra - PARTE I pode ser lida AQUI | PARTE II pode ser lida AQUI | PARTE III
pode ser lida AQUI
As Sociedades Patrióticas (Conclusão)
A mais
importante das Sociedades Patrióticas,
durante o Triénio Liberal em Portugal, foi sem dúvida a Sociedade Literária Patriótica de Lisboa. Instalada a 2 de Janeiro
de 1822 tinha como objectivo “dirigir, a bem do sistema constitucional, a
opinião pública por meio de escritos, e servir de escola de adquirir hábito de
falar em público com precisão e acerto” [Estatutos,
artº 1]. Formou-se esta sociedade [58] com
membros originários do Gabinete Literário [59], que tinha sido fundado em 1821.
Dos seus Estatutos fica-se a saber que era
composta por sócios efectivos (de Lisboa; os estrangeiros podiam ser admitidos)
e correspondentes (noutras localidades) e que o seu número não podia ser “menor
que 120, nem maior que 400”; as virtudes sociais e o amor da pátria eram as
qualidades indispensáveis para se ser admitido como sócio (cap 1, artº 7, dos
Estatutos); a lista saída dos seus sócios [60]
atinge (em 1822) o número de 269, sendo a mais numerosa das sociedades formadas
no período Vintista. Tinha, para uma boa ordem nos seus trabalhos, um
Presidente, dois Vice-presidentes e um Secretário; existia uma comissão de
censura (artº 28 e cap. IV) incumbida de examinar se a obra apresentada tinha “doutrina
sólida”; e que todos os anos se pretendia comemorar o aniversário com “missa
cantada, sermão e Te Deum em graças ao Todo Poderoso pela boa união dos
portugueses, e prosperidade nacional”.
A Sociedade
publicou um periódico, Jornal da
Sociedade Literária Patriótica [61], que
tinha como princípios “difundir a ilustração, propagar os conhecimentos úteis,
obviar os erros da administração pública, tolher prevaricações, extirpar abusos”.
Os assuntos ali tratados eram principalmente políticos, desde a situação
política do Brasil, à economia política, administração judicial, eleições, instrução
pública; publicou, em separado, extractos de questões debatidas nas sessões e
curiosos e eloquentes sermões.
Do mesmo modo,
publicou manifestos, folhetos [62] de
distintos oradores, o que, se associarmos ao enorme impulso que teve o
periodismo neste período, permite dizer que os homens do vintismo fizeram da
palavra escrita uma arma virtuosa de instrução, alistamento e combate,
acelerando a formação de uma opinião pública (quase sempre urbana) que se
queria livre do obscurantismo, atenta ao presente e, por isso, interessada,
ilustrada e zelosa.
O núcleo de
homens irmanados na causa liberal que pugnaram na Sociedade Literária e
Patriótica de Lisboa comprometeu-se, mesmo com intimidações e sacrifícios
pessoais, no espírito e consciência do seu tempo, na liberdade como criação do
progresso, na ilustração como crença do futuro. Figuras como José Liberato
Freire de Carvalho (Ir. Spartacus), João B. L de Almeida Garrett (Ir. Múcio
Cévola ?), Nuno Álvares Pereira Pato Moniz (jornalista e escritor; amigo de Bocage,
fundador de O Portuguez Constitucional,
redactor do Diário das Cortes,
deputado; maçon importante do GOL), Agostinho José Freire (Ir. Séneca), José
Ferreira Borges (Ir. Viriato; membro do Sinédrio), José Maria Xavier de Araújo
(do Sinédrio), Paulo Midosi (comerciante e jornalista co-fundador de O Portuguez; redactor de O Nacional e Diário do Governo; Venerável da Loja Virtude), Joaquim Alves Maria Sinval (redactor do jornal Astro da Lusitania), Rodrigo Pinto
Pizarro (oficial do exército, condenado á morte; deputado, ministro e Pres. do
Conselho), Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas (do Conselho
Conservador), Anselmo José Braamcamp, António Barreto Ferraz de Vasconcelos
(desembargador), Bernardo de Castro Correia Sepúlveda (do Sinédrio), Gregório
José de Seixas (autor de uma mensagem a Napoleão, pedindo uma Constituição), Inácio
Xavier de Sousa Pissaro (do Conselho Conservador), Joaquim César de la Figanière e Morão
(importante diplomata), José Aleixo
Falcão de Gamboa Fragoso Vanzeller (Venerável da Loja Fortaleza, Grão-Mestre 1810), José Ferreira Pinto Basto Júnior
(proprietário, industrial, administrador), José Porteli (Ir. Duroc; clérigo),
José Vitorino Barreto Feio (oficial do exército), Luís Nicolau Fagundes Varela
(magistrado e Pres. das Cortes), Rodrigo da Fonseca Paganino (escritor;
bacharel em medicina; Venerável da Loja União
Portugueza), Sebastião José Xavier Botelho (desembargador e deputado;
director do Liceu Nacional), Tomás Oom (corrector da bolsa, director da
Alfândega de Lisboa, conselheiro da Coroa), foram selectos e talentosos membros
da Sociedade, escrupulosos cidadãos, uma demonstração avisada à geração liberal
que se lhe seguiu.
José Liberato esteve
exilado em Londres entre 1813 e 1821. Aí foi redactor de O Investigador Portuguez da Inglaterra (1814-1818), auxiliado por
Nolasco e Castro, mas não cedendo às rogativas que lhe foram feitas de deixar
de criticar a permanência da Corte no Brasil abandona o jornal, vindo a fundar
e redigir O Campeão Português ou Amigo do
Rei e do Povo (1819-1921). Regressa a Portugal em 1921 (1 de Agosto, ver Memórias, p. 141), fazendo uma longa
travessia, passando por Paris, Bordéus, Baiona, Vitória, Madrid (onde se demora
até Setembro), depois Cáceres, Badajoz, Elvas e, por fim, Lisboa, onde chega a
30 de Setembro. Nos dois meses que demorou a sua viagem, passou uma grande
parte deles em Madrid, garantidamente a tomar o pulso da nova situação política
espanhola, que decerto o agradava. E conta, nas suas Memórias, um curioso episódio (ver p. 134) passado com um “fidalgo
titular espanhol” que conheceu em Madrid, que versava uma discussão sobre os
debates e reuniões das Sociedades
Patrióticas em Madrid. Perante a posição do fidalgo, que entendia “tais
sociedades e tais debates não se deviam consentir” porque “perigosíssimas”,
contrariando o gosto manifesto de Liberato de ir assistir “muitas vezes” às suas
sessões, José Liberato responde: “se eu aqui governasse [Madrid], fazia com que
se estabelecessem ainda muitas mais”, porque
– continua Liberato – “estas sociedades duram de ordinário toda a noite (…) e a
gente que de lá sai, gente de toda a qualidade, e até senhoras, vão muito
contentes para suas casas (…) desafogaram e expressaram as suas ideias”. É
evidente a enorme empatia que Liberato tinha por esse tipo de associação, que incitava
à discussão política, participação e acção dos cidadãos.
Acontece que a Sociedade Literária Patriótica de Lisboa,
como foi dito, foi instalada a 2 de Janeiro de 1822, isto é três meses depois
da vinda de Liberato da emigração. Haverá nisto alguma conclusão a tirar? O
certo é que, na Gazeta Universal
(nº30, 7 de Fevereiro de 1822; jornal que apregoava a sermonária anti-liberal e
portanto merece ressalva; tinha como redactores José Agostinho de Macedo e Joaquim
José Pedro Lopes), é publicada uma curiosa e sarcástica Carta enviada (?) ao
periódico e assinada por um tal Xisto (terá sido forjada pela pena do padre
Agostinho de Macedo?) que diz o seguinte: foi instalada e está “em plena e
activa laboração, perto do Isidro, na rua do Ferragial de Cima” a nova
Sociedade Patriótica Literária, que “promete grande utilidades, e sobretudo
grandes luzes à nossa Pátria”. Mais diz (a notícia grassa por 5 longas colunas)
que foram eleitos para os cargos da Sociedade:
Presidente, José Liberato Freire de Carvalho; 1º Vice-Presidente, Francisco
Duarte Coelho (ex-ministro da Fazenda); 2º Vice-Presidente, Pato Moniz
(redactor do Português Constitucional);
Secretário, João Guilherme Ratcliff (funcionário público). O tom zombeteiro da
Carta ou pseudo carta é manifesto, mas mesmo que assim seja, pode, além de mostrar
a afectação do padre Macedo para com as figuras avançadas, revelar algum tipo
de conhecimento sobre a própria Sociedade.
A Sociedade Literária e Patriótica de Lisboa,
distinta pelos sócios que a compunham, foi muito respeitada no seu labor
liberal e ideologia Vintista. Deu proveito a outras Sociedades que se foram instalando, em assalto ao poder
absolutista, sem intervalo nem descanso, em obediência aos princípios constitucionalistas
e patrióticos. Por isso, o discurso de José Liberato Freire de Carvalho, tal como
o Epicédio de Almeida Garrett – ambos a seguir reproduzidos – são ecos de um
pensamento em que está presente a crença no “poder transformador das ideias”,
essa luz de aprendizagem que concorre para a salvação comum. O discurso [63]
viril de Liberato à memória dos espanhóis mortos em Madrid a 7 de Julho de 1822
era uma sentida e fundada esperança na vitória da pátria portuguesa e espanhola
e um íntimo reconhecimento aos seus escolhidos mártires, porque “sem amor da
pátria, esse amor nobre, desinteressado e sublime, que a ela tudo sacrifica,
até o primeiro dos bens, a própria vida, não pode haver liberdade nem há
cidadãos: só há escravos” (José Liberato).
[Fim de "As Sociedades Patrióticas" - sublinhados nossos]
J.M.M.
[58] Cf.
José Silvestre Ribeiro, ob.cit., p. 128 [que seguimos de perto]. A.H.O.M. refere
que é possível ter a Sociedade incorporado [regularizado] membros de algumas
das sociedades patrióticas que lhe antecederam (ob.cit., p. 269). Sobre a
origem da sociedade e a sua constituição ver, também, Adrien Balbi, ob. cit. tomo II, pp. 79-81.
[59] O Gabinete Literário seria uma associação
que tinha como finalidade “estabelecer para uso dos subscritores e
proprietários uma livraria de conhecimento do tempo”, como jornais, etc, em
português e línguas estrangeiras, com livros e mapas necessários para “fazer a associação útil” e propunha-se
divulgar memórias sobre as ciências morais (cf.
Correio Braziliense ou Armazém Literário, 1821, vol 26).
[60] Onde “se incluíam os mais variados representantes da burguesia lisboeta, com
predomínio para comerciantes, homens de leis e membros das forças armadas, mas
onde não faltavam médicos, proprietários, eclesiásticos e outros muitos” – cf. A.H.O.M., ob.cit, pp. 269-270. Veja-se a ficha biográfica dos sócios
apresentada por A. H. Oliveira Marques, ob.cit.
(1ª parte), pp. 153-158.
[61] Ano
I, nº1 (16 de Abril de 1822) ao nº26 (11 de Outubro de 1822), Lisboa, Impressão
na Typographia Rollandiana, 1822, 26 números. Sobre o jornal, ver Maria Carlos
Radich, ob. cit., pp.127-129.
[62] Alguns: Discursos e poesias fúnebres
recitadas a 27 de Novembro em sessão extraordinaria da Sociedade Litteraria
Patriotica celebrada para prantear a dor, e orfandade dos portuguezes na Morte
de Manoel Fernandes Thomaz Primeiro dos Regeneradores da Patria, Typ.
Rollandiana, 1823; Conciliação dirigida
aos bons portuguezes pelos cidadãos unidos debaixo do nome Sociedade Litteraria
Patriotica de Lisboa, Typ. Rollandiana, Março de 1823; Opinião do dr. Vicente José [Ferreira Cardoso da Costa] sobre a
deliberação da Sociedade Patriótica, de que tem a honra de ser sócio para ser
distribuida na sessão de 12 de Fevereiro, Typ. António Rodrigues Galhardo,
1823.
[63] A Sociedade Literária Patriótica e Lisboa,
na sequência dos funestos acontecimentos de Madrid de 7 de Julho de 1822,
enviou à sua congénere, Sociedade Patriótica
Constitucional de Madrid, uma carta (que, curiosamente, começava com
“Glória ao Supremo Senhor do Universo”), datada de 12 de Junho de 1822, em que
a felicitava pelo triunfo da liberdade, desse dia. Foi publicado no Jornal da
Sociedade Literária Patriótica. Agradeceu a Sociedade
Constitucional de Madrid, numa extensa carta e, também, publicada no mesmo
jornal.
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