Joaquim
Martins de Carvalho nasceu em Coimbra [a 19 de Novembro de
1822, curiosamente no mesmo dia em que morre Manuel Fernandes Tomás]. Frequenta
(1833 e 1834) aulas de latim nos jesuítas [os pais queriam que seguisse o
estudo eclesiástico – ver Diccionario de Esteves Pereira, vol IV; idem
Dicionário Bibliográfico de Inocêncio, vol XII, Suplemento J, p. 113 e ss], foi
empregado comercial [ficou órfão prematuramente e não pode prosseguir os
estudos] e trabalhou no ofício de latoeiro [daqui nasce a alcunha posta pelos
académicos de antanho de “doutor latas”]; fez parte do movimento da "Maria
da Fonte" (1846), tendo por isso sido preso [4 de Fevereiro de 1847] e
levado de Coimbra para a Figueira da Foz e daí para Buarcos, onde o embarcaram num
barco de guerra com destino a Lisboa, sendo enviado de imediato para o Limoeiro
[onde fica de Fevereiro a Junho – foge a 29 de Abril mas é rapidamente recapturado],
de onde sai pela convenção de Gramido [redigida pelo punho de Teixeira de
Vasconcelos], a 28 de Junho [cf. O Século, 20 de Outubro de 1898]
Foi
um notável jornalista, talvez o mais admirável do seu tempo:
colaborou (1851) no Liberal do Mondego, foi revisor, redator e
(depois) proprietário do Observador [fundado a 16 de Novembro
de 1847; o seu primeiro escrito no jornal, “Sociedades de Socorros Mútuos”,
data de 13 de Agosto de 1850] e fundou e redigiu, quase que integralmente, esse
incontornável, erudito e precioso jornal, O Conimbricense [nº
1, 24 de Janeiro de 1854, ao nº 6230, de 31 de Agosto de 1907, saindo um nº a 1 de Julho de 1908; continuação
d’Observador], uma verdadeira “enciclopédia de história politica, literária e
artística do nosso país” [Silva Pereira, in Occidente, 30/10/1898]. Funda a 30
de Outubro de 1855 uma Tipografia, para a impressão d’O Conimbricense, na rua
de Coruche (ou, depois, Visconde da Luz), mudando-se posteriormente para a rua
das Figueirinhas (depois chamada, rua Martins de Carvalho), num prédio onde veio
a residir.
N'O
Conimbricense, Joaquim Martins de Carvalho “expandia todas as suas ideias de
liberal sans peur et sans reproche, atacando todos os movimentos reacionários e
retrógrados, tudo o que fosse voltar aso tempos nefastos da opressão ou que
apresentasse um ataque às liberdades públicas” [cf. O Século, 20 Outubro 1898;
jornal Resistência, ibidem]
Defensor
das liberdades públicas, liberal “sem nódoa” [cf. Occidente, ibidem] e convicto
associativista, foi um admirável defensor da instrução do operariado,
pertencendo aos fundadores da Sociedade de Instrução dos Operários (1851), do
Montepio Conimbricense (1851; e que depois tomou o seu nome), do Centro
Promotor de Instrução (antiga Biblioteca Popular da Sociedade Terpsychore
Conimbricense), da Associação Liberal de Coimbra, da Sociedade Protetora do
Asilo de Mendicidade de Coimbra, foi sócio honorário da Associação de Artistas
de Coimbra, da Assembleia Recreativa de Coimbra, da Escola Livre das Artes de
Desenho de Coimbra, da Associação Comercial de Coimbra, do Instituto de
Coimbra, do Grémio dos Empregados de Comércio e Industria de Coimbra, dos
Bombeiros Voluntários, da Sociedade Tipográfica Lisbonense e Artes
Correlativas, da Sociedade Protetora dos Animais, da Sociedade União
Beneficente A Voz de Operário, do Centro Promotor de Melhoramentos das Classes
Laboriosas de Lisboa, da Sociedade de Geografia e Comercial do Porto, da
Academia Real das Ciências de Lisboa, do Clube Literário Limoeirense de
Pernambuco, da União Beneficente do Rio de Janeiro, do Grémio de Instrução e
Recreio de Bragança, do Grémio Literário de Angra do Heroísmo, foi
correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade de Geografia
do Porto, da Associação Liberal Portuense, da Associação dos Jornalistas e Homens
de Letras do Porto, da Real Associação dois Arquitetos Civis e Arqueólogos
Portugueses [idem, ibidem]. Já perto
do final da sua vida, além de colaboração esporádica em periódicos estudantis
[como o Académico (1880), a Folha Literária (1882) e Portugal (1896)], o
“integérrimo liberal” torna-se um “liberal desiludido” [cf Magalhães Lima, Vanguarda,
19 Outubro de 1898], “fez-se republicano” e filia-se (1895) no Partido
Republicano, porque era na República que via “a salvação do país” [cf. jornal Resistência,
Coimbra, 20 de Outubro 1898; idem O Século, Lisboa]
Joaquim
Martins de Carvalho foi agraciado, em Novembro de 1869, com o “hábito da
Conceição”, mas renunciou, tendo sido aceite pelo diploma de 5 de Janeiro
de 1870. E é o principal animador da Exposição Distrital de Coimbra, inaugurada
a 1 de Janeiro de 1884, onde é presidente da Comissão Executiva. Em 1888, por
ocasião do seu 66º aniversário, a Associação dos Artistas de Coimbra “tomou a
iniciativa de imponentes manifestações em sua honra”, tendo realizado um
“cortejo cívico majestoso”, com representações de todas as associações e dando
lugar, a noite, a uma sessão solene onde discursaram o conde de Valenças e o
conselheiro José Dias Ferreira [O Século, ibidem].
"Não
tendo ele sido verdadeiramente um escritor, na acepção estilística do termo,
foi um jornalista ardoroso e intemerato, arrostando tão corajosamente os
perigos como afrontava sobranceiramente chufas e arruaças, em luta permanente
contra tudo e contra todos pelo Progresso, pela Ordem e pela Verdade" [José
Pinto Loureiro, in Índice Ideográfico de O
Conimbricense, Coimbra, 1953]
"...
A collecção do Conimbricense, escripto da primeira columma à última
por Martins de Carvalho, é um repositório interessante da nossa
historia pátria, em que o fallecido jornalista era aprofundadíssimo e excavador
extremado de factos históricos ..." [Portugal Moderno, Rio de
Janeiro, 1901]
"É
preciosa a collecção do Conimbricense. Mais vasto repositório de
história não é possível encontrar-se em nenhum jornal político dos muitos que
se tem publicado no paiz. É um arquivo inestimável de factos e documentos
valiosíssimos, uma bússola indispensável a todos os cavouqueiros da história
pátria. Quando mais não seja a história contemporânea de Portugal não pode
fazer-se com segurança sem a consulta previa da collecção do Conimbricense ..."
[Marques Gomes, in O Conimbricense e a História
Contemporânea. Publicação comemorativa do 50º aniversario do nosso mesmo jornal,
Aveiro, 1897]
De
facto, como se pode ler pelo Índice Ideográfico de O
Conimbricense (sob direcção de Pinto Loureiro), a
vastidão e a importância dos assuntos publicados no jornal ao longo dos anos,
faz dele uma fonte inultrapassável sobre os acontecimentos económicos,
políticos, sociais e literários de finais do século XIX. São curiosas e
estimadas as referências sobre Garrett, Arqueologia, Lutas
Académicas, Bibliografia e Bibliofilia, Jornalismo, Cabralismo,
Costumes, Duelos, Tauromaquia, Teatro, Tipografia (importante os seus
Apontamentos para a História da Tipografia em Coimbra), Viticultura, Eleições,
Epistografia, Évora, Manuel Fernandes Tomás, Freire de Andrade, Guerra
Peninsular, Herculano, Iberismo, Índia Portuguesa, Lisboa, Macau, José
Agostinho de Macedo, Mosteiros, Mutualismo, Operariado, Marquês de
Pombal, etc .
Absolutamente
notável as inúmeras e preciosas referências que se dispõe sobre Coimbra, Inquisição, Ordens Religiosas, Invasões Francesas, Lutas Liberais, Miguelismo,
Jesuítas, Maçonaria e Carbonária, Sociedades Secretas (como S.
Miguel da Ala).
Diga-se,
que o próprio Joaquim Martins de Carvalho pertenceu à Carbonária
Lusitana de Coimbra , instalada a 29 de Maio de 1848, pelo Padre
António Maria da Costa [o Benigno Primo, ou B. P., Ganganelli] e José
Joaquim Manso Preto [B. P. Lagrange] e dissolvida em 1850. Joaquim Martins de
Carvalho integrou a “Choça 16 de Maio” [título em homenagem à data da vitoria
popular contra o Cabralismo, a 1847 em Coimbra; reunia a choça em frente ao
Colégio Novo, quando se sobe a Couraça dos Apóstolos), era Joaquim Martins de Carvalho o Orador, o B. P.
“Ledru Rollin”; foi presidente da choça "Segredo" – que sucede à "Choça 16 de Maio",
que muda de nome dada a descoberta e o assalto executado pela polícia cabralina
e que reúne depois, não sem alguns curiosos percalços, no convento de Santo
António dos Olivais - e é 1º secretário da Barraca "Igualdade", que chegou a reunir
no Jardim Botânico de Coimbra. Refira-se que a Carbonária Lusitana de Coimbra é
diferente daquela que se denomina de Carbonária Portuguesa
(1896/7??) e não se deve confundir com a Carbonária Lusitana,
de pendor anarquista - ou Carbonária dos Anarquistas - muito
sigilosa, a que pertenceram os anarquistas José do Vale, Ribeiro
de Azevedo, entre outros [vidé a Carbonária em Portugal,
por António Ventura, Museu Republica e Resistência, 1999]. Joaquim
Martins de Carvalho foi iniciado na maçonaria em data incerta, com o nome
simbólico de “Lamartine”, tendo feito parte da loja maçónica de Coimbra, Pátria e Caridade [1852-53?
– sob obediência da Confederação Maçónica Portuguesa; curiosamente fez parte da
loja, sendo seu Venerável, Filipe de Quental (Chatterton) e José Luciano de
Castro; a loja situava-se junto ao Colégio dos Grilos e mais tarde muda-se para
o Colégio da Trindade – ver Encyclopedia das Encyclopedias, vol. VI M-MAG, p.
396; ver, ainda, Francisco A. Martins de Carvalho, “Algumas horas na minha
Livraria", 1910, p.99 e ss].
Refira-se
que a sua admirável livraria [que contava com peças manuscritas de grande valor
e raridade], em parte vendida em 1923 (em Coimbra), era extraordinária - principalmente
o conjunto raríssimo de jornais, revistas e publicações várias, autógrafos e um
notável conjunto de opúsculos políticos - sendo que o leilão realizado foi um dos
acontecimentos mais excepcionais entre os bibliófilos portugueses.
Faleceu
em Coimbra a 18 de Outubro de 1898 [curiosamente, 81 anos decorridos da
“horrorosa” morte de Gomes Freire de Andrade]. O funeral, que saiu da igreja de
S. Bartolomeu para o cemitério da Conchada, apesar de copiosa chuva, foi uma
homenagem “imponentíssima”. Todas as associações de Coimbra e um numeroso grupo
de trabalhadores marcaram presença, em “alas compactas” na Praça do Comércio
[ver “A Voz Pública", 21 de Outubro de 1898], o comércio local fechou as portas,
tendo discursado no cemitério Brito Aranha (pelo DN e Associação dos
Jornalistas), A. X. da Silva Pereira (pela Associação da Imprensa Portuguesa e
como correspondente do Conimbricense em Lisboa), Guilherme Alves Moreira (pelo
Partido Republicano), João José Sabino (pela Voz do Operário), José do Carmo
(pelo jornal A Voz do Operário), Teixeira Bastos (pelo Século), Ernesto da
Silva (pela Liga de Artes Gráficas), António Ferreira Carneiro (carpinteiro e
artista conimbricense), José Pereira da Cruz (pelo 1º de Janeiro) e António Bahia
(em nome dos pobres de Coimbra). Estiveram presentes um elevado número de
representantes de periódicos nacionais e regionais (como a Gazeta da Figueira,
Resistência) e a comissão municipal republicana do Porto fez-se representar
pelo dr. Afonso Costa [idem, ibidem; ver, ainda, jornal “Vanguarda”, de 20 de
Outubro de 1898].
Algumas
Obras: Apontamentos para a Historia Contemporânea, Imp.
da Univ., 1868 / Novos apontamentos para a História contemporânea os
assassinos da Beira, Imp. Univ., 1890 / A Nossa Aliada! Artigos publicados
pelo redactor do Conimbricense, Porto, 1883 / Homenagem a Joaquim Martins de
Carvalho, Typ. Operaria, 1889 / O Retrato de Venus. Edição Comemorativa do
nascimento de Garrett, Coimbra, 1899 / Os assassinos da Beira,
Coimbra, 1922 / Catálogo da... livraria que pertenceu ... a
Joaquim Martins de Carvalho e ... Francisco Augusto Martins de Carvalho, Imp.
da Univ., 1923
NOTA:
este texto foi inicialmente publicado, por nós em 2003, no Almocreve das Petas, e apresenta-se agora com
novos aditamentos.
J.M.M.
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