“DISCURSO
PROFERIDO NA EVOCAÇÃO DA REVOLUÇÃO LIBERAL E HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS
NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2018, NA FIGUEIRA DA FOZ, pela Associação Manuel Fernandes
Tomás”
Em nome da
Associação Manuel Fernandes Tomás, cabe-nos a honra e o solene dever, 198 anos após
o claro dia da revolução de 24 de Agosto de 1820 na cidade do Porto, evocar
essa memorável data que esculpiu uma página mais à “história das idades” e
rememorar Manuel Fernandes Tomás, a “alma e o cérebro” desse auspicioso
levantamento, certo que o seu legado estará sempre presente para todos e cada
um de nós.
É, portanto,
com muita alegria que a Associação Manuel Fernandes Tomás tem o grato prazer de
se associar à Homenagem aos Heróis de 1820 e honrar a figura do ilustre
regenerador da Pátria, Manuel Fernandes Tomás, o filho mais querido, ilustre e
venerado da Figueira da Foz.
Minhas
Senhoras e Meus Senhores:
Gostaria de
vos deixar, nesta sublime ocasião, 30 anos passados da fundação desta
Associação e a dois anos da Comemoração do Bicentenário da Revolução Liberal de
1820, 2 notas de aide-mémoire:
1. A
primeira nota é para reafirmar que a Associação Manuel Fernandes Tomás -
constituída a 12 de Janeiro de 1988 sob os auspícios da CMFF, da família de
Manuel Fernandes Tomás (com incansável ânimo do professor Henrique Fernandes
Tomás Veiga, que aqui saudamos calorosamente), entidades locais e cidadãos
figueirenses – continuará a tomar todas as iniciativas para que se perpetue o
espírito e a memória do seu patrono e pretende cooperar para que a celebração
do Bicentenário da Revolução de 1820 tenha, também aqui nesta luminosa cidade, a
solenidade e a inspiração cívica que o empreendimento exige e o dever de
consciência reconhece.
2. A segunda
nota é para recordar que se comemorou no dia 22 de Janeiro último o Bicentenário
da Fundação do Sinédrio, associação liberal e patriótica que em boa hora um
grupo de homens livres fundou na cidade do Porto, sob o olhar vigilante e
infatigável de Manuel Fernandes Tomás, e que soube conduzir o levantamento
auspicioso de 24 de Agosto de 1820. A dívida que nos cumpre salvar para com
esse grupo de varões ilustres que soltaram no Porto o grito da nossa
emancipação política - contra o terror do despotismo e em defesa da “Augusta
Liberdade” -, essa ideia de regeneração e liberdade da Pátria, é enorme e
virtuosa. Não devemos poupar aplausos aos seus festejos e à sua glorificação,
pagando assim uma divida de gratidão a todos aqueles que semearam a palavra “Liberdade”
e deixaram o seu nome gravado a ouro na memória colectiva da Nação.
No percurso
biográfico de Manuel Fernandes Tomás registemos três períodos que ornamentam o
itinerário do emérito figueirense. Nascido em 31 de Julho de 1771 na Figueira
da Foz, logo após os estudos iniciais ingressa na Universidade de Coimbra,
tomando o grau de bacharel em Leis ou Cânones (1791), retornando posteriormente
à sua terra natal.
Esta fase
da sua vida, o aprendizado universitário, fê-lo discípulo de eruditos e
ilustrados juristas (Pascoal José de Melo Freire dos Reis; João Pedro Ribeiro)
enquanto a sua formação cívica e humana se forja no convívio com a moderna
geração iluminista e racionalista, que então desponta. As funções que depois
exerce entre 1792 a 1798, Síndico e Procurador Fiscal do Município e Vereador
da Câmara, cargos que cumpriu com elevado zelo, vincaram-lhe a determinação e a
coragem, robusteceram-lhe a dedicação e o assomo à causa pública, honra e
“desejo cívico de servir”.
Um segundo
momento, que vai de 1801 a 1816, com o seu ingresso na carreira da
magistratura, fê-lo estar à frente do município de Arganil e depois no exercício
de Superintendente das Alfândegas e dos Tabacos das Comarcas de Aveiro, Coimbra
e Leiria. Curioso período esse em que Manuel Fernandes Tomás, depois de se
“refugiar” (1808) na Figueira da Foz após o cumprimento das suas funções, e decerto
reflectindo no sofrimento do seu povo e nas desgraças que a pátria amargava com
a invasão francesa, nos surge - após a expulsão da tropa francesa do Forte de
Santa Catarina pelo Corpo Académico de Coimbra - como um dos cinco membros da
eleita Junta de Segurança Pública local. O reconhecimento do seu valor,
patriotismo e competências estavam lançados. Com o desembarque da tropa
inglesa, sob comando de futuro duque de Wellington, Fernandes Tomás é nomeado
Comissário em Chefe do Exército no Distrito, mais tarde Provedor de Coimbra e,
a instâncias do general do exército inglês, tem a responsabilidade da
Intendência Geral dos Abastecimentos do Exército anglo-português (1811) e é
nomeado Juiz Conservador da Nação Britânica em Coimbra (1812). Este particular
período, em que é bem visível a estreita colaboração com os ingleses, ao mesmo
tempo torna-o consciente do azedume e animosidade contra a tutela britânica e
leva-o a compreender as revindicações e aspirações modernizadoras e liberais de
sectores socias com pouca representação económica e política. Não por acaso a
sua residência em Coimbra era o ponto de reunião de audaciosos patriotas, lugar
onde os debates vivificavam.
Por outro
lado, data neste período, possivelmente em 1803, a sua iniciação na maçonaria em
Coimbra. Ora, conhecendo-se as denúncias e a sanha persecutória que a
Inquisição - por intermédio de Álvaro José Botelho, levou a cabo a partir de
1791, com apoio do intendente geral da polícia Pina Manique - contra os
pedreiros-livres e a “libertinagem” em todo o país, entender-se-á tão grande
era a importância e a exigência de uma total discrição e segredo. Deste modo, a
sua intensa vida social e política despertam nele a prudência, a firmeza e a
exigência conspirativa, ajustando a sua conduta posterior aos trabalhos
proveitosos da associação secreta que fundou na cidade do Porto em 1818 - o Sinédrio.
No último
período a considerar, e que vai de 1816 a 1820, Manuel Fernandes Tomás está
provido como Desembargador da Relação do Porto. Tempo fecundo esse, que revela
o jurista estudioso, o homem empenhado e interessado pelos problemas do país, o
activista e o organizador brilhante, aquele que ousou plantar uma semente do
edifico do primeiro liberalismo pátrio. Na cidade do Porto encontrou Fernandes
Tomás um grupo de amigos da verdade e da liberdade à volta de uma associação
patriótica, denominada Sinédrio.
Vale a pena
- vale sempre a pena -, rememorar os seus membros: a 22 de Janeiro de 1818 teve
lugar em casa de José Ferreira Borges a primeira reunião regular do Sinédrio,
onde estiveram presentes os seus quatro elementos fundadores - além do dono da
casa, Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho e João Ferreira Viana;
nessa mesma noite há lugar a uma sessão em casa de Fernandes Tomás; em 10 de
Fevereiro entra para a Associação, em casa de Fernandes Tomás, Duarte Lessa; a
3 de Maio, na mesma residência, ingressam José Maria Lopes Carneiro e José
Gonçalves dos Santos Silva; a 6 de Julho, ainda desse ano de 1818, filiou-se José
Pereira de Meneses, em casa de Ferreira Borges; a 26 de Maio de 1820, em casa
de Fernandes Tomás, ingressam Francisco Gomes da Silva e João da Cunha Souto
Mayor; a 5 de Junho de 1820, na mesma casa, entra José de Mello de Castro e
Abreu; a 22 de Junho, desse ano, em casa de Duarte Lessa, filia-se José Maria
Xavier de Araújo; e o 13.º e último elemento do Sinédrio, Bernardo Correia de
Castro Sepúlveda, entra a 19 de Agosto de 1820, em sessão em casa de Fernandes
Tomás. Cinco dias depois “rebentava a revolução”.
Estes
patriotas, unidos pela lealdade e o segredo jurado, formaram um corpo compacto
e esperaram a hora mais oportuna de intervenção, para dirigir o movimento
insurrecional em prol do País e da sua Liberdade, com esperado realismo,
confiança e sensatez. As funções levadas a cabo pelo Sinédrio, em sessões
realizadas no maior sigilo, redobraram de energia logo após a revolução liberal
de Março em Espanha e que deu origem ao chamado Triénio Liberal (1820-23). A
animosidade antibritânica por diversas vezes manifestada contra o braço férreo
e despótico de Beresford (na memória soava ainda a desdita dos revolucionário
de 1817 - a execução de Gomes Freire e dos Mártires da Liberdade) e o
descontentamento (civil e militar) agitava-se, pelo que o incitamento
revolucionário à acção tinha de ser rapidamente declarado. Deste modo, a
propaganda aumentou, o aliciamento de oficiais militares foi incrementado e,
não sem algumas desinteligências entre civis e militares, a revolução rebentou na
manhã luminosa de 24 de Agosto de 1820, no Porto. A revolução tinha-se
realizado sem resistência e derramamento de sangue. Fora ouvido (A. Garrett) o
apelo do primeiro dos regeneradores, o cidadão extremado, homem único, o
benemérito da Pátria, Manuel Fernandes Tomás.
Glória,
pois, aos Heróis de 1820.
Honra a
Manuel Fernandes Tomás.
[José Manuel Martins, Representante da Associação
Manuel Fernandes Tomás] – sublinhados nossos
J.M.M.
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