quarta-feira, 29 de agosto de 2018

FIGUEIRA DA FOZ - [ASSOCIAÇÃO MANUEL FERNANDES TOMÁS] NA EVOCAÇÃO DA REVOLUÇÃO LIBERAL E HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS



DISCURSO PROFERIDO NA EVOCAÇÃO DA REVOLUÇÃO LIBERAL E HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2018, NA FIGUEIRA DA FOZ, pela Associação Manuel Fernandes Tomás
Em nome da Associação Manuel Fernandes Tomás, cabe-nos a honra e o solene dever, 198 anos após o claro dia da revolução de 24 de Agosto de 1820 na cidade do Porto, evocar essa memorável data que esculpiu uma página mais à “história das idades” e rememorar Manuel Fernandes Tomás, a “alma e o cérebro” desse auspicioso levantamento, certo que o seu legado estará sempre presente para todos e cada um de nós.

É, portanto, com muita alegria que a Associação Manuel Fernandes Tomás tem o grato prazer de se associar à Homenagem aos Heróis de 1820 e honrar a figura do ilustre regenerador da Pátria, Manuel Fernandes Tomás, o filho mais querido, ilustre e venerado da Figueira da Foz.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Gostaria de vos deixar, nesta sublime ocasião, 30 anos passados da fundação desta Associação e a dois anos da Comemoração do Bicentenário da Revolução Liberal de 1820, 2 notas de aide-mémoire 
1. A primeira nota é para reafirmar que a Associação Manuel Fernandes Tomás - constituída a 12 de Janeiro de 1988 sob os auspícios da CMFF, da família de Manuel Fernandes Tomás (com incansável ânimo do professor Henrique Fernandes Tomás Veiga, que aqui saudamos calorosamente), entidades locais e cidadãos figueirenses – continuará a tomar todas as iniciativas para que se perpetue o espírito e a memória do seu patrono e pretende cooperar para que a celebração do Bicentenário da Revolução de 1820 tenha, também aqui nesta luminosa cidade, a solenidade e a inspiração cívica que o empreendimento exige e o dever de consciência reconhece.   
 
2. A segunda nota é para recordar que se comemorou no dia 22 de Janeiro último o Bicentenário da Fundação do Sinédrio, associação liberal e patriótica que em boa hora um grupo de homens livres fundou na cidade do Porto, sob o olhar vigilante e infatigável de Manuel Fernandes Tomás, e que soube conduzir o levantamento auspicioso de 24 de Agosto de 1820. A dívida que nos cumpre salvar para com esse grupo de varões ilustres que soltaram no Porto o grito da nossa emancipação política - contra o terror do despotismo e em defesa da “Augusta Liberdade” -, essa ideia de regeneração e liberdade da Pátria, é enorme e virtuosa. Não devemos poupar aplausos aos seus festejos e à sua glorificação, pagando assim uma divida de gratidão a todos aqueles que semearam a palavra “Liberdade” e deixaram o seu nome gravado a ouro na memória colectiva da Nação.
No percurso biográfico de Manuel Fernandes Tomás registemos três períodos que ornamentam o itinerário do emérito figueirense. Nascido em 31 de Julho de 1771 na Figueira da Foz, logo após os estudos iniciais ingressa na Universidade de Coimbra, tomando o grau de bacharel em Leis ou Cânones (1791), retornando posteriormente à sua terra natal.
Esta fase da sua vida, o aprendizado universitário, fê-lo discípulo de eruditos e ilustrados juristas (Pascoal José de Melo Freire dos Reis; João Pedro Ribeiro) enquanto a sua formação cívica e humana se forja no convívio com a moderna geração iluminista e racionalista, que então desponta. As funções que depois exerce entre 1792 a 1798, Síndico e Procurador Fiscal do Município e Vereador da Câmara, cargos que cumpriu com elevado zelo, vincaram-lhe a determinação e a coragem, robusteceram-lhe a dedicação e o assomo à causa pública, honra e “desejo cívico de servir”.
Um segundo momento, que vai de 1801 a 1816, com o seu ingresso na carreira da magistratura, fê-lo estar à frente do município de Arganil e depois no exercício de Superintendente das Alfândegas e dos Tabacos das Comarcas de Aveiro, Coimbra e Leiria. Curioso período esse em que Manuel Fernandes Tomás, depois de se “refugiar” (1808) na Figueira da Foz após o cumprimento das suas funções, e decerto reflectindo no sofrimento do seu povo e nas desgraças que a pátria amargava com a invasão francesa, nos surge - após a expulsão da tropa francesa do Forte de Santa Catarina pelo Corpo Académico de Coimbra - como um dos cinco membros da eleita Junta de Segurança Pública local. O reconhecimento do seu valor, patriotismo e competências estavam lançados. Com o desembarque da tropa inglesa, sob comando de futuro duque de Wellington, Fernandes Tomás é nomeado Comissário em Chefe do Exército no Distrito, mais tarde Provedor de Coimbra e, a instâncias do general do exército inglês, tem a responsabilidade da Intendência Geral dos Abastecimentos do Exército anglo-português (1811) e é nomeado Juiz Conservador da Nação Britânica em Coimbra (1812). Este particular período, em que é bem visível a estreita colaboração com os ingleses, ao mesmo tempo torna-o consciente do azedume e animosidade contra a tutela britânica e leva-o a compreender as revindicações e aspirações modernizadoras e liberais de sectores socias com pouca representação económica e política. Não por acaso a sua residência em Coimbra era o ponto de reunião de audaciosos patriotas, lugar onde os debates vivificavam.
Por outro lado, data neste período, possivelmente em 1803, a sua iniciação na maçonaria em Coimbra. Ora, conhecendo-se as denúncias e a sanha persecutória que a Inquisição - por intermédio de Álvaro José Botelho, levou a cabo a partir de 1791, com apoio do intendente geral da polícia Pina Manique - contra os pedreiros-livres e a “libertinagem” em todo o país, entender-se-á tão grande era a importância e a exigência de uma total discrição e segredo. Deste modo, a sua intensa vida social e política despertam nele a prudência, a firmeza e a exigência conspirativa, ajustando a sua conduta posterior aos trabalhos proveitosos da associação secreta que fundou na cidade do Porto em 1818 - o Sinédrio.
No último período a considerar, e que vai de 1816 a 1820, Manuel Fernandes Tomás está provido como Desembargador da Relação do Porto. Tempo fecundo esse, que revela o jurista estudioso, o homem empenhado e interessado pelos problemas do país, o activista e o organizador brilhante, aquele que ousou plantar uma semente do edifico do primeiro liberalismo pátrio. Na cidade do Porto encontrou Fernandes Tomás um grupo de amigos da verdade e da liberdade à volta de uma associação patriótica, denominada Sinédrio.
 
Vale a pena - vale sempre a pena -, rememorar os seus membros: a 22 de Janeiro de 1818 teve lugar em casa de José Ferreira Borges a primeira reunião regular do Sinédrio, onde estiveram presentes os seus quatro elementos fundadores - além do dono da casa, Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho e João Ferreira Viana; nessa mesma noite há lugar a uma sessão em casa de Fernandes Tomás; em 10 de Fevereiro entra para a Associação, em casa de Fernandes Tomás, Duarte Lessa; a 3 de Maio, na mesma residência, ingressam José Maria Lopes Carneiro e José Gonçalves dos Santos Silva; a 6 de Julho, ainda desse ano de 1818, filiou-se José Pereira de Meneses, em casa de Ferreira Borges; a 26 de Maio de 1820, em casa de Fernandes Tomás, ingressam Francisco Gomes da Silva e João da Cunha Souto Mayor; a 5 de Junho de 1820, na mesma casa, entra José de Mello de Castro e Abreu; a 22 de Junho, desse ano, em casa de Duarte Lessa, filia-se José Maria Xavier de Araújo; e o 13.º e último elemento do Sinédrio, Bernardo Correia de Castro Sepúlveda, entra a 19 de Agosto de 1820, em sessão em casa de Fernandes Tomás. Cinco dias depois “rebentava a revolução”.
Estes patriotas, unidos pela lealdade e o segredo jurado, formaram um corpo compacto e esperaram a hora mais oportuna de intervenção, para dirigir o movimento insurrecional em prol do País e da sua Liberdade, com esperado realismo, confiança e sensatez. As funções levadas a cabo pelo Sinédrio, em sessões realizadas no maior sigilo, redobraram de energia logo após a revolução liberal de Março em Espanha e que deu origem ao chamado Triénio Liberal (1820-23). A animosidade antibritânica por diversas vezes manifestada contra o braço férreo e despótico de Beresford (na memória soava ainda a desdita dos revolucionário de 1817 - a execução de Gomes Freire e dos Mártires da Liberdade) e o descontentamento (civil e militar) agitava-se, pelo que o incitamento revolucionário à acção tinha de ser rapidamente declarado. Deste modo, a propaganda aumentou, o aliciamento de oficiais militares foi incrementado e, não sem algumas desinteligências entre civis e militares, a revolução rebentou na manhã luminosa de 24 de Agosto de 1820, no Porto. A revolução tinha-se realizado sem resistência e derramamento de sangue. Fora ouvido (A. Garrett) o apelo do primeiro dos regeneradores, o cidadão extremado, homem único, o benemérito da Pátria, Manuel Fernandes Tomás.
Glória, pois, aos Heróis de 1820.
Honra a Manuel Fernandes Tomás.
[José Manuel Martins, Representante da Associação Manuel Fernandes Tomás] – sublinhados nossos
J.M.M.

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