sábado, 8 de fevereiro de 2020

1820 – O LIBERALISMO EM PORTUGAL



LIVRO: 1820 O Liberalismo em Portugal;
AUTOR
: Rui de Albuquerque;
EDIÇÃO: Aletheia Editora, 2020, 332 p.

“ … Subjaz a todas estas convulsões revolucionárias e iluminista, antes de qualquer outra convicção ou dogma, a ideia da liberdade. Uma liberdade que era, por essa altura, perspectivada de um modo mais negativo do que positivo, fundada que estava sobre os axiomas do «laissez-faire» económico e do individualismo filosófico, antes dos Estados a assumirem como desígnio seu. E uma liberdade que se definia, no âmago do que lhe era essencial, em oposição e contraponto aos regimes antigo dos estamentos nobiliárquicos e clericais, dos vínculos de vassalagem e servidão, onde o privilégio distinguia as castas e os homens, caracterizando, desse modo, o sistema vulgarmente dito de «feudal», que agora se pretendia erradicar na sua forma sobreviva de um quase-feudalismo tardio.

Esse mundo antigo, que era sinónimo de servidão para aqueles que não cabiam nas elites sociais de sangue e de condição, foi o alvo primordial das revoluções liberais. Mais do que simples reacções contra o despotismo de reis e soberanos, os liberalismos iluministas europeus ambicionaram abrir espaço politico e social às novas classes laboriosas do comércio e da indústria nascentes, permitindo-lhes alcançar as hierarquias mais elevadas da sociedade e do Estado, de que tinham sido arredadas no Ancien Régime por razões de berço, mas que uma inevitável ascensão económica, alcançada pelo esforço, pelo risco e pelo mérito individual, tornava uma imperiosa e urgente fatalidade.

Esta ideia liberal de liberdade foi, por conseguinte, primordialmente, uma efabulação burguesa erigida contra um Estado e um aparelho de poder que há muito estavam detidos pelas velhas ordens sociais privilegiadas da alta aristocracia e do clero superior. Por isso, ela pressupôs, como primeira condição da sua exequibilidade, o fim de todos os privilégios ainda provenientes do feudalismo, e foi sinónimo de direitos individuais garantidos pela lei e da igualdade de todos, ou melhor, de quase todos perante ela. Mas também trouxe consigo a criação do Estado de direito, quer isto dizer, a submissão dos poderes públicos à lei, e a estruturação e ordenação do político através de uma Lei Fundamental declarada pela vontade comum soberana, a cujos ditames o próprio Estado se sujeitaria, pondo termo ao ancestral axioma romanístico de que o «princeps legibus solutus est». Foi, por isso e neste tempo, uma ideia revolucionária e transformadora.

A filosofia ou filosofias politicas que em seu torno se criaram, no fim do século XVIII e nos primórdios do que se lhe seguiu, tomaram o nome genérico, e num primeiro momento indiferenciado, de «Liberalismo». Mais tarde, esse Liberalismo transformar-se-ia em vários Liberalismos entre si profundamente diferentes e em certos aspectos até antagónicos, sendo, contudo, possível delinear, na sua expressão inicial, dois ramos matriciais: o Liberalismo Inglês e Escocês e o Liberalismo Francês e Continental […]

Este livro, a que demos o nome de 1820 - O Liberalismo em Portugal, pretende conhecer em que consistiram, nas suas raízes filosóficas, históricas, ideológicas e factuais, essas duas tão diversas tradições liberais, procurando entender como, em que medida e por via de que acontecimentos, factos e personagens influenciaram elas o primeiro liberalismo português, nesse período da nossa história que vai da Regeneração do 24 de Agosto de 1820 à Regeneração de Rodrigo da Fonseca Magalhães e de Fontes Pereira de Melo.

A partir desse momento, o país colocará por algum — pouco - tempo as questões ideológicas e pessoais de parte e procurará recuperar o tempo perdido da sua modernização, voltando costas a um mundo demasiadamente antigo para poder sobreviver aos desígnios do porvir […]”

Rui de Albuquerque, in Introdução, pp.14 e ss (sublinhados nossos)

J.M.M.

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