“… Álvaro Soares Andrea acredita ter aprendido a navegar antes de o mar ter nascido. Durante décadas vagueou ao longo da costa africana e desbravou rios que estão ainda por nomear. E foram tantas as viagens que não há noites que bastem para contar as suas aventuras. Daí o seu desdém pelos caprichos de Mouzinho de Albuquerque.
- Quem
sabe do mar sabe dos céus -proclama o comandante enquanto percorre, para cá e
para lá, toda a extensão da sua corveta.
Está
alvoroçado, não pregou olho toda a noite. Foi visitado por sonhos, estranhos
presságios. Sonhou que se tinha convertido num prisioneiro negro e que viajava
no porão do seu próprio navio. No mesmo sonho, Mouzinho desamarrava-lhe os
pulsos e agitava um caderno em frente do seu rosto: É isto que andas a escrever
contra mim, meu filho da puta? No cano das botas ia roçando uma nervosa
vergasta. Depois ia roçando uma nervosa vergasta. Depois atirava-lhe o caderno
para o colo. Queria que o lesse em voz alta. Andrea segurava as folhas com mãos
trémulas. Dava conta de que aquela era a sua caligrafia. Mas logo se apercebia
de que escrevera tudo aquilo numa língua que não entendia. Parecia-lhe zulu,
não tinha a certeza. E despertava, estremunhado.
-
Quem sabe do mar sabe dos céus -repete Andrea, como se o mote o ajudasse a permanecer
desperto. Volta a olhar as nuvens escuras por cima do oceano. Sujeita-se,
enfim, ao comando das insondáveis forças da natureza. Confia mais nessa estrela
interior - que alguns designam de intuição - do que em mapas e bússolas que se
mostram imprestáveis nos mares tropicais …”
[Mia
Couto, in As Areias do Imperador – Livro Três. O Bebedor de Horizontes]
Álvaro
Simões de Oliveira Soares Andrea nasce em Lisboa em 31 de Agosto de 1864. Era filho
do contra-almirante liberal Tomás José
de Sousa Soares de Andrea (1824-?) e de Maria Luísa Virgínia de Sequeira
e Oliveira. O avô paterno, Tomás José de Sousa Soares de Andrea (1777-1826)
era oficial do exército e esteve a Guerra Peninsular e lutado ao lado das
forças liberais durante a guerra civil, comandando os esquadrões do Regimento
de Cavalaria N.º 7 de Vila Viçosa, tendo morrido por ferimentos em combate em
1826 [ver livro de Álvaro Soares de Andrea, O Systema decimal mundial e o
Relogio decimal, Typografia e Papelaria Corrêa & Raposo, Lisboa, 1909].
Álvaro
Soares Andrea foi um distintíssimo oficial da marinha, servindo nas Colónias,
onde participou (1895) na Campanha de Gaza, em 1895 e no Combate de Macontene
(1897, Moçambique). Foi na campanha de Moçambique que se distinguiu,
principalmente na operação e prisão de Gungunhana, o último imperador de Gaza,
comandando a Capelo.
Tinha
elevadas condecorações: o Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor,
Lealdade e Mérito; era Cavaleiro e Oficial da Ordem Militar de Avis, Oficial da
Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa; tinha as Medalhas de Valor
Militar, de Comportamento Exemplar, e da Campanha do Tungue (1889), de
Moçambique (1894-1895), e do Niassa (1899).
Em
1905 é iniciado como maçon, na Loja Simpatia e União, com o nome simbólico de Tomás
Andrea [possivelmente em memória do seu avô]. Pertenceu à Carbonária, sendo na época
um republicano radical, integrando, após o 5 de Outubro, a denominada Federação
Republicana Radical. Em 1910, no levantamento do 5 de Outubro, teve Soares
Andrea uma importante intervenção, na tomada do Quartel de Marinheiros, de Alcântara.
Reformou-se
a 18 de Novembro de 1910. Participou, a 27 de Abril de 1913, no que
será a primeira revolta republicana, de civis e militares [Curiosamente a
revolta integrava vários elementos da maçonaria] contra o governo da Republica,
então dirigido pelo dr. Afonso Costa. Foi preso e enviado para os Açores com
residência fixa.
Morre
a 14 de Agosto de 1939, estando sepultado no cemitério dos Prazeres. Era casado
com Elisa Sofia Pinto Andrea.
J.M.M.
Sem comentários:
Enviar um comentário