sexta-feira, 7 de agosto de 2020

PERIÓDICOS ANTINAPOLEÓNICOS: O SEMANARIO LUSITANO CONTINUADO PELO MERCURIO LUSITANO


O Semanário Lusitano. Ano I, nº 1 (3 Maio de 1809) ao nº ??, de Agosto 1812; Redactor: Teodoro José Biancardi; Oficinas da Impressão Régia de Lisboa, Lisboa, 1809-1812.

O Mercúrio Lusitano. Ano I, nº 1 (1 Setembro 1812) ao nº 695 (22 Dezembro 1815; Redactor: Teodoro José Biancardi; Oficinas da Impressão Régia de Lisboa, Lisboa, 1812-1815.
Vendia-se na loja da Gazeta, na de Carvalho (defronte à boca da rua de S. Francisco), na loja de Nascimento (rua dos Algibebes).

Trata-se de uma folha informativa escrita pelo publicista Teodoro José Biancardi que tinha antes editado e colaborado no periódico Lagarde Portuguez de Luís Sequeira Oliva, como aqui nos referimos. Como outras folhas, dava notícias políticas, a que se seguia curiosos considerandos e reflexões. O Semanario Lusitano tem inicio a 3 de maio de 1809 e vai até 1812, onde muda de título para Mercurio Lusitano, terminando em 1815.  
A questão do periodismo depois das invasões francesas é bem curioso. Na verdade, a imprensa periódica portuguesa até aí não tinha expressão, apenas existia a Gazeta de Lisboa. Deste modo o aparecimento de folhetos, opúsculos, impressos nacionalistas e do jornalismo antinapoleónico (os franceses tinham na sua alçada, a Gazeta de Lisboa e o Diário do Porto), como o Leal Português (Porto, 1808-1810), Minerva Lusitana (Coimbra, 1808-1811), a Gazeta de Almada (1808), o Correio do Outro Mundo (1808), o Lagarde Portuguez ou a Gazeta depois de jantar, o Semanário Lusitano (1809-1812), o Diário Lisbonense (1809-1813; de Estêvão Brocard), e muitos outros, que rapidamente surgiram (com autorização tácita da Regência), tornaram as posições e interesses patrióticos sobejamente defendidas. Entre 1808-1809 existiram muitos periódicos no país (aponta-se para a existência de 24), quase todos circulando entre Portugal e Espanha ou então citados e traduzidos, pelas notícias militares dos êxitos obtidos por ambos os exércitos contra a França de Bonaparte (cf. Péricles Pedrosa Lima, A corte no Brasil e os periódicos portugueses:1808-1821).
O tom satírico, panfletário, a par de conteúdos políticos mais sérios, a circulação e o debate de ideias, fizeram destas folhas ou periódicos, na sua maior parte antinapoleónicos, num país pouco habituado a tais expressões de (relativa) liberdade de imprensa terem uma extraordinária importância, quer informativa quer literária. A censura volta em força a partir de 1810, curiosamente no período da Setembrizada e da perseguição à Maçonaria, o que explica, em parte, o enorme sucesso obtido pelos jornais da emigração entre nós. Porém, a aprendizagem adquirida por esses papéis “libertinos e sediciosos” (Agostinho de Macedo) fez com que o país jamais pudesse ser a mesmo: foi dado ao grande público a possibilidade de aceder a notícias e informações relevantes da sociedade e do mundo, e portanto à divulgação de novas e civilizadas ideias, procurou-se o debate político e a procura de uma maior ilustração, pelo tudo isso deixou marcas profundas. Isto é, as transformações operadas nas mentalidades, principalmente nas classes emergentes com interesses desenvolvimentistas liberais ou constitucionais, fizeram o seu próprio e silencioso percurso. Os jornais da emigração souberam muito bem ler e compreender essa avidez de liberdade.


Theodoro José Biancardi (1777-1854) nasce em Lisboa (é batizado na Igreja das Mercês) e, ou que se sabe [vide Diccionario de Inocêncio F. da Silva; idem Diccionario de Esteves Pereira], exerceu cargos governamentais, trabalhando como Oficial da Secretaria do Estado e foi um escritor político interventivo.  
Publica, em 1808, o folheto Successos do Alemtejo, onde faz o resumo das ocorrências verificadas no decurso da restauração do reino e expulsão do exército francês. Esta obra, que narra a crueldade do comandante das forças francesas Loison na revolta em Évora, provoca uma resposta do tenente general espanhol, D. João Carrafa (a quem Biancardi pedia responsabilidades), a que sucede a competente réplica de Biancardi (de permeio, outros mais intervieram, caso de Federico Moretti e Cascone), Resposta ao manifesto que fez imprimir em Cadiz o Tenente General D. João Carrafa contra a obra intitulada Successos do Alemtejo (Impressão Régia, 1811).

Em 1809 é autor do romance epistolar Cartas Americanas (Impressão Régia; teve várias edições, a última em 1820, pela Impressão de Alcobia) onde se “descreve os usos e costumes de Lisboa, assim como huma narração desde a sahida de S. A. R. para o Brasil". A novela toma como modelo as Cartas Persas de Montesquieu (cf. Simone Cristina Mendonça de Souza, Cartas Americanas, 2008; Pinheiro Chagas, no seu Dicionário, sobre este assunto entre as Cartas de Biancardi e de Montesquieu, diz que elas se parecem tanto “com um ovo como com um espeto e já não dizemos no talento com que são escritas”), onde o “o luxo, escravidão, modas, educação das mulheres, Teatros, jogo, demandas, influência das Artes e Ciências nos costumes dos povos, e por ultimo o Governo e Administração dos Franceses em Portugal” estão bem presentes. Teve algum sucesso esta novela porque quase de imediato ao Rio de Janeiro. Ainda neste ano surge como colaborador do Telegrafo Portuguez, de Luís de Sequeira Oliva, porém poucos artigos apresentou.
Saindo de colaborador do Telegrafo Portuguez, Biancardi lança a sua própria folha política, Semanário Lusitano [nº 1 (3 Maio 1809) ao nº ??? (1812), Impr. Régia]. Em 1812, é substituído este periódico pelo Mercúrio Lusitano [nº 1 (1 Setembro 1812) ao nº 695 (22 Dezembro 1815), Impr. Régia]. Curiosamente, a 20 de Outubro de 1812, Sequeira Oliva, ao nº 84 do seu Telegrafo Portuguez publica um artigo a propósito do uso excessivo de palavras francesas (“Guerra às palavras afrancezadas”) que Biancardi considera direccionado para a sua pessoa, dando início a uma polémica entre os dois. Segundo o saudoso professor José Tengarrinha (Nova História da Imprensa Portuguesa, p. 228), o periódico chegou “a noticiar as Cortes Constituintes de Cádis, o que certamente não terá sido do agrado das autoridades portuguesas”.  

Em 1810 traduz (surge anonimo, mas é-lhe atribuído a tradução) do espanhol o folheto A voz da America proclamação que circulava por toda a America hespanhola e que manifesta geralmente o voto de que seja eleito para Regente e futura Senhora de Hespanha a senhora D. Carlota Joaquina de Bourbon (Impr. Régia, 1810).
Por volta de 1816, viajou para a cidade do Rio de Janeiro e, após a independência, torna-se brasileiro, de acordo com o artig.º 6 da Constituição de 1824. Exerceu o cargo de Oficial Maior da Secretaria do Estado dos Negócios do Império e em Dezembro de 1822 é encarregue de preparar o local (Cadeia Velha, do Rio de Janeiro) destinado aos trabalhos da Assembleia Geral e Constituinte do Brasil, por José Bonifácio de Andrada e Silva, ao mesmo tempo que está incumbido da organização da futura Secretaria da Assembleia.

Em 1826, pelo Decreto de 25 de Janeiro, é nomeado por D. Pedro I como ministro plenipotenciário para o Congresso Anfictiónico (plano de Bolivar para todas as ex-colónias pensarem uma unidade continental; há quem leia ali o pronúncio da futura Sociedade das Nações), no Panamá, porém o Brasil não marcou presença, aliás como outros países como a Argentina, a Bolívia, o Chile e os EUA. Sobre a ausência no Congresso, as especulações são muitas e, entre elas, sobressai a imperiosa necessidade do Brasil ter o reconhecimento das potências europeias; acresce o facto dos países presentes nessa reunião serem repúblicas (só uma monarquia esteve representada, o Reino Unido), o que poderia ser indesejável e portanto assunto a não desprezar; por outro lado, a notícia do não comparecimento da Argentina ao Panamá e as hostilidades militares entre os dois países pelo actual território o Uruguai estarem já presentes, poderia levar a seguir o mesmo procedimento; por fim, julga-se que a Espanha não veria com bons olhos um Congresso onde marcavam presença novas nacionalidades de expressão hispana. Portanto, muito embora a viagem até ao Panamá fosse longa (à volta de um mês) e difícil, o motivo de súbita doença de um Teodoro Biancardi já posto a caminho (estaria perto de Salvador da Bahia), como alguns tentam argumentar, se bem que possível pode não ser aceitável de todo.

 
Em 1831, pede Biancardi a sua demissão por incompatibilidade com o ministro da tutela e, logo após, toma o lugar de Oficial Maior da Secretaria da Augusta Câmara ou Câmara dos Deputados, até à sua aposentação.
Em 1835 pede licença, por “9 ou 10 meses” para ir a Portugal, às Caldas da Rainha, “procurar remédio para as suas enfermidades” (in Annaes do Parlamento Brasileiro). Permaneceu no Brasil e em 1849 volta a Lisboa, onde desembarcou a 4 de Julho desse ano. Pouco tempo cá esteve, partindo novamente para o Brasil onde morre a 15 de Agosto de 1853, em Niterói (cf. Diccionario, Sacramento Blake, vol.7). Foi casado com D. Maria da Graça Barbosa Biancardi. Era Cavaleiro da Ordem e Cristo (1825) e da Rosa. (1829).

Escritor prolixo deu ao prelo, ainda, outros opúsculos: Reflexões sobre alguns successos do Brasil (Rio de Janeiro, 1822); Eduardo e Lucinda ou a portugueza infiel (Rio de Janeiro, 1829); Inocêncio F. da Silva diz que tinha “ouvido dizer” que Biancardi “redigira e publicara no Rio as sessões da Assembleia constituinte, as quaes saíram impressas em dois grossos volumes, com a singularidade de serem ali cortados todos os discursos pronunciados pelos irmãos Andradas no dia em que se realizou a dissolução da mesma Assembleia” (Diccionário, vol. 7, p. 309).
J.M.M.

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