segunda-feira, 9 de abril de 2007

[AINDA] PINTO QUARTIN E A GREVE DE 1907 (III)


Ainda ... Pinto Quartin e a greve Académica de Coimbra em 1907 (III)

Na parte final deste artigo, Pinto Quartin ocupou-se, em especial, de dois aspectos ligados à crise académica: a discussão do assunto nas Cortes e o alastramento do movimento. Como já fizemos referência aqui, a discussão deste assunto na Câmara dos Deputados foi um processo complexo porque "o Presidente do Ministério [João Franco] esquivava-se sempre a responder às interpelações dos deputados e pares da minoria". Face a esta situação afirma Pinto Quartin:

A vida parlamentar estava paralisada porque a oposição não consentia que os trabalhos prosseguissem sem a discussão de um assunto de tão grave importância e de tão grande oportunidade, que afectava o futuro de milhares de rapazes e os interesses de tantas famílias. Encerradas várias sessões pelo obstrucionismo da oposição, João Franco leva à assinatura régia o decreto de 10 de Abril, que encerrava as Cortes. O Governo não transige e a greve mantém-se firma, e tão ordeira que até jornal católico portuense «A Palavra» dizia não poder deixar de louvar o aprumo, a isenção com que procedia a mocidadade das escolas [...][ as únicas situações com alguma violência ocorreram com os]lamentáveis acontecimentos da Escola Politécnica de Lisboa e do Liceu de Coimbra, onde ficaram feridos alguns estudantes como Lacerda Forjaz, Fernando de Oliveira e Mariano de Melo Vieira.
A resistência afrouxa e tudo termian em bem ...
Em vista da persistência dos rapazes e do alastramento do movimento, João Franco fez encerrar em 15 de Abril todos os estabelecimentos de ensino onde os estudantes se haviam declarado em greve, incluindo a Universidade, cujos estudantes militares recolheram aos seus regimentos e os restantes novamente se retiraram para as suas terras.
O reitor Dr. António dos Santos Viegas pede a sua exoneração e é substituído plo Dr. D. José de Alarcão. Surge então da parte dos pais dos estudantes, e dizia-se que inspirada pelo novo reitor, uma ofensiva a favor de um indulto para os estudantes expulsos. E, em 22 de Maio, as escolas são reabertas, sendo convidados os alunos que não tivessem perdido o ano por faltas até o dia 8 desse mês a encerrar matrículas e a fazerem acto, à excepção dos sete estudantes riscados da Universidade. Poucos foram os estudantes que nos primeiros dias acorreram a matricular-se, mas os jornais aumentavam o número dos «amarelos», citando nomes de alguns que logo se apressaram a desmentir. Mário de Azevedo Gomes, que era então quintanista de Agronomia, mandava para os jornais a seguinte declaração:
«Sr. Redactor: Publicam alguns jornais de hoje a notícia de que os quintanistas de Agronomia declararam não ter aderido à greve e solicitavam a continuação do tirocínio. Ora eu sou quintanista de agronomia e declarei que aderia à greve e não solicitei a continuação do tirocínio. E como tenho uma só forma de proceder, sou hoje, como ontem, grevista intransigente».
Declaração semelhante fez também o seu colega do mesmo ano e do mesmo curso Fernando César Correia Mendes.
Em vão, porém, os manifestos - edentre eles foi notável o da Comissão Central de Lisboa, assinado pelos estudantes Júdice Formosinho, Lúcio dos Santos, Mário Vasconcelos e Sá, Luís Filipe Nunes, Sequeira Coutinho e Francisco Pulido Valente - exortam a Academia a manter-se firme e a não ir a exames sem que os estudantes expulsos sejam readmitidos. A Academia estava cansada - o conflito arrastava-se havia já perto de três meses - e a pressãodos pais, atemorizados com a perspectiva da perda de ano de seus filhos, abatia os ânimos, afrouxava a resistência. Muitos dos estudantes começaram então a reivindicar a sua liberdade de proceder. Os alunos dos liceus são os primeiros a regressar às aulas. Imitam-nos os das escolas secundárias: os do Conservatório, das Belas Artes e do ensino industrial e comercial. [...]
«Furada» a greve em Coimbra, as escolas superiores de Lisboa e Porto, desobrigadas do seu compromisso, reentram na normalidade.
Quase em simultâneo, a 13 de Junho, era publicado o decreto que permitia a todos os estudantes, incluindo os sentenciados, concluirem os seus cursos sem perda de nenhum ano, atendendo-se assim à representação entregue ao Chefe de Estado e patrocinada pelo Reitor, em que os estudantes se haviam matriculado, «movidos por vivo sentimento de fraternidade escolar» pediam uma amnistia geral e o indulto para os sete dos seus camaradas afastados das lides escolares [...]
E assim teminou, se não vitoriosamente, pelo menos com nobreza, dignidade e elegância, este arrastado conflito em que a Academia se manteve, até à última, fiel aos seus tradicionais sentimentos de generosidade e, galantaria.


Esta longa transcrição de um artigo de Pinto Quartin, serviu essencialmente para dar a conhecer mais alguns dados que, o autor, por ter sido protagonista nos acontecimentos, relata com alguma paixão. Porém, pretende-se sobretudo contribuir para revelar mais uma fonte de trabalho a consultar, porque relata o envolvimento de outros protagonistas fora da cidade de Coimbra, avança razões para o protesto e procura construir um desenlace quase ideal, como nos referimos no último parágrafo do texto transcrito. Foi o nosso contributo, simples mas no sentido de valorizar o estudo deste acontecimento.

Nos próximos dias avançaremos com um último post sobre este assunto, para abordarmos outras temáticas importantes como a revolta que conduziu à III República em que vivemos actualmente.

[Na fotografia vê-se João Franco a visitar a Escola Politécnica de Lisboa em Junho de 1907. In Arquivo Fotográfico de Lisboa].

A.A.B.M.

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