terça-feira, 30 de julho de 2013

URBANO RODRIGUES (Parte II)

Ligado ao Partido Republicano acaba por ser eleito pelo círculo de Beja. Foi eleito deputado nas eleições de 1913 e de 1915, sempre pelo Partido Democrático. Enquanto deputado as suas intervenções começam por demonstrar preocupações sociais (Fevereiro de 1912, problema de falta de trabalho dos trabalhadores rurais, situação dos mineiros de Aljustrel, entre muitos outros temas).

Adoptando uma postura anticlerical, terá sido ele a afirmar publicamente que “todos os padres são reaccionários e patifes”, segundo publicou o jornal de António José de Almeida, o República, em 12 de Fevereiro de 1913. No fundo, manifestando coerência com alguns dos seus mestres como Teófilo Braga e mantendo a amizade com aqueles que tinham, em 1908, preparado a homenagem ao professor do Curso Superior de Letras: Afonso Lopes Vieira, Agostinho Fortes, Marques Braga, Magalhães Lima, Heliodoro Salgado, Frederico Parreira, Mayer Garção e Álvaro Afonso Barbosa.

Desempenha também funções próximas de Afonso Costa, como seu chefe de gabinete.  Em 1917, quando Afonso Costa desempenhou funções governativas durante o período da União Sagrada, acompanhou-o nas suas deslocações a Londres, onde participou nas negociações que ali tiveram lugar. Desempenhando algumas missões de destaque, como a missiva que trouxe de Paris em finais de Abril de 1919, de Afonso Costa para o Directório do Partido Republicano.

Enquanto director do jornal diário republicano O Mundo, apoia de forma clara a candidatura de Manuel Teixeira Gomes à presidência de República.

Em 1925, candidata-se pelo círculo de Lisboa Ocidental, nas listas da Esquerda Democrática, liderada por José Domingues dos Santos, mas não consegue ser eleito. Apesar de se ter ligado a este partido e de se ter comprometido a participar no congresso do mesmo em Abril de 1926, acabou por não estar presente devido a doença.

Com o 28 de Maio entrou numa fase de mais difícil e recolheu-se às suas propriedades no Alentejo. Ainda procurou juntamente com os directores de outros jornais portugueses da época enfrentar a censura prévia, realizando uma reunião em Agosto de 1926. Desta comissão Joaquim Manso foi incumbido de estabelecer contacto com o Presidente Óscar Carmona que o recebeu, mas acabou por não obter qualquer resultado prático das movimentações realizadas. Regressou em 1932 para colaborar no Diário de Notícias, onde colaborou de forma regular com artigos, entrevistas e reportagens a vários países da Europa, em particular durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Em 1936 recebe do Secretariado de Propaganda Nacional, das mãos de Carneiro Pacheco, o prémio Afonso de Bragança – Reportagem, com o trabalho Um Passeio a Marrocos.

Uma nota curiosa: Urbano Rodrigues, viveu em alguns momentos dificuldades financeiras, visto que, em data que não se conseguiu apurar, enviou uma carta a Bernardino Machado pedindo-lhe ajuda para ultrapassar uma situação premente, e, como sabia que era habitual ajudar, mesmo monetariamente alguns que a ele acudiam, pediu ajuda, e garantiu que devolveria de forma célere o dinheiro que lhe poderia vir a emprestar. Sabemos que o pedido foi feito, mas não sabemos se foi ou não atendido pelo que viria a ser Presidente da República.

Publicou:
- Caminho da Ventura, 1905 (teatro);
- Quinquagenário: 1858-1908 – Cinquenta Anos de Actividade Mental de Teophilo Braga julgados pela critica contemporânea de três gerações literárias, 1908 [ em conjunto com Afonso Lopes Vieira, Agostinho Fortes, Marques Braga, Magalhães Lima, Heliodoro Salgado, Frederico Parreira, Mayer Garção e Álvaro Afonso Barbosa];
- O Camarim, 1910 (Teatro);
- A Última Aventura, (teatro);
- A Posse, 1918 (teatro);
- Maria da Graça, 1918 (teatro, em parceria com Victor Mendes);
- A Duquesa de Baeta, 1918 (romance);
- Coroação, 1917 (novela);
- O Ídolo de Carne, 1929;
- Cinco Aventuras Sem Importância, 1934;
- Passeio a Marrocos, 1935 (reportagem);
- Jornadas Duma Corte Marroquina, 1936 (reportagem);
- Simão, o Zeloso. Futilidades Velhas ou Ideias Novas, um plano prático para salvar a civilização moderna, 1938 (em parceria com Ramada Curto);
- Viagem através de Uns Olhos Verdes, 1940;
- A França em Marrocos, 1942 (reportagem)
- Sonho em Pompeia, 1943;
- A Vida Romanesca de Teixeira Gomes, 1946;
- O Grande Pecado, 1946 (Drama);
- O Castigo de D. João, 1948; [prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa];
- Um Inventor de Mulheres, 1955;

Realizou ainda várias conferências, de que se destacam quatro:
- “Afonso Lopes Vieira”, proferida na Casa de Leiria, em Lisboa;
- “Olivença” e “Mundo Alentejano”, realizadas na Casa do Alentejo;
- “A Imprensa. O poder do Estado”, no Ateneu de Madrid.

Depois de um período de doença em que raramente saía de casa, veio a falecer em Lisboa, a 15 de Julho de 1971. O seu corpo esteve em câmara ardente na Casa da Imprensa e o funeral realizou-se para o cemitério de Benfica.

Bibliografia Consultada:

CHORÃO, Luís Bigotte, A Crise da República e a Ditadura Militar, Sextante Editora, Lisboa, 2009, p. 563;
COELHO, Jacinto do Prado (Dir.), Dicionário de Literatura Portuguesa, 2 vols, Editorial Figueirinhas, Porto, 1969-1971;
Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Coord. Eugénio Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (Org.), Publicações Europa América, Lisboa, 1994, p. 377-378;
QUEIRÓS, António José, A Esquerda Democrática e o final da Primeira República, Livros Horizonte, Lisboa, 2008.

A.A.B.M.

1 comentário:

Raúl F. disse...

Excelentes posts, de facto. Leiam-se e comparem-se com a pobreza do que se escreve hoje na p. 2 do P. a propósito do obituário do seu filho: «Escritor, jornalista, crítico literário, professor, militante do Partido Comunista Português, onde foi dirigente no sector intelectual, Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa, a 6 de Dezembro de 1923, filho mais velho de uma família de proprietários rurais de Moura.» É tudo e é pouco.

A casa da minha infância

A casa da minha infância foi um «monte» alentejano, próximo do rio Ardila, a cerca de quatro quilómetros da branca cidade de Moura.

A frontaria dava para um pátio empedrado, de onde ainda se vêem, num alto, a eira, e mais perto, outras construções: a habitação do feitor, a cavalariça, a vacaria, o galinheiro, o curral dos porcos, o alpendre onde guardavam o trem, o churrião e vários carros de lavoura e alfaias agrícolas, a charrua, a debulhadora, o trilho...

A toda a volta da casa mansas oliveiras, quase cinzentas por tempo fosco, mas de prata quando o sol se mostra. E, quase encostada à casa, as olaias, muito visitadas pelos pardais sobretudo à noitinha, e a suave glicínia, trepando por uma parede caiada, junto a janelas de grega do quarto dos meus pais.

Foi nesse cenário rústico, que de Inverno acordava muitas vezes branco de geada e onde a Primavera vinha cedo, de ouro e azul, sobre a verde germinação das searas, que decorreram os anos mágicos da minha infância, escutando os cantos e os dizeres dos camponeses, brincando com os pastorinhos das ovelhas e das vacas, galopando pelos montados do outro lado do rio, escalando cabeços cobertos de estevas e mistério, descobrindo os caminhos que levam ao Guadiana, a imensa herdade da Rola, aos longes de Espanha.

Entre a catequização da minha professora, a D. Guilherminha, piedosa senhora docemente ridícula no seu outono de vida cheio de folhos, fitas e sonhos gorados, e a rebeldia franca dos trabalhadores ranchos, que pelo nosso «monte» passavam, vindos da Amieira e de Portel, comecei a tactear a vida, a dar pela injustiças sociais mesmo ao meu lado, a crescer entre cheiros e sons, visões, bem diferentes, mas misturados, do paraíso e do inferno.

Sentimentos em guerra nasciam dentro de mim e aos meus momentos contemplativos do fim do dia, após as horas de estudo ou os passeios pela beira do Ardila, a pé ou a cavalo, sucediam-se interrogações sem resposta. Deixara de acreditar nos mitos cristãos e procurava outras crenças, outros valores. Era o fim da minha infância, na altura em que meu pai ia ter de hipotecar a herdade (salvando-se anos depois do descalabro) e nós já víamos pela frente a partida para Lisboa, o Liceu, o «exílio» entrecortado por breves férias no Alentejo.

Urbano Tavares Rodrigues