quarta-feira, 4 de junho de 2014

VIDA CONTEMPORÂNEA (1934-1936)


VIDA CONTEMPORÂNEA. Revista Mensal de Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Literários. Ano I, nº 1 (Maio de 1934) ao Ano II, nº 24 (Abril de 1936); Propr. e Director: Cunha Leal; Editor e secretário da redacção: Victor Júdice da Costa; Admin: António Casanovas Augustine; Redacção: Rua Cidade da Horta, nº 19, 1º, Lisboa; Redactor Principal: Vasco da Gama Fernandes; Chefe da Redacção: Álvaro Machado; Impressão: Tipografia “A Renascença”, Lisboa (Imprensa Lucas & C.ª, Lisboa); 1934-36, 24 numrs

Colaboração: Abel Salazar, André Brun, Almada Negreiros, Almerindo Lessa, Álvaro Marinha de Campos, Armando Cortesão, Aquilino Ribeiro, Campos Lima, Carlos Amaro, César Ferreira, Cunha Leal, Fidelino de Figueiredo, Germano Rocha, Henrique Vilhena, Hipólito Raposo, José Lopes, Lobo Vilela, Manuel Maria Coelho, Moura Vitória, Nuno Rodrigues dos Santos, Pimenta da Castro, Salvado de Carvalho, Sebastião Ribeiro, Severo Portela, Vasco da Gama Fernandes
A revista Vida Contemporânea surgiu em Maio de 1934, ano marcado por eventos dramáticos em Portugal: a Revolta de Marinha Grande em 18 de Janeiro, a entrada em vigor da Constituição de 1933 e a realização das primeiras eleições, em 16 Dezembro, para a Assembleia Nacional. Perante estes momentos iniciais a consolidação do Estado Novo, a oposição ao regime, dividida e cada vez mais enfraquecida pela repressão, parecia mostrar-se incapaz de inverter a marcha dos acontecimentos propícia ao salazarismo nascente (…)

(…) O proprietário e director era o engenheiro Francisco Pinto Cunha Leal (1888-1970), chefe de ministério na Primeira República, antigo reitor da Universidade de Coimbra e opositor ao Estado Novo. O periódico nasceu na sequência do regresso de Cunha Leal de um dos seus exílios, resultantes justamente das actividades contra o regime político, institucionalizado com a Constituição de 1933. Esteve exilado desde 1930 na Galiza (Corunha), onde estabeleceu uma forte amizade com o líder nacionalista galego e futuro chefe do governo espanhol, Casares Quiroga. Aproveitaria a amnistia de finais de 1932 para regressar a Portugal e lançar a Vida Contemporânea, no conturbado ano de 1934 (…)

(…) O projecto educacional da revista torna-se um elemento de mobilização das elites da oposição, devido ao seu impacto cultural na sociedade portuguesa da época. Em 31 de Janeiro de 1935 realiza-se um almoço de confraternização, no Hotel Avis, com o objectivo explícito de organizar uma estrutura cultural destinada a propagandear as ideias de instrução pública. A expulsão, em Maio de 1935, de Francisco Pinto da Cunha Leal para Espanha, pelo governo do Estado Novo, esteve ligada à sua participação na falhada intentona, desse mesmo mês, em ligação com republicanos e nacionais sindicalistas (…)"

[LER MAIS AQUI - Júlio Rodrigues da Silva, “Cunha Leal e a Vida Contemporânea (1934-1936)” - sublinhados nossos]

 


A alma portuguesa caracteriza-se por uma doentia sensibilidade, que se manifesta por formas aparentemente contraditórias: por um lado, a exaltação hiperbólica das glórias do passado; por outro lado, a apreciação pessimista das misérias do presente. Somos como os velhos fidalgos excessivamente maltratados pelo destino, que se comprazem em exagerar a grandeza da sua queda, fazendo para isso subir a nível do ponto donde vieram e baixar o nível do ponto aonde chegaram. Somos ainda como o mendigo que, ao receber do transeunte parcamente caritativo a magra esmola, tem uma chama estranha a iluminar-lhe as pupilas e lhe diz com voz rouca e misteriosa: Ah! Se o senhor pudesse adivinhar o homem que eu já fui!
Há uma explicação plausível para êste modo de ser espiritual. A nossa história tem, como as histórias dos outros povos — nem mais, nem menos do que elas — altos e baixos, acções nobres e acções reles, façanhas heróicas e manifestações de poltronaria. Quiseram, porém, os fados que a trajectória portuguesa tivesse influenciado sobremaneira a evolução da civilização mundial e que, em grande parte, os nossos empreendimentos colectivos não estivessem em proporção com a nossa capacidade material, com as nossas possibilidades práticas de execução. Desta maneira, a história de Portugal surge como um fogacho, que se erguesse muito alto para logo quási se extinguir. Isto criou em nós a propensão para os sonhos épicos e para os contrastes bruscos da suma grandeza e da suma miséria.

Assim, pois, falta-nos equilíbrio espiritual e bom senso — qualidades aliás muito mais raras do que se supõe. Um exame de consciência, mesmo superficial, deve convencer-nos disso. Um grande esfôrço intelectual pode fazer-nos adquirir o sentimento das proporções, a noção das realidades universais, condição indispensável para que sejamos mais comedidos em quebrar a paz e sossêgo de que gozam nos sarcófagos das catedrais os 'barões assinalados' dos tempos idas e para que possam tornar-se menos desageitados e mais eficientes os homúnculos fabricados em série pela fraqueza genética da era contemporânea. Oxalá as gerações presentes e futuras ousem lançar ombros à obra de resgate espiritual e de renovação material, requerida imperativamente pelas circunstâncias! (…)"
[Cunha Leal, inNo Começo da Nossa Viagem", Vida Contemporânea, n.º 2, Junho de 1934 - sublinhados nossos]

FOTOS via FRENESI

J.M.M.

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