DISCURSO PROFERIDO NA HOMENAGEM A MANUEL FERNANDES TOMÁS
NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2015, NA FIGUEIRA DA FOZ, pela Associação Cívica e
Cultural 24 de Agosto
“Celebra-se hoje mais uma data comemorativa da luminosa jornada
que raiou no dia 24 de Agosto de 1820 na cidade do Porto, esse grito memorável
da regeneração e engrandecimento da Pátria, levado a cabo por homens generosos
e de boa vontade, que o destino abraçou.
Em preito e homenagem a esses varões
ilustres, cumpre-me - em nome da Associação Cívica e Cultural 24 de Agosto – a
honra de os evocar neste lugar e laurear a saudosa memória de um dos seus
primeiros heróis, o insigne figueirense, o venerando Manuel Fernandes Tomás.
Agradeço, por uma vez mais, à Câmara
Municipal da Figueira da Foz - na pessoa do senhor Presidente – este tributo de
respeito e gratidão ao Patriarca da Liberdade, e que cada ano a edilidade promove,
seguramente contra a inclemência destes nossos tempos; cumprimento, na pessoa do
seu Presidente, a Associação Manuel Fernandes Tomás que tem sabido levantar bem
alto a figura benemérita de Fernandes Tomás, a alma e rosto da primeira
revolução liberal, a grande obra de 1820; e saúdo todos quantos quiseram estar
aqui presentes. A todos e a cada um, o nosso agradecimento fraterno.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Os grandes Homens, pelo
reconhecimento que todos lhes devem dos seus largos ideais e das suas boas
obras, também e por vezes, perpetuam a sua memória em monumentos escultórios públicos,
mantendo assim vivo a sua identidade individual e cultural, para ilustração e
edificação aos vindouros.
Essa secularização da morte
remete-nos para uma iconografia onde a estatuária e a própria arquitectura fixam
determinada memória histórica e biográfica. Esta cultura simbólica torna-se assim
um sinal de presença e de rememoração ou nós não soubéssemos que “uma imagem
vale mais que mil palavras”.
O Monumento a Manuel Fernandes
Tomás – que aqui vemos neste espaço da polis figueirense –, este lugar luminoso
da nossa memória, pela sua estatuária e construção tumular (caso único entre
nós, pois se encontra em pleno passeio público) não só é o símbolo imortalizante
da virtude, da audácia e da raça do tribuno e jurisconsulto Manuel Fernandes
Tomás – e uma digna glorificação do Patriarca da Liberdade - mas também faz alusão
para uma necessária reflexão sobre a nossa memória colectiva ou da história
pátria.
Morre Fernandes Tomás no dia 19
de Novembro de 1822, já com a Constituição jurada, não assistindo porém ao
“colapso” do movimento que tinha fundado. Mas legou-nos um exemplo grandioso de
serviço à causa pública e à Liberdade, pela sua obra jurídico-constitucional, na
defesa da liberdade civil e da soberania da nação, pela defesa do império da
lei.
Logo na Sessão das Cortes, a 2 de
Dezembro desse ano, Borges Carneiro propõe que a Nação tome a seu cuidado, como
testemunho de gratidão pública, as exéquias funerárias do “primeiro dos
regeneradores”, o que foi aprovado.
Na Sessão de 6 de Dezembro foi
decretado, como sendo um dever de honrar a sua memória, incumbir o Governo de
erigir um monumento sepulcral “simples e modesto”, com inscrição “a Manuel
Fernandes Tomás as Cortes Ordinárias de 1822”, bem como patrocinar “meios de
subsistência à sua família”.
Porém, com a “Vilafrancada”, no
mês de Junho de 1923, com o absolutismo de novo triunfante, tudo se torna inviável
- pela animosidade e agressividade que tinham ao seu elevado pensamento, constantes
dos soezes ataques proferidos ao seu carácter e integridade cívica. A corrente
anti-liberal não perdoava ao cidadão Manuel Fernandes Tomás o seu sentimento de
patriotismo, a sua actividade parlamentar de constituinte, a sua figura de rectidão
e virtude cívica. Jamais lhe perdoou.
A 24 de Agosto de 1884 os
republicanos de Lisboa patrocinam um grandioso cortejo cívico em honra de
Fernandes Tomás, junto ao seu túmulo no cemitério dos Prazeres. A comissão da
homenagem patriótica, acompanhada por delegados da província e
correligionários, saiu do Clube Henriques Nogueira (rua Nova de Almada), com
diversas oferendas, enquanto partia da sede da Associação Escolar Fernandes
Tomás (rua do Poço dos Negros), diversas agremiações escolares e populares.
Usaram da palavra no cemitério dos Prazeres, Sebastião Magalhães Lima, Elias
Garcia, Manuel da Arriaga, Alves da Veiga, entre outros. O cortejo, que tinha
sido proibido pelas autoridades, representou uma forte manifestação da força do
povo republicano, mas terminou com incidentes lamentáveis, manifestações anticlericais
violentas e prisões arbitrárias, que o conflito com a guarda desmandada causou.
O republicanismo então emergente
– não por acaso o embrião do que seria o futuro Partido Republicano nasce nesse
ano a 17 de Maio – tomava assim como sua herança os princípios de cidadania da
gloriosa revolução de 1820 - esse grito de liberdade - abraçando o direito à sua
memória futura e entre ela a exaltação da alma heróica e generosa de Manuel Fernandes
Tomás.
Alguns anos mais tarde (Abril de 1906), a ideia de perpetuar em monumento a memória de Fernandes Tomás, “o mais ilustre espírito dos filhos da Figueira”, é abraçada fervorosamente por quatro operários figueirenses, de seus nomes: José Augusto Fernandes Talhadas, Frutuoso Abel Santos, João Maria Cardoso Pereira e João da Silva Cascão e que se constituíram em Comissão Promotora do Monumento. A angariação dos fundos necessários, através de uma lista de subscrição pública, foi bem correspondida, inclusive por contribuição dada pelo rei D. Carlos e pelo então governo.
A primeira pedra foi colocada no
monumento a 22 de Setembro de 1907, na então denominada Praça Nova. A
cerimónia, que revestiu grande solenidade - perante duas mil pessoas - contou com
discursos dos reputados republicanos António José de Almeida, João Pinto dos
Santos, Carlos Borges, António Fontes e Mário Monteiro. Foi uma manifestação imponente
ao egrégio cidadão e uma prova que o nome de Fernandes Tomás era já uma
“frondosa árvore da liberdade”.
A inauguração do monumento a
Manuel Fernandes Tomás só teve lugar no inolvidável e glorioso dia de 24 de
Agosto de 1911. O monumento em pedra e bronze foi de autoria do escultor
Fernandes de Sá. A estátua em bronze de Fernandes Tomás (de pé) assenta sobre
um pedestal com uma palma em baixo-relevo esculpida na parte frontal, encimada
por um friso de louros e algumas inscrições (em bronze), onde sobressai um
excerto da oração fúnebre de Fernandes Tomás, de autoria de Almeida Garrett. A
fundição da estátua, bem como os ornamentos para o pedestal, esteve a cargo de
M. J. Pereira Caldas e contou com os préstimos do tenente-coronel José Maria
Luiz de Almeida, que por ela se interessou.
A Comissão Promotora do Monumento
a Manuel Fernandes Tomás trabalhou sempre generosa e esforçadamente na arrojada
iniciativa, tendo organizado um programa dos festejos imponente, com apoio e
acolhimento governamental, da edilidade, organizações comerciais e agremiações
profissionais, sociais e culturais locais.
O imponente cortejo cívico revestiu
muito brilho e solenidade. Partindo do Salão Nobre dos Paços do Concelho,
seguia à frente a Filarmónica Figueirense, o neto do homenageado, Manuel
Fernandes Tomás e seus filhos, elementos do Regimento 28 de Artilharia,
elementos civis e depois inúmeras associações, com os respectivos estandartes: as
associações Artísticas, o Ginásio Clube, Bombeiros, Associação dos Pedreiros,
Caixeiros, Carpinteiros, o Monte Pio, sócios do Centro José Falcão, fechando o
cortejo a Filarmónica 10 de Agosto.
Frente à Estatua, formava, “com
todo o garbo”, o Batalhão dos Voluntários com a banda dos 23, chefiado pelo
capitão Girão; a Praça estava engalanada com as janelas das suas casas com
colchas.
Marcaram presença na memorável
cerimónia várias colectividades, como a Associação Comercial, a Cooperativa
Fernandes Tomás, a Associação de Instrução Popular, o Centro Cândido dos Reis,
o Grupo da Juventude Republicana Bernardino Machado, o Grémio Fernandes Tomás e
o Grémio Evolução.
Usaram da palavra na patriótica
homenagem, Francisco Martins Cardoso, Manuel Fernandes Tomás (neto do ilustre
homenageado), Lino Pinto, Carlos Borges e Gustavo Bergstrom. À noite
continuaram os festejos populares, tendo havido lugar a vários concertos e saraus
associativos. O filho mais querido, ilustre e venerado da Figueira da Foz ergueu
bem alto o seu nome, foi consagrado pelo povo e jamais poderá ser esquecido.
A 24 de Agosto de 1988, por
iniciativa da Associação Manuel Fernandes Tomás (fundada a 12 de Janeiro de
1988) e da Câmara Municipal da Figueira, os restos mortais do insigne
figueirense regressam á sua terra natal. Perante enorme multidão, a cerimónia
de trasladação decorreu magnifica. A inauguração do mausoléu (que foi obra do
arquitecto Nuno Oliveira) teve na presidência a figura do Presidente da
República Mário Soares (tornado de imediato sócio Honorário da Associação
Manuel Fernandes Tomás), tendo usado da palavra o dr. Henrique Tomás Veiga
(presidente da A.M.F.T.), o Presidente da CMFF, Aguiar de Carvalho e o dr.
Mário Soares. Terminou, à noite, a Homenagem a Fernandes Tomás com um Cortejo
Histórico e um espectáculo de luz e som, evocando a sua vida e obra.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A cinco anos da comemoração do bicentenário
da revolução de 1820 e a sete do passamento do nosso insigne patrício Manuel
Fernandes Tomás - a que devemos todos associarmos - cabe-nos honrar o seu
exemplo de cidadania, as virtudes morais e cívicas que o adornam, prestando nessas
datas todo o nosso desvelado amor para com o “zeloso defensor dos direitos e
liberdades da pátria”. Assim o saibamos merecer!
Termino com as sábias palavras de
Almeida Garrett: “voltai os olhos sobre os poucos Portugueses; fitai-os nestes
ainda mais poucos, que o amor da pátria e das letras reuniu neste lugar”
Deixo à vossa ilustrada meditação
as memoráveis palavras de Garrett e digamos todos bem alto:
Honra a Manuel Fernandes Tomás!
Viva a Liberdade!
[Associação Cívica e Cultural 24
de Agosto, 24 de Agosto de 2015]
FOTO de Mauro Correia, com a devida vénia | sublinhados nossos
FOTO de Mauro Correia, com a devida vénia | sublinhados nossos
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