sábado, 3 de outubro de 2015

RELAÇÕES ENTRE SUPREMOS CONSELHOS DO RITO ESCOCÊS E OBEDIÊNCIAS MAÇÓNICAS EM PORTUGAL (1840-1993)



LIVRO: Relações entre Supremos Conselhos do Rito Escocês e Obediências Maçónicas em Portugal (1840-1993);

AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Supremo Conselho do R.E.A.A. para Portugal e sua Jurisdição, 2015, 269 pp [trata-se da obra nº1 da série, agora iniciada, “Cadernos do Supremo Conselho”]

“ […] Há urna ideia difundida na historiografia portuguesa sobre o tema da maçonaria, seja a feita por curiosos, seja a feita por académicos, de remeter as dissensões nas organizações para questões pessoais ou políticas. É impossível negar o mérito dessa interpretação, sublinhada, aparentemente, pelo profundo envolvimento político que esta teve durante algumas décadas da sua história, designadamente no período da implantação do liberalismo até à sua consolidação na década de 50 do século XIX, ou no da República, grosso modo entre 1900 e o início da ditadura militar de 1926. Porém, essa interpretação, ao valorizar o carácter de intervenção política que a maçonaria teve nesses períodos, ignora ou, pelo menos, subvaloriza a sua componente institucional enquanto organização dotada de características próprias de funcionamento e dogmática constitutiva, remetendo usualmente estas para a categoria de pretextos invocados para disfarçar a outra interpretação.

Será isso inteiramente verdade? Não creio. Muita historiografia aponta para uma aproximação - não arrisco similitude - entre determinado posicionamento social e político e determinado entendimento da maçonaria como organização, quer do ponto de vista do seu funcionamento institucional, ritual e simbólico, quer do ponto de vista da sua inserção na sociedade. Tendeu-se a arrumar as dissensões entre «conservadores» e «progressistas», sobretudo entre a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX. Sem querer debater o valor intrínseco desses qualificativos quando aplicados à esfera política, julgo essencial reflectir sobre a sua operacionalidade enquanto critérios de análise das perspectivas do que era e do que se achava que devia ser a maçonaria nessas décadas […]

A visão hegemónica da história da maçonaria em Portugal constrói o seu modelo interpretativo à luz do período republicano e da forma como este olhou para o seu passado. As longas décadas de ditadura transformaram esse período em paradigma e bitola aferidora do que deve ser a maçonaria. Não há nisso nada de extraordinário. Porventura não se apelidou, durante tanto tempo, a l." República de «democrática», quando ela praticou o sistema eleitoral mais restritivo de que há memória no constitucionalismo português? É tempo de poder olhar para o passado e dizer, com igual rigor e idêntica isenção, sem complexos, sem querer qualificar uns de «progressistas» e outros de «conservadores»: que feito notável! Ou, que erro grosseiro! De ambos foi feita a história da maçonaria.

São os historiadores que «definem» o que foi o passado. Por isso, não há apenas «um passado», mas vários, tantos quantos a diversidade interpretativa dos historiadores que, de forma sequencial, vão fazendo novas «sínteses», forma académica e polida de dizer que enterram as interpretações anteriores e legitimam a sua, baseando-a na descoberta de documentação inédita ou de novos modelos teóricos interpretativos. Nada de mal nisso tudo. O intróito só serve para lembrar que a história da maçonaria não deve fugir a essa regra. Frequentemente, porém, recorre-se apenas à abundante literatura maçónica do século XIX e início do XX, que, de forma mais ou menos mitificada, justapôs aos factos que narrava as opções entre as querelas pessoais ou dogmáticas que assolaram a maçonaria durante esse período e em que o narrador estava envolvido. Historiografia feita com metodologia e ferramentas de interpretação académicas multidisciplinares é uma coisa recente, que se afirmou lá fora com consistência e resultados credíveis a partir da década de 80, com honrosas excepções anteriores, naturalmente […]

Assim, este texto, sendo apenas uma nota sobre uma complexa relação entre duas organizações maçónicas, sofre da treva de investigação que ainda domina o contexto mais vasto do conhecimento da história da maçonaria da segunda metade do século XIX em diante, em que se insere.

O seu objecto é o estudo das relações entre os Supremos Conselhos do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito (doravante Supremo Conselho), como câmaras superiores de administração desse Rito, e as diversas organizações com quem se relacionaram desde 1840, designadamente o Grande Oriente Lusitano, a Confederação Maçónica, o Grande Oriente de Portugal, o Grande Oriente Português e o Grande Oriente Lusitano Unido (doravante Grande Oriente)." Embora mandasse o rigor conceptual que aos últimos se aplicasse a designação de «Obediências Maçónicas» e àqueles o de «Potências Maçónicas» - isto é, organizações que só recrutam para os Altos Graus entre membros de uma Obediência - a verdade é que no passado os dois conceitos foram aplicados com alguma liberalidade, confundindo o seu significado, ou ignorando-o mesmo […]”

inIntrodução”, pp 11-15 [sublinhados nossos]

J.M.M.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cá está uma obra de investigação que fazia falta. Parabéns.