LIVRO: Relações entre Supremos Conselhos do Rito Escocês e Obediências Maçónicas em Portugal (1840-1993);
AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Supremo Conselho do R.E.A.A. para Portugal e sua Jurisdição, 2015, 269 pp [trata-se da obra nº1 da série, agora iniciada, “Cadernos do Supremo Conselho”]
“ […] Há urna ideia difundida na historiografia portuguesa sobre
o tema da maçonaria, seja a feita por curiosos, seja a feita por académicos, de
remeter as dissensões nas organizações para questões pessoais ou políticas. É impossível
negar o mérito dessa interpretação, sublinhada, aparentemente, pelo profundo
envolvimento político que esta teve durante algumas décadas da sua história, designadamente
no período da implantação do liberalismo até à sua consolidação na década de 50
do século XIX, ou no da República, grosso modo entre 1900 e o início da
ditadura militar de 1926. Porém, essa interpretação, ao valorizar o carácter de
intervenção política que a maçonaria teve nesses períodos, ignora ou, pelo
menos, subvaloriza a sua componente institucional enquanto organização dotada
de características próprias de funcionamento e dogmática constitutiva, remetendo
usualmente estas para a categoria de pretextos invocados para disfarçar a outra
interpretação.
Será isso inteiramente verdade? Não creio. Muita historiografia
aponta para uma aproximação - não arrisco similitude - entre determinado posicionamento
social e político e determinado entendimento da maçonaria como organização,
quer do ponto de vista do seu funcionamento institucional, ritual e simbólico, quer
do ponto de vista da sua inserção na sociedade. Tendeu-se a arrumar as
dissensões entre «conservadores» e «progressistas», sobretudo entre a segunda
metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX. Sem querer debater o
valor intrínseco desses qualificativos quando aplicados à esfera política, julgo
essencial reflectir sobre a sua operacionalidade enquanto critérios de análise
das perspectivas do que era e do que se achava que devia ser a maçonaria nessas
décadas […]
A visão hegemónica da história da maçonaria em Portugal constrói
o seu modelo interpretativo à luz do período republicano e da forma como este
olhou para o seu passado. As longas décadas de ditadura transformaram esse
período em paradigma e bitola aferidora do que deve ser a maçonaria. Não há
nisso nada de extraordinário. Porventura não se apelidou, durante tanto tempo,
a l." República de «democrática», quando ela praticou o sistema eleitoral
mais restritivo de que há memória no constitucionalismo português? É tempo de
poder olhar para o passado e dizer, com igual rigor e idêntica isenção, sem
complexos, sem querer qualificar uns de «progressistas» e outros de
«conservadores»: que feito notável! Ou, que erro grosseiro! De ambos foi feita
a história da maçonaria.
São os historiadores que «definem» o que foi o passado. Por isso,
não há apenas «um passado», mas vários, tantos quantos a diversidade
interpretativa dos historiadores que, de forma sequencial, vão fazendo novas «sínteses»,
forma académica e polida de dizer que enterram as interpretações anteriores e
legitimam a sua, baseando-a na descoberta de documentação inédita ou de novos
modelos teóricos interpretativos. Nada de mal nisso tudo. O intróito só serve
para lembrar que a história da maçonaria não deve fugir a essa regra.
Frequentemente, porém, recorre-se apenas à abundante literatura maçónica do
século XIX e início do XX, que, de forma mais ou menos mitificada, justapôs aos
factos que narrava as opções entre as querelas pessoais ou dogmáticas que
assolaram a maçonaria durante esse período e em que o narrador estava
envolvido. Historiografia feita com metodologia e ferramentas de interpretação
académicas multidisciplinares é uma coisa recente, que se afirmou lá fora com
consistência e resultados credíveis a partir da década de 80, com honrosas excepções
anteriores, naturalmente […]
Assim, este texto, sendo apenas uma nota sobre uma complexa relação
entre duas organizações maçónicas, sofre da treva de investigação que ainda domina
o contexto mais vasto do conhecimento da história da maçonaria da segunda metade
do século XIX em diante, em que se insere.
O seu objecto é o estudo das relações entre os Supremos Conselhos
do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito (doravante Supremo Conselho), como
câmaras superiores de administração desse Rito, e as diversas organizações com
quem se relacionaram desde 1840, designadamente o Grande Oriente Lusitano, a
Confederação Maçónica, o Grande Oriente de Portugal, o Grande Oriente Português
e o Grande Oriente Lusitano Unido (doravante Grande Oriente)." Embora
mandasse o rigor conceptual que aos últimos se aplicasse a designação de
«Obediências Maçónicas» e àqueles o de «Potências Maçónicas» - isto é, organizações
que só recrutam para os Altos Graus entre membros de uma Obediência - a verdade
é que no passado os dois conceitos foram aplicados com alguma liberalidade, confundindo
o seu significado, ou ignorando-o mesmo […]”
in “Introdução”, pp 11-15 [sublinhados nossos]
J.M.M.
1 comentário:
Cá está uma obra de investigação que fazia falta. Parabéns.
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