Provavelmente, como muitos, posso
dizer que conhecia o Luís Guerreiro desde sempre, já que pouco mais de uma
década nos separava em idade. Cresci em Clareanes, a meio caminho entre Loulé e
Querença e os meus familiares conheciam o Luís. Além disso, a colaboração
regular que ele mantinha na “Voz de Loulé” era sempre lida com atenção lá em
casa, ou não houvesse uma assinatura do jornal local há muitos anos.
Na já longínqua década de oitenta,
do século XX, encontrava-o por Loulé. Lembro-me que a sede da “Voz de Loulé”,
em dada altura (penso que nos últimos anos da década de oitenta), esteve instalada
numa sala das Galerias D. Leonor e ele andava por lá juntamente com o Neto
Gomes, até porque já tinha regressado dos seus estudos de engenharia em Lisboa
e já trabalhava na Câmara Municipal de Loulé.
No início da década de noventa
fui eu que abandonei Loulé para ir estudar História, na Faculdade de Letras, em
Coimbra. Logo no meu segundo ano de curso, 1991/1992, aproveitei as férias de
Natal e de Páscoa para realizar uma pesquisa no Arquivo Municipal de Loulé,
sobre as “Migrações internas a partir do concelho de Loulé (1810-1820)” com
base nos livros de passaportes. Texto que alguns anos mais tarde foi publicado
na revista Al-Úlyá. No ano letivo seguinte
fiz uma abordagem ao final da Monarquia Constitucional e aos confrontos
políticos em Loulé nos anos conturbados da transição entre a Monarquia
Constitucional e a I República, artigo também publicado na mesma revista com o
título “Publicidade, Política e Cultura na Imprensa Louletana (1907-1912)”.
Este gosto pela história local, os
livros e publicações antigas sobre o Algarve foram os pontos de contacto que
acabaram por nos aproximar. A partir de meados da década de noventa passei a
contactar regularmente com o Luís. Depois começamos da contactar via telefone,
mais tarde via email e depois via facebook.
Durante as férias fazíamos sempre
os nossos encontros. Desculpem a inconfidência, mas excepto dois ou três amigos
mais chegados e a família, era dos poucos com quem mantinha um contacto regular
e gostava muito das nossas trocas de ideias e de conhecimentos. Um café aos
sábados no Calcinha, em Loulé, ou noutros espaços eram habituais durante os
meses de Verão e, muitas vezes, no período do Natal, e conversas que eram como
as cerejas, sobre os mais variados temas, incidindo quase sempre sobre as
figuras, os episódios e as fontes sobre a história de Loulé e do Algarve. As
edições que cada um de nós tinha e que encontrávamos nas nossas deambulações
pelas feiras de velharias e pelos alfarrabistas. Numa dessas conversas começou
a falar-se da necessidade de existir de forma acessível um local onde se
reunissem as publicações periódicas algarvias. Nós que adoramos os papéis
velhos, que para muitos são lixo, sentíamos que era importante reunir e estudar
essa informação/documentação. Os arquivos e museus do Algarve, tal como a
própria Universidade do Algarve, na maior parte dos casos, são recentes e a
informação da imprensa regional onde se encontra informação inestimável está
muitas vezes em Lisboa, Coimbra e Porto, longe dos investigadores que têm vindo
a aumentar. Pode parecer estranho, para alguns menos informados, mas alguma
colecções mais antigas de periódicos não existem no Algarve, ou se existem são
muito incompletas. Esta situação obriga os investigadores a partir para a
Biblioteca Nacional, em Lisboa, para a Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra ou para a Biblioteca Pública Municipal do Porto, para se poder
consultar os jornais e revistas que se publicaram pelo Algarve. Não fazia e não
faz sentido!!! Isto tornava e torna bastante onerosa qualquer investigação que
obrigue a estas deslocações.
Estes interesses comuns e o gosto
pelos mesmos temas levaram a que me convidasse a participar para uma
conferência no Arquivo Municipal de Loulé, em Abril de 2003, numa altura em tentava
ultimar o texto da dissertação de mestrado sobre “Os Republicanos e o
Republicanismo no Algarve (1870-1910)”, que infelizmente acabou por nunca ser
concluída. O texto dessa conferência acabou por nunca ser publicado, mas existe
em papel e já foi citado em vários trabalhos sobre a temática “A Organização do Partido Republicano no Algarve:
o caso de Loulé (1881-1910)”. Mais tarde, através do Luís, participei no I
Curso Livre de História Contemporânea do Algarve (2008), organizado pela
Fundação Manuel Viegas Guerreiro. Encontramo-nos também entretanto na última
edição do Congresso do Algarve em 2007 e, mais tarde, no Congresso Outras Vozesna República, realizado na Figueira da Foz em 2011, entre vários outros.
Foi este interesse do Luís pela I
República, em particular no Algarve, que o terá levado a convidar-me para o
ajudar na realização da Exposição sobre “Mendes Cabeçadas e a República no
Algarve”[ver nota AQUI.]. O seu entusiasmo neste empreendimento, o sucesso que a mesma teve na
época e a edição do catálogo da mesma foram momentos que partilhamos entre nós.
Fica a memória dos episódios, das conversas e das partilhas de informação.
Pessoalmente, estivemos juntos pela
última vez no Verão de 2016, quando a doença já se tinha manifestado. Estivemos
juntos durante um bom bocado à conversa. Chegou acompanhado pela esposa, com um
sorriso nos lábios, aquele sorriso simpático, afável que cativava, e trazia um
conjunto de livros para oferecer. Eu estava um pouco temeroso na abordagem, era
normal, depois de saber da doença, mas a conversa à volta de um chá e de um
café foi normal. Porém, a dada altura manifestou o seu cansaço. Os tratamentos
ainda duravam, mas havia esperança.
Trocamos algumas mensagens até
Maio de 2017, na altura da 2ª edição do FLIQ, quando através de amigos comuns
soube que tudo se tinha complicado. Infelizmente, apesar do combate, da
resistência, dos tratamentos, o Luís partiu. Perdi um AMIGO, mas a família
perdeu um ente querido. É estranho estar em Loulé e não fazermos as nossas
tertúlias…
Cabe-nos a nós levarmos a bom
termo alguns dos projectos que tinha entre mãos, sobretudo a questão da
Hemeroteca Digital do Algarve, obtendo financiamento através do orçamento
participativo.
Este texto e muitos outros que foram convidados a participar na homenagem por ocasião do aniversário do nascimento de Luís Guerreiro podem ser consultados AQUI.
A.A.B.M.
1 comentário:
O link actualizado para a «newsletter FMVG» n.º 5, (2017), dedicada ao Eng.º Luís Guerreiro, é o seguinte: https://issuu.com/fundacaomanuelviegasguerreiro/docs/newsletter_n5_lu__s_guerreiro_engen
Três anos após o seu falecimento decorre outra iniciativa da Fundação Manuel Viegas Guerreiro que homenageia o Homem de Cultura com a divulgação de ensaios sobre algumas das obras da sua biblioteca particular e que pode ser visitada na FMVG: o Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro.
Ensaios disponíveis no menu Iniciativas/CEA | Tributo a Luís Guerreiro do site http://www.fundacao-mvg.pt/
Marinela Malveiro|FMVG
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