LIVRO – Poesia II – Sonetos
Completos, de Antero de Quental; edição crítica de Luiz Fagundes Duarte,
Abysmos, 2018, 441 pags.
“Entre Eros e Thanatos” – por António
Valdemar, in Caderno E, Expresso
“A criação poética de Antero de Quental teve o maior impacto na
sua geração e continuou a motivar, no século XIX e no século XX, as gerações
seguintes. Marcada por Cesário Verde e Camilo Pessanha, a geração do “Orpheu”
também não ficou indiferente à poesia de Antero, em especial aos “Sonetos”. Está provado que Fernando Pessoa recebeu forte influência de
Antero. Manuscritos existentes na Biblioteca Nacional revelam que Pessoa “não
seria o que é se não tivesse havido, antes, um Antero, sobretudo, no espírito
de muitas odes e de muitos dos ‘Sonetos’”.
Revelam, ainda, que Pessoa deixou traduções para inglês de muitos sonetos e projetou uma edição das Poesias de Antero, constituída por seis pequenos volumes, uma edição encadernada, de 370 páginas, do tipo da de Coleridge, por W & Foyle e da qual existe um exemplar, com a sua assinatura na sua biblioteca pessoal, na Casa Fernando Pessoa.
Revelam, ainda, que Pessoa deixou traduções para inglês de muitos sonetos e projetou uma edição das Poesias de Antero, constituída por seis pequenos volumes, uma edição encadernada, de 370 páginas, do tipo da de Coleridge, por W & Foyle e da qual existe um exemplar, com a sua assinatura na sua biblioteca pessoal, na Casa Fernando Pessoa.
A propósito da geração do Orpheu, refira-se, também, o retrato
quase desconhecido de Antero – que a Revista do Expresso divulgou – da autoria
de Almada Negreiros e que fez parte da exposição retrospetiva apresentada, em
2017, na Fundação Gulbenkian.
Estas e outras questões encontram-se pormenorizadas no volume “Poesia II, Sonetos Completos”, que acaba de ser publicada na série Obras Clássicas da
Literatura Portuguesa Século XIX, projeto em curso da Direção-Geral do Livro,
dos Arquivos e das Bibliotecas, e, no caso concreto, na sequência de “Poesia I”,
que reuniu as “Odes Modernas e Primaveras Românticas”. Em ambos os volumes, a
edição crítica é da responsabilidade do filólogo Luiz Fagundes Duarte,
professor da Universidade Nova de Lisboa, que tem feito outras edições críticas
e estudado os manuscritos autógrafos de escritores como Eça de Queirós,
Fernando Pessoa, José Régio ou Vitorino Nemésio. Antero de Quental (1842-1891),
além de uma recolha de sonetos de juventude — Coimbra, 1861 —, a chamada edição
Sténio [pseudónimo literário do seu colega, amigo e também açoriano
Alberto Teles (1840 1917)], publicou, no Porto, em 1881, outra edição de “Sonetos”, numa altura em
que já atingira o maior prestígio intelectual, e, cinco anos mais tarde, em
1886, os “Sonetos Completos”, acompanhados por um estudo introdutório de Oliveira
Martins, que inclui, com a anuência de Antero, cinco outras poesias a que
chamou “lúgubres”: ‘Os Cativos’, ‘Os Vencidos’, ‘Entre Sombras’, ‘Hino da
Manhã’ e ‘A Fada Negra’.
Em 1886, Antero acrescentou sonetos inéditos e dispersos estruturados em cinco ciclos correspondentes à sua evolução intelectual e filosófica, às intervenções cívicas, aos combates políticos e às efusões sentimentais e que ficaram assim distribuídos: 1860-1862, vinte; 1862-1866, vinte e oito; 1864-1874, dezassete; 1874-1880, vinte e três; e 1880-1884, vinte e um. Desta compilação surgiu uma segunda edição (1890), ainda em vida do autor, sem alterações nos textos dos sonetos, mas incluindo 46 traduções de 32 sonetos para alemão (por Wilhelm Storck), espanhol (Curros Enríquez e Baldomero Escobar), italiano (Giuseppe Cellini, Marco Antonio Canini, Emilio Teza e Tommaso Cannizzaro) e francês (Fernando Leal).
Em 1886, Antero acrescentou sonetos inéditos e dispersos estruturados em cinco ciclos correspondentes à sua evolução intelectual e filosófica, às intervenções cívicas, aos combates políticos e às efusões sentimentais e que ficaram assim distribuídos: 1860-1862, vinte; 1862-1866, vinte e oito; 1864-1874, dezassete; 1874-1880, vinte e três; e 1880-1884, vinte e um. Desta compilação surgiu uma segunda edição (1890), ainda em vida do autor, sem alterações nos textos dos sonetos, mas incluindo 46 traduções de 32 sonetos para alemão (por Wilhelm Storck), espanhol (Curros Enríquez e Baldomero Escobar), italiano (Giuseppe Cellini, Marco Antonio Canini, Emilio Teza e Tommaso Cannizzaro) e francês (Fernando Leal).
O conjunto de 109 sonetos de Antero teve sucessivas reedições,
muitas das quais repetindo gralhas e outras incorreções que afetaram a autenticidade
do texto. Entretanto, António Sérgio organizou, no âmbito do centenário do
nascimento de Antero, celebrado em 1942, uma edição anotada, mais tarde inserida
nos Clássicos Sá da Costa, e que não só manteve lapsos tipográficos como também
alterou por completo a sistematização preconizada por Antero e Oliveira
Martins.
A atual edição crítica realizada por Luiz Fagundes Duarte — com
rigor textual levado ao extremo e com exaustiva erudição biográfica e
bibliográfica —, apresenta as sucessivas variantes introduzidas pelo poeta, a
partir dos manuscritos autógrafos, quando disponíveis, ou da última edição em
vida. Numa secção de ‘Addenda’, Luiz Fagundes Duarte apontou três sonetos
apócrifos, um dos quais a propósito de Camões, no centenário de 1880, ao qual
Antero não se associou e assumiu atitude crítica: o soneto ‘Ananké’, que se
provou não ser de Antero, mas sim de Joaquim de Araújo, pelo que desaparece do corpus
anteriano. Mais ainda: dois sonetos atribuídos a Antero que circulavam, desde 1916,
nos meios espíritas como tendo sido ditados por Antero através de um médium. Todavia,
um dos outros méritos e revelações que se deparam nesta edição consistiu no trabalho
meticuloso de verificação de largas centenas de manuscritos, em arquivos nacionais
e estrangeiros, e de consulta em coleções de jornais e revistas, para recuperar
todos os dispersos de Antero, até agora conhecidos. Perfazem 176 sonetos
(traduções incluídas) relativos a diferentes períodos e que se encontram
integrados na já referida arrumação por etapas cronológicas
Esta investigação, porém, não está concluída. Previsto para
breve, e também a cargo de Luiz Fagundes Duarte, está o aparecimento do último
tomo, “Poesia III – Poemas Dispersos, Alterados e Destruídos”, que virá substituir
o volume póstumo “Raios de Extinta Luz”, preparado por Teófilo Braga (1892) e,
posteriormente, acrescentado (1948) por António Salgado Júnior e José Bruno Carreiro.
Nele se misturam sonetos e não sonetos, publicados uns em vida de Antero e
outros póstumos. O critério e exigência agora adotados irão, certamente,
corrigir e esclarecer lacunas e incorreções que perduram desde a edição “a
vários títulos espúria” de Teófilo Braga.
Os “Sonetos” de Antero chegaram, através da tradução alemã de
Wilhelm Storck, ao conhecimento de Tolstoi que registou a profunda emoção e
apreço que lhe causaram. Antes da obra ortónima e heterónima de Fernando Pessoa,
Antero de Quental foi um dos poetas portugueses de maior projeção e reconhecimento
universal. Oliveira Martins afirmou que os “Sonetos” de Antero “não são os
quaisquer episódios particulares de uma vida de homem; são a refração das
agonias morais do nosso tempo, vividas, porém, na imaginação de um poeta”.
Embora tenha escrito nas mais diversas modalidades estróficas,
Antero optou quase sempre pelo soneto que imortalizara “Dante, Miguel Ângelo,
Shakespeare e Camões” para exprimir, conforme salientou, “a forma completa do
lirismo puro”. Foi, portanto, na concisão lapidar do soneto, que Antero manifestou
as crises de angústia metafísica, as lutas políticas, as efusões sentimentais e
o exacerbado pessimismo, o testemunho do sofrimento físico resultante de
sucessivas doenças que lhe tornaram a vida insuportável e aceleraram o trágico
encontro com a morte.
Os “Sonetos” de Antero colocam-nos perante o grito que arde, o
verbo que anuncia e o murmúrio que soluça, a presença dominadora de Eros e Thanatos,
matriz de um imaginário que oscila entre a labareda do amor e o espetro da
morte. E, muitas vezes, a fatalidade e o orgulho de ser açoriano. No auge da mais
ruidosa das polémicas em que esteve envolvido, não hesitou em considerar os portugueses
de outras regiões do país os meus “quase patrícios”. Era a reivindicação das suas
origens que, além das circunstâncias familiares, denunciaram na sua poesia, em especial
nos “Sonetos”, os fatores geográficos que singularizam o arquipélago.
O mar é, assim, um dos lugares onde podemos, na sua ilha ou em
qualquer outra parte do mundo, estar perto de Antero, de olhar horizontes que o
quotidiano oculta e de ouvir, na voz do vento, o legado sempre vivo da sua
inquietação”
SONETO
Nem vingança; justiça
- Oh vós que as lagrimas
Trazeis sempre nos olhos, sem se querem,
Lázaros no banquete da existência,
Oh filhos do dever! Lede este livro,
Porque através de um mundo de misérias
Do largo peregrinar chegando ao termo,
Erguer – se sobre os filhos da verdade:
«- Felizes dos que sofrem – terão prémio:
Feliz do pobre e triste, órfão de afetos,
Será rico: no céu seu pai o espera!»
[Nota] Coimbra, Dezembro de 1861 e incluído com o número 129, pag. 191 da atual edição, com o titulo “Na Primeira Pagina do Inferno do Dante”. Pela primeira vez – e nesta edição critica – passa a integrar os Sonetos Completos de Antero.
SONETO
Este é o livro das vinganças nobres,
O inferno dos que têm o céu na terra:Nem vingança; justiça
- Oh vós que as lagrimas
Trazeis sempre nos olhos, sem se querem,
Lázaros no banquete da existência,
Oh filhos do dever! Lede este livro,
Porque através de um mundo de misérias
Do largo peregrinar chegando ao termo,
Heis- de ouvir, lá das bandas do futuro,
A grande voz do Cristo, a voz eterna,Erguer – se sobre os filhos da verdade:
«- Felizes dos que sofrem – terão prémio:
Feliz do pobre e triste, órfão de afetos,
Será rico: no céu seu pai o espera!»
[Nota] Coimbra, Dezembro de 1861 e incluído com o número 129, pag. 191 da atual edição, com o titulo “Na Primeira Pagina do Inferno do Dante”. Pela primeira vez – e nesta edição critica – passa a integrar os Sonetos Completos de Antero.
Eros e Thanatos – por António
Valdemar, [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia
das Ciências], revista
E, Expresso, 3 de Fevereiro de 2018, pp. 72/73 – texto agora acrescentado pelo autor e com sublinhados nossos.
António Valdemar
J.M.M.
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