A 18 de Outubro de
1783 morre, em Hackey (Inglaterra)
o Cavaleiro de Oliveira, aliás, Francisco Xavier de Oliveira.
“O mundo é a pátria
natural, universal de todos os homens” [Cavaleiro de Oliveira, in Carta à
Condessa de Roccaberti]
O Cavaleiro de
Oliveira nasceu em Lisboa a 21 de Maio de 1702. Era filho do “Contador de
Contos do Reino e Casa”, José de Oliveira e Sousa, e de Isabel da Silva Neves
[cf. Dicionário de Inocêncio, tomo III; ver, ainda, Portugal, Diccionario Histórico, …, de Esteves Pereira e Guilherme
Rodrigues, 1911, vol. V; Álvaro Manuel Machado, “Dicionário de Literatura
Portuguesa"; Aquilino Ribeiro, “O Cavaleiro de Oliveira”; Gonçalves Rodrigues,
“O Protestante Lusitano”, 1950], tendo por isso tido educação esmerada [sob os
auspícios do padre Lourenço Pinto]. Apenas com 14 anos foi nomeado oficial do
Tribunal dos Contos do Reino, cargo que manteve durante longo tempo, o que
curiosamente lhe permitiu uma vasta informação acerca dos “homens, das cousas e
dos costumes”, servindo-lhe para publicar, mais tarde, as suas memórias, com
curiosas observações, quase sempre satirizantes. Francisco Xavier de Oliveira era visto como um sujeito “pouco ortodoxo”, “um maldito de Deus”, um “protestante” ou mesmo um “ateu”, assunto que evitava de todo debater, mas que o colocava debaixo do exame atento da Inquisição, tendo escapado às suas mãos graças aos (poderosos) amigos que tinha [principalmente o embaixador D. Luís da Cunha, Sebastião José de Carvalho e Melo, Diogo Barbosa Machado, algumas importantes personalidades francesas e inglesas, ou até mesmo o livreiro português Francisco da Silva Sul, fora as inúmeras mulheres com quem “inscreveu a arte de amar”, como, entre elas, a princesa de Valáquia, Maria Elizabeta]. Tal espírito “irreligioso” era o traço de um libérrimo pensador (por mais maquiavélico que tenha sido), um cosmopolita irrequieto, a que se associava um varonil espirito de bon-vivant, um dom juan de “vida solta” (e em constantes “rixas”), “aristocrata libertino” de fina inteligência, graça e humor. Em 1729 é feito Cavaleiro da Ordem de Cristo, tendo por isso assinado muita da sua obra francesa com o nome de “Chevalier d’Oliveira”.
Na morte de seu pai
(1733), na altura secretário do Conde de Tarouca, e ministro em Viena, tomou o
seu lugar, tendo saído, com esse fim a 19 de Abril de 1734, em direção à Alemanha,
nunca mais tendo regressado a Portugal. Teve seis anos a [tentar] exercer a
função de secretário da embaixada portuguesa [nunca foi empossado do cargo, por
razões nunca expostas, tendo por isso reclamado energicamente, como consta num
curioso processo e que aqui não cumpre desenvolver], mas, entre outras mais razões,
as desavenças pessoais com o Conde de Tarouca fê-lo abandonar o lugar em 1740,
refugiando-se na Holanda. Sem recursos monetários, ali passou duras
“privações”, tendo recorrido à escrita para o necessário sustento [embora as
despesas de impressão dos seus escritos o tenha arruinado], auxiliado por
“patrícios” e “judeus portugueses”. Publica, então:
“Memórias das
viagens de Francisco Xavier de Oliveira” (1741 – apenas o tomo I, nunca tendo
saído a prelo os restantes volumes, no total de VI); “Cartas familiares
históricas, politicas e criticas, discursos sérios e jocosos” (1741-1742, III
tomos – foram reimpressas em Lisboa, em 1855; foi obra importante e da maior
referência, passe o seu rebuscado mundanismo – ver sobre o assunto Jacinto de
Prado Coelho); “Carta ao sr. Isaac de Sousa Brito, …” (1741); “Mille et une
observations (ou reflexions) sur divers sujets de morale, de politique,
d´histoire et de critique" (1741, II tomos); “Mémoires de Portugal avec la
Biblioteque Lusitane” (1741, II tomos – os III e IV ficaram manuscritos); “Reponse
à la lettre de mr. C.D.M.M." (1741; folheto que não se conhece qualquer exemplar);
“Memoires historiques, politiques, concernat le Portugal” (1743); “Viagem à
ilha do amor, escripta a Philandro” (1744; reed. em 1790, Lisboa; é comum
aceitar que esta obra é uma tradução livre de uma outra saída anónima, em 1664,
mas atribuída ao abade Paul Tallemant, dito o Jovem).
Em 1744, fixa
residência em Inglaterra. Data de 1746 (?) a sua “abjuração” ao catolicismo e
ligação ao protestantismo luterano, com o casamento (o terceiro) com a inglesa,
de ascendência inglesa e huguenote, Françoise Hamon. Porém a vida de exilado não lhe corria de feição, os protectores que tinha
abandonam-no, e as inúmeras dividas contraídas levam-no à prisão (21 meses e
dez dias), tendo sido amnistiado pelo Acto de Insolvência, em 1748, e libertado.
Publica (1751), em
Londres, o muito curioso “Amusement Périodique” (Recreação Periódica, título em
português, publicado por Aquilino Ribeiro, em 1922, II vols), saído em
fascículos mensais nas Oeuvres Mêlées, “publicação de circunstância" [Aquilino
Ribeiro] um conjunto de traços anedóticos sobre a corte portuguesa de D. João V,
“armazém de curiosidades e uma obra memorialista importante sobre a sociedade
portuguesa e europeia do século XVIII. Não deixa de ser curioso que Francisco
Xavier de Oliveira nos diga que tinha em Portugal quatro assinantes, sendo um
deles o não menos célebre Jacome Ratton, sendo os outros o dr. Castro Sarmento,
o sr. Rabelo de Mendonça e o sr. Abraham Vianna.
Depois publica o
famoso opúsculo “Discours pathétique au sujet des calamités présentes, arrivés
en Portugal. Adressé a mes compatriotes et en particulier a Sa Magesté
Três-Fidéle Joseph I. Roi de Portugal”, Londres, 1756 [saíram, posteriormente
várias edições: uma em 1757, a que junta um "Extrait d'une lettre de Lisbonne",
edição raríssima; a edição de Londres de 1762, também raríssima; outra, muito
limitada (36 expls) e muito rara, saída em 1893, sob edição do bibliófilo
Joaquim de Araújo, na tipografia Ocidental do Porto; e a rara reimpressão
preparada por Joaquim de Carvalho, em 1922, pela Imprensa da Universidade]. Na
mesma altura, o Cavaleiro de Oliveira faz sair uma edição em inglês (“A Pathetic
Discourse on the present calamities of Portugal, …”) e uma impressão em
português, com o título “Discursos patheticos a respeito das calamidades
presentes sucedidas em Portugal, dirigidos aos seus compatriotas, e em
particular a S.M.F.” (foi reeditado, em 2004, uma nova edição pela Frenesi, de
Paulo da Costa Domingos, com 284 pags). A obra inicial teve imediata proibição de
leitura e circulação pelo Santo Ofício [por denúncia do dr. Joaquim Pereira da
Silva Leal, membro da Academia Real da História], abriu corpo de delito e o seu
autor, dito herege, revel e relaxado, foi “condenado a ser queimado em estátua
[queima da sua efígie], visto que a sua estada em Londres impedia os
inquisidores de terem o gosto de o queimar em carne, como fizeram ao padre
Gabriel Malagrida, que padeceu a horrível morte pela fogueira, no mesmo auto da
fé de 20 de Setembro de 1761, em que saiu a publico a imagem do cavalheiro de
Oliveira para ser devorado também pelas chamas” [ver Esteves Pereira, ibidem]. De
imediato (1762), Francisco Xavier de Oliveira, além de reimprimir a obra na sua
versão francesa, responde [em francês e português] com o opúsculo “O Cavalheiro
de Oliveira, queimado em estatua por herege. Como e porque? Anedotas e
reflexões sobre este assumpto, dadas ao publico por elle próprio”.
Morre Francisco Xavier de Oliveira, o
Cavaleiro de Oliveira, a 18 de Outubro de 1783, em Hackey (Inglaterra).
J.M.M.
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