LIVRO:
Cartas sobre a Framaçoneria;
AUTOR:
s. n. [Hipólito José da Costa] | Prefácio: Manuel Pinto dos Santos;
[RE]EDIÇÃO:
Editorial Moura Pinto, Dezembro 2020, 129 p. [1ª ed. ou 2.ª ed. 1805]
Trata-se de uma nova edição, do raríssimo e valioso opúsculo publicado
anonimamente por Hipólito José da
Costa Furtado de Mendonça (1774-1823) ou o Irmão Aristides. Nascido (ou registrado) na Colónia do Sacramento
(território integrado no domínio da Coroa portuguesa, hoje pertencente ao Uruguai),
Hipólito J. da Costa formou-se em
Coimbra (1798) em Leis e Filosofia, foi iniciado na maçonaria em Filadélfia (Loja Washington nº 59, em 1799), viveu 18 anos na
Inglaterra depois de ter fugido (1805) dos cárceres da Inquisição por ser
acusado (1802) de pedreiro-livre, foi diretor do Correio Braziliense e
jornalista temido pela regência portuguesa, tendo desempenhado valiosos
serviços à maçonaria lusa (entre os quais o pedido de autorização à Grande Loja
de Inglaterra da filiação das lojas portuguesas, isto em 1802). Amigo e protegido
pelo Duque de Sussex (filho do rei George III), obtém a nacionalidade inglesa
(ou obteve-a sem contudo deixar a nacionalidade portuguesa), integra a Loja
Antiquity (Londres, 1808), foi 1.º Experto da Grande Loja da Inglaterra, fundou
a curiosa e importante Loja Luzitânia (Londres, 1812), integrada
por ilustres exilados portugueses em Inglaterra, e deixou inúmeros trabalhos,
entre os quais estas Cartas sobre a Framaçoneria, rara
peça da bibliografia maçónica portuguesa. Esta bela, interessante e estimada reedição
é comemorativa do aniversário de uma Loja maçónica a Oriente de Coimbra, concretizando
“um projecto antigo: a reedição de um dos textos primordiais e emblemáticos sobre a Maçonaria, publicados em português” e está
ornamentada por um prefácio de muito merecimento e apreço da pena de Manuel
Pinto dos Santos, que já em 2014 nos tinha prendado com o curioso opúsculo “Hipólito
José da Costa. Uma Vida dedicada à Maçonaria”, Grémio Lusitano, 68 p.
► “As Cartas sobre a Framaçoneria, ou
melhor dito à francesa da Franco-maçonaria, é o título – ao que se saiba - da
primeira publicação em defesa da maçonaria publicada nos inícios do século XIX,
sendo uma das obras mais inovadoras do universo da maçonaria no século XIX,
pelo seu aspeto pedagógico e objetividade, pouco apologética da organização,
embora aponte a defesa dos respetivos princípios […]
Foram feitas várias edições da obra em língua portuguesa, sendo conhecidas
as seguintes:
1. Cartas sobre a Framaçoneria. Segunda edicção feita sobre o
original de Amsterdam, e augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o
mesmo assumpto, Madrid, 1805, 132 páginas.
2. Cartas sobre a Framaçoneria, Segunda edicçaõ feita sobre a
original de Amsterdam e augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o
mesmo assumpto. Londres, Impresso por W. Lewis, Paternoster-Row, 1809, 132
páginas.
3. Cartas sobre a Framaçoneria. Segunda edição, Feita sobre a
original de Amsterdam, augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o
mesmo assumpto, e correcta. Paris: Na Officina de A. Bobée, 1821, 162 páginas.
Esta edição chegou a ter publicidade no Diário do Governo,
Suplemento nº 13, de 06.03.1822, onde se referia o preço – 600 réis,
informando-se que as Cartas sobre a Fra-maçonaria “provam com evidência que ela
em nada é contrária à Religião e aos Governos”.
4. Cartas sobre a framaçonaria seguida de vários adiantamentos e
de uma notícia de algumas violências praticadas conta os Framações. Ed. feita
sobre a original de Amsterdam, correcta e seguida de varios aditamentos. Rio de
Janeiro; Seignot-Plancher e Ca., 1833; [4], 204 p.
5. Cartas sobre a Maçonaria, in Boletim Oficial do Grande
Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, nº […]
6. Cartas sobre a Framaçonaria, in João Nery Guimarães, Obras Maçônicas de Hipólito José da Costa. Homenagem ao Segundo Centenário de sua iniciação. Publicação do Grande Oriente do Brasil, nº 004, Poder Central. Brasília, D.F., Brasil, 2000. A edição brasileira publica a edição de Madrid, 1805, na antologia das obras de Hipólito.
Apesar das três primeiras edições aqui mencionadas especificarem que são “segunda edição”, não há qualquer dúvida de que as referências à edição, ao local e ao ano são ficcionadas.
Nunca existiu - ao que se saiba - a primeira edição que deveria ter sido impressa em Amsterdão em 1803 segundo a nota do editor contido na edição de 1805; a segunda edição que vem referida nos títulos das obras “impressas” em Madrid, 1805, e Londres, 1809, são afinal a primeira edição, porque ambas as datas são na realidade de 1809, e o local é exatamente a mesmíssima cidade de Londres, acrescendo a isto que o impressor – W. Lewis - é o mesmo em ambas as ditas edições de 1805 e 1809, as quais apresentam idêntico número de páginas, o mesmo tipo de letra e um alinhamento integralmente igual. Há que acrescentar que só a partir de 1809 é que se começa a ouvir falar destas Cartas.
Deste modo e segundo a perspetiva do trabalho tipográfico e impressão, tudo indica que a primeira edição data de 1809, feita em Londres, na oficina de W. Lewis; a segunda edição viria a lume em 1821 feita em Paris: Na Officina de impressão de A. Bobée, possuindo mais trinta páginas, mas é a reprodução ipsis verbis das edições anteriores, em tipo de letra maior o que justificou o aumento do número de páginas.
A razão deste estranho e confuso procedimento quanto às datas presume-se que seja devido a uma forma de tentar enganar as autoridades censórias existentes em Portugal, uma vez que colocando na primeira página “segunda edição” calculava-se que a primeira já tinha circulado com o consentimento da censura […]
A sequência das cartas em número de vinte obedece a um critério discursivo que está plasmado na sua disposição interna. Contudo, apesar das cartas estarem datadas, um leitor atento observará que a Carta I data de 10 de abril de 1802 e a Carta XX – que o autor considera a de conclusão sobre a matéria - de 30 de abril do mesmo ano, ou seja, a totalidade das cartas teria sido produzida durante um mês, com uma periodicidade de dia e meio aproximadamente. No entanto, três das cartas têm a data de 4, 6, 10 e 28 de maio, precisamente as cartas 13, 14, 16 e 19, o que remete para a sua redação ao longo de dois meses. Para complicar ainda mais esta matéria da cronologia epistolar, em quatro dias -22, 24, 26 e 28 de abril - são escritas duas cartas, respetivamente as 7 e 12, 8 e 17, 9 e 15 e 10 e 19.
Refere-se este aspeto porque ao nível da lógica discursiva da apresentação das cartas existe um fio condutor temático que não é compatível com as datas apresentadas, donde se poder especular se as datas serão apenas uma invenção, e as Cartas não corresponderão afinal um mero estilo ou modelo literário.
A primeira carta é a apresentação do tema, onde o autor respondendo a uma carta do seu interlocutor se dispõe a esclarecê-lo sobre a “Sociedade dos Franco-Maçons”. Note-se que esta carta tem a particularidade de ser a resposta a uma outra que lhe teria sido enviada em 29 de março de 1802. Esta data é relevante uma vez que Hipólito quando foi a Londres terá embarcado de Lisboa em 15.03.1802 e chegado a 24 desse mês a Falmouth, porto inglês, na costa de Cornwall, distante de Londres a cerca de 380 km, onde chegou finalmente a 27. O trajeto da via marítima estava assegurado pelos paquetes ingleses e navios portugueses numa viagem que demorava entre 9 a 11 dias, conforme as condições climatéricas. Tendo isto em consideração, a carta a que o autor responde teria de ser enviada para destino pré-determinado no dia 20 de março, cinco dias após a partida de Lisboa, hipótese que se apresenta muito pouco verosímil.
Os temas tratados nas restantes dezanove cartas podem ser sucintamente
referidos, embora o editor apresente um índice: nas cartas 2 e 3, as origens
históricas da maçonaria, onde aborda as quatro teses sobre o seu início, a primeira,
no reinado de Charles I de Inglaterra, a segunda, no reinado de Philippe, o
Belo, de França e os cavaleiros templários, a terceira na época de Salomão, rei
de Israel, e a quarta nos tempos do Egipto faraónico; na carta 4, apresenta noções
gerais sobre o sistema da maçonaria; nas cartas 5, 6, 7 e 8 divaga sobre a
acusação e perseguição dos maçons, em particular pela Igreja através das bulas
papais de Clemente XII (Eminenti Apostolatus Specula de 1738) e Benedito XIV (Provida
Romanorum Pontificum de 1751); nas cartas 9 e 10 refere a história da
Inquisição e o tribunal do Santo Ofício, sua jurisdição, mencionando-se o caso do
Conde de Cagliostro; nas cartas 11, 12, 13 e 14, as relações entre a maçonaria
e a sociedade civil e acusações desta contra a primeira, sendo a última sobre a
acusação da maçonaria ser antimonárquica; nas cartas 15, 16, 17 e 18 a posição de autores sobre a maçonaria, como Locke, Barão
de Bielfeldt, Banier, Barruel e doutor Robertson, elucidando a questão da
identidade dos maçons com os jacobinos franceses e os illuminati alemães; na
carta 19 o autor explicita a razão das perseguições aos maçons e finalmente na
carta 20 expõe o seu pensamento sobre a ilegalidade da perseguição movida pela inquisição
contra os maçons por não haver o beneplácito régio das bulas. Segue-se como “aditamento
a esta nova edição” a “notícia de algumas violências exercitadas contra os
Framaçons”, composto por dois excertos do jornal “Correio do Alto-Rhin”, nº 36
de 05.05.1779 e nº 41, de 21.05.1779.
Nota-se que há primazia de uns temas sobre outros: acusação e perseguição dos maçons, relações entre a maçonaria e a sociedade civil e a posição de autores sobre a maçonaria, o que permite concluir que as Cartas são essencialmente uma defesa da maçonaria perante um ataque injustificado por um libelo acusatório perpetrado por homens da Igreja.
Em boa hora torna-se pública a presente edição no decurso do bicentenário da revolução liberal de 1820, pois os motivos que levaram o editor a publicar inicialmente as Cartas – os preconceitos contra a maçonaria – mantêm-se atuais na sociedade portuguesa, como então. Mostrando-se premente o esclarecimento das pessoas, um imperativo fundamental para a transformação das mentalidades.
Esta obra é de leitura essencial para todas as pessoas que pretendam ser esclarecidas quanto ao tema da maçonaria, e em particular obrigatória para aqueles que abraçam a via do aperfeiçoamento pessoal através da maçonaria, de forma a compreender algumas das razões históricas porque em Portugal os maçons e a maçonaria continuam a ser vítimas de um anátema social”
[Manuel Pinto dos Santos, in Prefácio, Cartas sobre a Framaçoneria, pp. 7-17 - sublinhados nossos]
J.M.M.
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