domingo, 7 de março de 2021

JOSÉ DE JESUS GABRIEL – LIBERTÁRIO, CARBONÁRIO E MAÇON (NOTA BREVE)

 


“Um fundador do Partido Comunista Português quase desconhecido. José de Jesus Gabriel: torneiro mecânico, carbonário e maçon Entre os fundadores do PCP, em 1921, estava José de Jesus Gabriel, nascido em Lisboa em 1879. Membro do seu Conselho Económico em 1921 integrou em 1923 a Comissão Reorganizadora. Quem era este homem que não ficou na História?

José de Jesus Gabriel, operário metalúrgico do Arsenal do Exército, dirigente da Associação de Classe dos Fabricantes de Armas e da Confederação Metalúrgica, fundou o jornal O Metalúrgico e foi redactor e administrador de A Obra (1905).

Era em 1905 dirigente da Federação Socialista Livre, organização de cariz anarquista intervencionista que colaborou com os republicanos. Nas páginas de O Metalúrgico, onde os intervencionistas, maioritários na Confederação Metalúrgica, detinham grande influência, José de Jesus Gabriel criticava, em 1904, os que recusavam colaborar com os republicanos «sorrio-me do fanatismo de vários elementos propagandistas dos ideais avançados, que intolerantes nas suas vastas concepções, consideram como inimigos terríveis os que pronunciam doutrinas que mais se aproximam na síntese dos seus ideais». Curiosa afirmação…

Jesus Gabriel recusou um convite para ingressar na Carbonária Portuguesa, acabando por ser iniciado na Carbonária Lusitana, apadrinhado por Benjamim Rebelo e Júlio Dias, ascendendo a chefe de barraca. A Carbonária Portuguesa – também conhecida como Carbonária dos Anarquistas -, foi fundada em 1897, com sede na Rua 24 de Julho, próximo da Rocha do Conde de Óbidos.

Segundo informações prestadas pelo próprio a José Nunes «quase todos os carbonários mais graduados desta instituição [Carbonária Lusitana] pertenciam ao Grémio Obreiros do Futuro e à Confederação Metalúrgica, como delegados de algumas associações de classe. Gabriel, em vista de manter uma certa afinidade com esses elementos, foi também convidado a pertencer a esse Grémio, tendo-se efectuado a sua iniciação em Fevereiro de 1905» (José Nunes, «E Para Quê?», p. 47).

A Loja Obreiros do Futuro era o núcleo central, reservado, ao qual só pertenciam «os carbonários mais graduados», o que justifica o seu papel nos preparativos revolucionários. Tal como Jesus Gabriel declarou, fora no interior da própria oficina maçónica que ele, Rebordão, Brito Bettencourt, Cerqueira, António Alcochetano e outros fabricaram umas duzentas bombas destinadas à revolução republicana…

No rescaldo do Regicídio, José de Jesus Gabriel foi preso, juntamente com outros anarquistas. José Nunes conforma que Jesus Gabriel também teve parte activa no movimento que implantou a República. Foi administrador do jornal O Sindicalista e opôs-se firmemente à lei da greve, subscrevendo uma moção, aprovada em reunião na Caixa Económica Operária, em 22 de Dezembro de 1910, com a presença de 62 associações sindicais, proclamando a intenção de «saltar por cima dessa lei quando for preciso» e de «iniciar uma forte e activa propaganda contra o governo entre as classes trabalhadoras». Foi delegado ao Congresso Sindicalista de 1911 e teve sempre uma participação muito activa na vida da sua classe, desempenhando os cargos de Presidente da Assembleia Geral Associação de Socorros Mútuos do Pessoal do Arsenal do Exército e da Associação de Classe (1918, 1924), Delegado à Liga das Associações de Socorros Mútuos (1923).

Foi um dos fundadores do Partido Comunista Português. Em Março de 1923 esteve envolvido na enorme confusão que o PCP então conheceu, com expulsões entre facções adversas. Subscreveu em Maio de 1923, na qualidade de delegado do seu sindicato à Confederação Geral do Trabalho, o manifesto «A Questão das Internacionais - Berlim ou Moscou?» onde apoiou a Internacional Sindical Vermelha. Esteve presente no I Congresso do PCP (10, 11 e 12 de Novembro de 1923), onde participou activamente, presidindo à 3ª sessão.

Em Abril de 1932 – segundo o jornal O Arsenalista – encontrando-se numa situação económica e de saúde muito difícil, que levou os seus camaradas a promoverem um sorteio em seu benefício, cujo produto foi entregue a sua mulher e que ele agradeceu em carta publicada no jornal, na qual refere a «liberdade que me foi vergonhosamente roubada», pelo que deduzimos que estava preso. Ao referir-se a «antigos camaradas» leva-nos a crer que já não trabalhava no Arsenal. Em 1937 era empregado de escritório, sendo preso em 22 de Abril daquele ano; deu entrada no Forte de Caxias e foi libertado em 9 de Novembro.

 


Um facto curioso é que José de Jesus Gabriel entrou para a Maçonaria em 1913, na Loja Obreiros do Trabalho. Era então membro da Associação de Classe dos Fabricantes de Armas e Ofícios Acessórios e Metalúrgicos de Lisboa, da Associação do Registo Civil, de Associação Crécherie e da Academia de Estudos Profissionais Humanidade Futura. Os inquéritos produzidos no âmbito do processo, para aquilatar das suas qualidades, apresentam diversas informações sobre o candidato: «para além de torneiro mecânico dava explicações de Matemática»; era considerado «um bom cidadão que tem trabalhador bastante a bem da República e da Humanidade»; «republicano, ou mais alguma coisa», «livre-pensador», «parece ter elevados conhecimentos literários e serem suficientes para compreender os elevados princípios maçónicos»; «conquanto o seu ideal político seja bastante avançado, trabalhou bastante para a queda do antigo regime, chegando por vezes a ser perseguido pelos agentes da Bastilha monárquica»; «foi um grande revolucionário e foi um dos presos que estiveram na esquadra do caminho-de-ferro nos dias da revolução que proclamou a República», «dizem ser anarquista e livre-pensador».

Iniciado em 17 de Fevereiro de 1913 com o nome simbólico de «Lisippo», foi, em 22 de Maio de 1916, um dos fundadores da Loja Integridade, do Rito Simbólico, assumindo as funções de Venerável, na qual se conservou até à dissolução da mesma em 1919. Reproduzimos a fotografia da sua prisão em 1937 e a última página do questionário que preencheu em 1913, ao solicitar a entrada na Maçonaria”

[ADENDA"… O único texto de cariz maçónico conhecido da autoria de José de Jesus Gabriel, foi a sua intervenção, em 22 de Maio de 1916, na sessão de instalação da Loja Integridade, fundada por antigos membros da Loja Obreiros do Trabalho.

Significativamente, e revelador do seu prestígio, foi ele eleito Venerável e não o capitão José Marcelino Carrilho, o mais antigo maçon do grupo, velho republicano federalista e venerável da Loja Obreiros do Trabalho durante vários anos.

Olhando para os membros da nova Loja, o grupo era constituído por uma dúzia de elementos, dois dos quais italianos, Amadeo d'Alassandro, serralheiro mecânico, Domenico de Domenico, agente comercial, dois farmacêuticos, vários funcionários públicos, um comerciante, um alfaiate, um maquinista fluvial, um maquinista da Empresa Nacional de Navegação, um telegrafista, Luís Cipriano de Araújo, que desempenhava as funções de Orador, e um companheiro de trabalho de José de Jesus Gabriel, Manuel José da Silva Lúcio, um dos mais respeitados dirigentes sindicais do Arsenal do Exército”

[António Ventura, via Facebook, com a devida vénia – sublinhados nossos]

J.M.M.

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