sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O ULTIMATO INGLÊS (11 DE JANEIRO DE 1890) VISTO PELOS REPUBLICANOS


“(…) A data afrontosa – 11 de Janeiro de 1890 – não poderá mais ser esquecida; porque pelo facto abrupto a que está ligada e pelas suas consequências, fixa o momento da convulsão profunda e da crise decisiva em que se acha a Nação portuguesa. Desde esse dia até ao completar-se um ano, a crise nacional só tem apresentado os francos caracteres de decomposição inevitável; os esforços para uma reorganização e revivescência da nacionalidade têm consistido em explosões sentimentais, sem plano e sem vontade de acção. E como o sentimento é sempre vago e ingénuo, fácil foi entorpecer as aspirações patrióticas pelas decepções, expedientes e embustes dos partidos exauctorados, e sobretudo pela incoerência dos que a si próprios procuram iludir-se, não querendo medir a intensidade do desastre.

O facto brutal do Ultimatum de 11 de Janeiro, que é uma desonra para a diplomacia europeia, que deixou um pequeno Estado ao abandono, diante do arbítrio de potência mercantil, essa moderna Cartago, que não conhece deveres, nem mutualidade, esse facto veio evidenciar a mais sinistra luz:
Que a monarquia é incapaz de manter a integridade do território português e a dignidade da sua autonomia, porque desde D. João I, 9 de Maio de 1386, até 20 de Agosto de 1890, todos os tratados com a Inglaterra têm sido feitos exclusivamente em benefício da segurança dinástica.

Que os governos monárquicos, que se têm sucedido no poder (ministros por confiança da coroa a parlamentos por candidaturas ministeriais) esgotaram esterilmente as forças económicas deste país, deixando-o desarmado e sem recursos para uma resistência natural contra a mais leve agressão estrangeira.
E, por último, que os partidos monárquicos, que monopolizam a governação, se exauctoram, dando as provas peremptórias de absoluta incapacidade governativa, defrontando-se com a questão vital a que está ligado o destina da Nação portuguesa, o qual neste momento obscuro da história se acha entregue ao acaso dos acontecimentos e não há vontade deliberada de altos caracteres.

Tiremos a lição dos factos. Em 11 de Janeiro de 1890, o partido progressista recuou desertando do poder, sem protesto, nem apelo às potências, como se os ministros fossem uns abnegados do governo inglês. A Nação portuguesa já não pode aceitar mais esse partido na gerência pública – é um falido de responsabilidade.
Desde 11 de Fevereiro, o partido regenerador, que explorara as manifestações patrióticas para apoderar-se do poder, sem protesto, infamando depois essas nobres manifestações com estigmas de arruaças, reprimindo as emoções da dignidade nacional com prisões discricionárias, atentando contra as liberdades públicas de imprensa e de associação, contra as franquias municipais, contra o acto generoso de uma subscrição para a defesa do país, estabelecendo alçadas especiais e repelindo a cooperação tardia das potências amigas, pediu ao próprio governo inglês que lhe ajudasse a salvar a dinastia contra a Nação, forçando esta por uma ditadura imbecil a uma atitude correcta, para depois, pelo tratado de 20 de Agosto [de 1890], cortar à vontade em carne morta. Esse partido enterrou-se sob o peso das iniquidades em que procurava firmar-se.

A morte dos dois partidos, progressista e regenerador, ficou patente e evidenciada pela prolongada interinidade ministerial. Essa estupenda acefalia conseguiu mascarar-se pelo processo gasto de uma Liga Liberal, a que se acolheu a debandada progressista e os ludibriados esquerdistas, lisonjeando a aspiração nacional pela fórmula mentirosa – de que não faziam questão da forma de governo.

De toda esta elaboração desagregativa surgiu o expediente deplorável de um governo extra-partidário, continuando a ditadura regeneradora e a doblez progressista [sic], mantendo o tratado de 20 de Agosto pela interinidade do modus vivendi, ocultando ao país todas as afrontas recebidas na espoliação da África, fechando o parlamento para fugir ao julgamento da publicidade, e esgotando o sentimento nacional, adormentando-o para consumar a fatalidade que pesa sobre nós todos.

Não satisfeitos ainda com a ruína política de Portugal, preparam a derrocada económica, consignando os rendimentos da nação a desvairados empréstimos, assinalando o fim do crédito a um país, e abrindo as portas à intervenção estrangeira, que não longe virá tomar conta das nossas alfândegas e vias férreas, pondo-nos em tutela como um Egipto, para os credores se pagarem por suas mãos e nos espoliarem sob a égide dos seus governos.

Diante deste quadro de decomposição, é preciso ver claro: A monarquia, que já não proclama a ficção de manter a nossa integridade, e que se sustenta provisoriamente pelo nosso desmembramento, não tem apoio moral; mantém-se apenas pela indiferença geral. Os governos, que se alternam no poder, não têm pensamento, porque são adstritos ao interesse dinástico e sustentam-se com expedientes de momento e com favores egoístas das vontades que compram ou corrompem.

Somente as naturezas tímidas ou insensatas é que podem confiar-se na esperança já formulada pelos jornais conservadores: - Isto cai por si. Cai por si, é verdade, mas depôs de nos ter infeccionado com o vírus de uma decomposição irremediável. É preciso entrar, e de pronto, no caminho da recomposição nacional, de um modo deliberado e verdadeiramente digno. Que a Nação tome conta dos seus destinos. O que é a República, senão uma nacionalidade exercendo por si mesma a própria soberania, intervindo no exercício normal das suas funções e magistraturas? No estado actual da crise portuguesa só existe uma solução nacional, prática e salvadora - a proclamação da República. Só assim acabarão os interesses egoístas que nos perturbam e vendem, só assim aparecerá uma geração nova capaz de civismo e de sacrifícios pela Pátria.

No momento que atravessamos não há lugar para demonstrações teóricas, nem para argumentar com os pedantocratas do constitucionalismo. Eles já deram as suas provas. Para a crise extrema, um supremo remédio. Diante da Pátria vilipendiada pelo egoísmo de um regime e pela inépcia de todos os partidários que o sustentam, seja a nossa divisa a bela frase dos homens de 1820, que souberam libertar Portugal do protectorado execrando de Beresford:

Uma só vontade nos una … para procedermos como herdeiros das nobres gerações de 1384, de 1640, de 1820 e de 1834, fazendo a obra gloriosa da reorganização de Portugal.(…)


Lisboa 11 de Janeiro de 1891
O Directório do Partido Republicano
Teófilo Braga
Bernardino Pinheiro
José Jacinto Nunes
Manuel de Arriaga
J. F. Azevedo e Silva
Francisco Cristo

(Manifesto do Partido Republicano Português)

A.A.B.M.

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