sábado, 12 de julho de 2008

JOSÉ RELVAS, O CONSPIRADOR CONTEMPLATIVO



A exposição, que decorre no Parlamento, subordinada ao título supra referido, e que o Almanaque Republicano procurou divulgar na blogosfera, mostra como é importante recuperar a memória. Neste caso, a memória sobre uma figura da República e esperemos que outras sejam a seu tempo recordadas.

Um povo sem memória e consequentemente sem história é, sempre, a nosso ver, um povo sem futuro, porque não conhece o seu passado. Não acreditamos que isso venha a acontecer em Portugal, mas assiste-se a uma tendência cada vez maior para se valorizar só o momento que se vive, como se nada do que acontece tenha a ver com o que já passou. Quer se queira quer não, o passado projecta-se sempre no futuro. É uma inevitabilidade, mas que muitos, em particular os órgãos de comunicação, tendem a fazer-nos esquecer. Os assuntos tratados consomem/absorvem a vida das populações que depressa viram as suas atenções para novos temas, mesmo que muitas vezes não conheçam o epílogo dos assuntos. As consequências dos acontecimentos são muitas vezes omitidas ou mesmo esquecidas porque o frenesim é permanente.

Neste momento, quando se avizinha o centenário da República é fundamental não esquecer que a História não procura fazer julgamentos a posteriori, como ainda se vê em alguns sítios. Todos temos consciência que qualquer ser humano tem atitudes, comportamentos, decisões com as quais podemos ou não concordar, mas procuraremos estar afastados dessas atitudes mais radicais que ainda vão por aí pontuando a paisagem. Não estamos a viver em 1930, estamos em 2008, e somos capazes de analisar o que consideramos correcto e o que podemos designar de erros, mas muitas vezes os participantes nos acontecimentos não conseguiram o distanciamento para admitir ou reconhecer a falha cometida.

Temos elaborado diversas biografias ao longo deste tempo, e esperamos conseguir criar bastantes mais, mas tentamos sempre manter a figura que estamos a dar a descobrir a alguma distância. Evitaremos o elogio simples, porque também sabemos que não estamos perante seres perfeitos, nem nós somos perfeitos, mas que, no seu tempo, procuraram fazer o que podiam e sabiam, condicionados que estavam, como todos nós, por uma sociedade e uma economia que não conseguiam controlar.

José Relvas foi um homem que viveu intensamente a sua época. Envolveu-se politicamente e tomou opções sobre os mais variados assuntos. Concordamos com João Bonifácio Serra quando afirmou, na abertura da Exposição sobre a personalidade em causa: uma figura singular, das mais fascinantes do Portugal das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, José Relvas. Porque era um homem que podia fazer a sua vida sem grandes perturbações, já que os seus meios económicos eram significativos e não procurava na política mais do que uma forma de melhorar o país onde vivia. Para além disso, era uma pessoa com maturidade (50 anos) quando decidiu envolver-se na vida política de forma activa, quando, normalmente, as pessoas iniciam essa actividade bastante mais jovens.

A pesquisa elaborada pelo Doutor João B. Serra para construir a biografia de José Relvas, que ficamos a aguardar com expectativa, mostra que ainda existem muitos dados pouco conhecidos sobre a personalidade. Afirmou este investigador na sessão inaugural da exposição: Para José Relvas, a existência tinha uma ética e uma estética. A ética cumpriu-a na acção associativa e política e no programa de mudança do regime e reforma das instituições – o conspirador. A estética cumpriu-a na reunião de um património artístico – o contemplativo.

Uma personalidade como José Relvas, marcada por uma vida que poderia ser adaptada a cinema ou televisão, porque viveu um pouco de tudo. O sucesso na política e nas finanças e a tragédia na vida famíliar. A vida é, de facto, cheia de contradições, mesmo muitas vezes para os mais famosos.

Recomendamos portanto, novamente, uma visita ao Parlamento, para conhecer melhor a figura de José Relvas, o conspirador contemplativo.

NOTA FINAL: O agradecimento público ao Doutor João B. Serra, que amavelmente nos forneceu a sua declaração na abertura da exposição.

A.A.B.M.

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