quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

REGICÍDIO - EVOCAÇÕES PELO PAÍS


REGICÍDIO - EVOCAÇÕES PELO PAÍS

Amanhã e durante os próximos dias vão realizar-se pelo País diversas evocações sobre os acontecimentos de 1 de Fevereiro de 1908, assinalando-se o Centenário do Regicídio. Este facto, que conduziu à instalação do regime republicano que nos governa até hoje, não pode também ser dissociado da data de hoje, 31 de Janeiro, data em que se assinala a eclosão da primeira tentativa de revolta republicana. O 31 de Janeiro de 1891, já foi assinalado pelo Almanaque Republicano há um ano atrás e pode ser consultado aqui.

Realizando uma pesquisa rápida encontramos eventos em Castro Verde, Aveiro, Santarém, Lisboa e Coimbra, mas certamente que outros existirão pelo País, simplesmente não obtêm divulgação.

A Câmara Municipal de Castro Verde desencadeou já, o que é de assinalar, um vasto programa que serve para comemorar o Centenário da Implantação da República. Assim, aproveitando a efeméride do Regicídio, publica um livro Crónica do Regicida Invisível- Alfredo Luís da Costa (natural de Casével - Castro Verde), elaborado por Paulo Barriga ; realiza uma exposição sobre a República, com a colaboração do Museu República e Resistência; descerra uma lápide evocativa de Alfredo Luís da Costa e lança outro livro sobre o evento 1908 - UM OLHAR SOBRE O REGICÍDIO, da autoria de Margarida Magalhães Ramalho, entre outros acontecimentos.

Na Câmara Municipal de Aveiro, as actividades decorrerão no Museu da Cidade de Aveiro e constam de uma pequena mostra documental incluindo imprensa aveirense da época intitulada O regicídio… em Aveiro e D. Carlos, o rei que amava o mar constituem uma exposição documental que estará patente no Museu da Cidade de Aveiro, de 1 a 10 de Fevereiro, de Terça-feira a Domingo, das 10.00 às 19.00 horas.

Também Santarém, na Biblioteca Braamcamp Freire/Biblioteca Municipal, se realiza uma exposição evocativa do Regicídio, consta de uma exposição bibliográfica e documental sobre acontecimento histórico que mudou o rumo político do país. Esta exposição decorre entre 1 e 29 de Fevereiro.

Em Lisboa, já assinalamos alguns acontecimentos a realizar na Biblioteca República e Resistência e na Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Finalmente, em Coimbra, realiza-se dias 1 e 2 de Fevereiro, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, um colóquio organizado pela Associação Cultural Alternativa, que conta com as presenças do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, de Pignatelli Queirós e Amadeu Carvalho Homem no primeiro dia e Fernando Fava, Miguel Santos, Isabel Nobre Vargues, Noémia Malva Novais e António Reis ,no segundo dia, para analisarem o Regicídio nas suas diferentes abordagens. Certamente muito interessante dada a qualidade dos intervenientes. Ainda em Coimbra, na Casa Municipal da Cultura, está também a decorrer uma exposição documental sobre esta temática.

Ficam aqui algumas sugestões para os próximos dias, aproveitando os eventos culturais que diversas autarquias vão organizando por esse País fora, para fomentar o gosto pela História e os seus múltiplos acontecimentos e leituras variadas.

A.A.B.M.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O REGICÍDIO - NOTAS VÁRIAS


A propósito desta pequena colecção de dados sobre o Regicídio, aconselhamos, desculpem-nos a imodéstia, alguns locais de interesse a visitar para saber mais sobre este assunto.

Nos últimos dias têm aparecido alguns contributos interessantes sobre esta temática. Por exemplo, a Fundação Mário Soares disponibilizou documentos importantes dos seus valiosos arquivos. A consultar com toda a atenção.

Também na Hemeroteca de Lisboa vai realizar-se uma mostra bibliográfica e documental sobre o Regicídio que estará patente no Átrio e Escadaria da Hemeroteca. A inauguração será a 2 Fevereiro, estando em exibição até 29 de Fevereiro. Durante esse período realiza-se também um conjunto de quatro conferências sobre o acontecimento. A primeira no dia 7 de Fevereiro, conta com a presença de Eduardo Teixeira, que apresentará um trabalho intitulado O Regicídio de 1908, Impacto nos jornais portugueses.

No dia 14, nova conferência por Joaquim Vieira (Observatório da Imprensa) e Reto Monico (Investigador e Professor de História na Suiça) sobre O Regicídio de 1908, Impacto na Imprensa Estrangeira.

Na semana seguinte, dia 21, realiza-se a terceira conferência deste ciclo de quatro com Elisabete Rocha (CML/HML)que propões uma abordagem sobre O Regicídio de 1908, Ilustração de Imprensa.

Finalmente, no dia 28 de Fevereiro, Álvaro Costa de Matos(CML/HML), propõe-se realizar um balanço da questão, apresentando um trabalho intitulado O Regicídio de 1908. O Estado da Questãopor

Todas as sessões estão previstas iniciar-se pelas 18 h e decorrerão na Sala do Espelho, na Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Por seu lado, na História Aberta, foi publicado mais um documento sobre os acontecimentos de 1 de Fevereiro de 1908, neste caso com base no Diário de D.Manuel II.

Também, José Tomaz de Mello Breyner, no Regicídio In Memoriam, apresenta textos do Diário de D. Manuel II, numa perspectiva claramente dominada pela defesa da Monarquia.

No site da Associação República e Laicidade, sob o título "O Atentado de 1 de Fevereiro/Regícidio", apresenta-se extractos de textos, sobre o acontecimento, de Carlos Ferrão, Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, D. Manuel II, fotos e documentos sobre Manuel Buiça e Alfredo Costa, iconografia e filme sobre o Regicídio.

Estes são alguns dos eventos e locais interessantes a percorrer, para aprender e saber mais sobre os mistérios que envolvem o Regicídio.

[em continuação]

A.A.B.M.

REGICÍDIO - OS ACONTECIMENTOS DE PORTUGAL


Regicídio - Os Acontecimentos de Portugal

Postal ilustrado, edição francesa (?), sobre "Les Événements du Portugal" de 1908. À esquerda, o Rei D. Carlos I, o príncipe D. Luís Filipe (Duque de Bragança), ambos assassinados; em seguida, a Rainha D. Amélia e D. Manuel (futuro rei). Em baixo reprodução do Terreiro do Paço.

J.M.M.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O REGICÍDIO - OS ACONTECIMENTOS NA IMPRENSA DA PROVÍNCIA

De seguida, apresentamos alguns exemplos de como foi recebida na província a notícia do atentado contra D. Carlos e o princípe herdeiro D. Luis Filipe.

Aproveitamos a existência de algumas publicações periódicas da época que estão disponíveis online aqui e aqui, para dar uma noção ainda que pouco abrangente da multiplicidade de situações que se verificaram em Portugal nos dias subsequentes ao Regicídio.

O Campeão das Províncias, de Aveiro, publicava esta capa dias depois dos acontecimentos.




Ainda em Aveiro, o semanário Districto de Aveiro, apresentava em primeira página o tema desta forma que se pode visualizar abaixo.



Por seu lado, o jornal republicano de Aveiro, dirigido por Francisco Manuel Homem Cristo, o Povo de Aveiro, apresentava este início de artigo sobre o problema do Regicídio.



Finalmente, O Vilacondense, de Vila do Conde, apresentava uma nota sobre o acontecimento que pode ser vista de seguida.



Fica aqui uma amostra da diversidade de opiniões que percorria o País em 1908. Muitas outras estão ainda por divulgar.

[a continuar]

A.A.B.M.

CARTA D'EL REI D. CARLOS I


Carta D'El Rei D. Carlos I

"9-5-907

Meu querido João

Depois da nossa conversa tive varias outras noticias de differentes origens que todas confirmam a maneira de vêr e de proceder em que hontem ficamos de accordo. Vamos por certo ter uma campanha sobretudo contra nós dois, mas para isso é que cá estamos. Campanha baseada na minha carta ao Hintze, e nas tuas antecedentes affirmações.
Mas a minha carta ao Hintze não condemna em absoluto as dictaduras. Dizia que n'aquelle momento as não achava convenientes, o que não queria dizer que n'outros, e este é um d'elles, eu não as acceite e, o que é mais, até as ache convenientes e necessarias. E ainda que eu tivesse declarado absolutamente o contrario, diria que não é homem de Estado, nem sabe servir o seu Paiz aquelle que julgando ter affirmado um erro, se não penitenceie d'elle e não esteja prompto, reconhecendo-o, a seguir caminho diverso que julgue mais opportuno e conveniente.
Quanto ás tuas affirmacões … provaste á saciedade que as quizeste seguir; deste uma sessão parlamentar, nunca vista, mas chegaste ao fim, como chegaram todos aquelles que estão de sangue frio e não levados por mesquinhas considerações pessoaes ou partidarias, convencido que não era d'alli que poderia vir o restabelecimento da disciplina social, nem o renascimento do nosso Paiz. N'este sentimento acompanha-te, acompanha-nos, por certo grande parte do Paiz; deixemos, pois, fallar quem falla e continuemos serenamente, com calma, mas com firmeza a nossa obra. N'este caminho encontrarás tu e os teus collegas todo o meu appoio o mais rasgado e o mais franco, porque considero que só assim, dadas as circumstancias em que nos encontramos, poderemos fazer alguma cousa boa e util para o nosso Paiz. Desculpa esta massada, mas tive receio que da nossa conversa d'hontem te tivesse ficado alguma duvida sobre a minha maneira de pensar.
Sempre teu amigo obrigado

Carlos R.
"

[in, Cartas D'El Rei D. Carlos I a João Franco Castello-Branco seu ultimo Presidente do Conselho, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1924, 5ª ed., p.119-120]

J.M.M.

domingo, 27 de janeiro de 2008

D. CARLOS


D. Carlos

" ... D. Carlos compreendia muito bem que o ‘rotativismo’ liberal estava esgotado, ou, pelo menos, que não resistiria à violência popular em Lisboa. Existiam duas soluções: reprimir pela força a agitação urbana (como a seguir se fez na ditadura) ou integrar o radicalismo no regime através de um novo arranjo partidário e de eleições, por assim dizer, ‘honestas’. Apoiando João Franco, o Rei tentou a ‘segunda via'. Sucede que a 'segunda via', com 62 por cento da população na agricultura e 75 por cento de analfabetos, para não falar da quase completa ausência de uma indústria fabril, era inteiramente ilusória. Tarde ou cedo acabava mal. Acabou cedo. Os políticos da monarquia e o Partido Republicano viram com alívio a morte do rei, que imediatamente os salvava. Mas D. Carlos tornara impraticável um regresso pacífico ao ‘rotativismo’ e, depois de uns meses de absoluta desordem, veio a revolução ..."

[Vasco Pulido Valente, in D. Carlos, jornal Público, 26/02/2008]

J.M.M.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O REGICÍDIO (PARTE I)

NOVIDADES BIBLIOGRÁFICAS

A propósito do Centenário do Regicídio têm sido publicados diversos livros sobre a personalidade do Rei D. Carlos e os factos trágicos que envolvem a sua morte. Nalguns casos recuperaram-se também edições antigas e que há muito tinham saído do mercado.

São diferentes leituras sobre a personalidade, o tempo, os acontecimentos e a vida de um país que estava em profunda turbulência. As conspirações, as sociedades secretas, as tragédias que envolvem todo este período suscitam paixões e ódios que muitas vezes dificultam a vida de quem estuda a época e pretende uma leitura mais neutra dos factos. Mesmo cem anos após os acontecimentos ainda há questões não resolvidas. Este facto alimenta a imaginação dos escritores e obriga-os a estudar novamente a época com outros olhos e uma atitude diferente. Curioso, no entanto, é o facto de, sobre estes acontecimentos, existirem ainda poucos romances que tenham como pano de fundo esta época.

Após a leitura da revista Os Meus Livros, que habitualmente adquirimos, foi possível encontrar um conjunto de referências bibliográficas recentes sobre o Regicídio, algumas que já conhecíamos e outras que, infelizmente, não tivemos conhecimento atempadamente.




- Regicídio. A Contagem Decrescente, por Jorge Morais, já tinhamos conhecimento e divulgamos oportunamente esta obra aqui.








- D. Carlos - A Vida e o Assassinato de um Rei, por José Manuel de Castro Pinto, publicado ainda em 2007, já tivemos oportunidade de o folhear em algumas livrarias.











- Mataram o Rei! O Regicídio na Imprensa Internacional, por Joaquim Vieira e Reto Mónico. Não conhecemos esta obra, no entanto lamentamos ainda não a ter encontrado, pois seria sempre interessante saber o impacto que esta notícia teve noutros países e como foi recebida pela imprensa desses países.









- O Regicídio, por Alice Samara e Rui Tavares. Penso que é uma edição muito recente que ainda não foi possível consultar ou adquirir, porém os seus autores dão garantias de um trabalho bem conseguido. Sobretudo demonstrando capacidade de investigação e interpretação das fontes consultadas. Vamos tentar encontrar e emitir a nossa opinião sobre esta obra nos próximos tempos.






- A República Nunca Existiu!, coordenado por Octávio dos Santos. Conjunto de contos de vários autores, sobre o Regicídio e a Implantação da República por autores de cariz monárquico. Não conhecemos.









- O Regicídio, por Rocha Martins, foi uma das obras que foi recentemente reeditada, a propósito do Centenário. Uma iniciativa feliz, pois são sempre obras bem ilustradas e com um texto jornalístico, muito típico de Rocha Martins, mas que fez bastante sucesso no seu tempo, permitindo-lhe a publicação de númeras obras de pendor histórico, especialmente sobre a queda da Monarquia. A rever com toda a atenção.









Finalmente, aguarda-se com expectativa a obra que o sítio monárquico que assinala o Regicídio tem vindo a divulgar. Esta obra conta com a colaboração de vários autores onde se destacam: Mendo Castro Henriques, Maria João Medeiros, João Mendes Rosa, Jaime Regalado e Luiz Alberto Moniz Bandeira, intitulado Dossier Regicídio - O Processo Desaparecido.

Nos próximos dias continuaremos com outras obras dedicadas ao Regicídio publicadas ao longo do tempo e que temos conhecimento.

A.A.B.M.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O REGICÍDIO - COLÓQUIO


Nos próximos dias 8 e 9 de Fevereiro realizar-se-á, em Lisboa, para assinalar o Centenário do Regicídio (1908-2008) um colóquio que resulta de uma parceria entre Instituto de História Contemporânea e o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX.

São coordenadores científicos do colóquio os Professores Vítor Neto e Maria Alice Samara. Este encontro, com entrada livre, decorrerá na Sala do Conselho – União de Associações do Comércio e Serviços (Rua Castilho, 14) entre as 9.30 h e as 19 h, na sexta-feira e entre as 9.30 h e as 17 h, no sábado.

Os acontecimentos de há cem anos serão analisados em seis campos diferentes, a saber:

I - CONJUNTURA POLÍTICA 1906-1908
II - ACONTECIMENTOS E PROTAGONISTAS
III - DOUTRINAS E ORGANIZAÇÕES
IV - NOTÍCIAS SOBRE O ATENTADO E COMUNIDADE INTERNACIONAL
V - CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS
VI - ANÁLISE COMPARATIVA

Conta com a intervenção de dezoito investigadores nacionais e internacionais onde se destacam: José Miguel Sardica, Miguel Sanches de Baêna e Jorge Morais, António Pedro Vicente, Fernando Catroga, António Ventura, João Madeira, António Lopes, Paulo Jorge Fernandes, Rui Tavares, Maria Alice Samara, Carlos Cordeiro, Vítor Neto, Alberto di Bernardi, Juan Avilés Farré, Steffano Salmi, entre outros.

O programa completo do colóquio pode ser consultado aqui.

A.A.B.M.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

DO 28 DE JANEIRO DE 1908 AO REGICÍDIO DE D. CARLOS


No longo processo que conduz à implantação da República, não podemos deixar de assinalar, o conjunto de factos que aconteciam neste nosso recanto, há um século atrás. Para que não fique dúvidas, assinalamos, não comemoramos. Já que não concordamos com os métodos violentos para alcançar o poder, mas reconhecemos a sua existência e não a podemos omitir. Por outro lado, porque a morte de alguém para conquistar o poder mostrava ainda as dificuldades por que passava o Partido Republicano para se afirmar, mesmo num momento em que os partidos monárquicos se degladiavam entre si, surgindo dissidências que eram muito críticas em relação ao poder estabelecido. D. Carlos acaba por viver tragicamente uma época, onde as ideias políticas eram aproveitadas, tal como ainda hoje, para destruir personalidades e para denegrir com boatos, provocar erros e lançar descrédito.

Na sua chegada ao poder em Outubro de 1889, D. Carlos enfrenta de imediato os graves problemas suscitados pela Inglaterra na região africana (consequência da Conferência de Berlim), que vão culminar de forma pouco edificante no Ultimato Inglês e no tratado secreto com a Grã-Bretanha, onde se procede á entrega dos territórios entre Angola e Moçambique, no convénio de 20 de Agosto de 1890. Segundo afirmou César da Silva, "se o Ultimatum fora um ultraje, o tal projecto de tratado (...) representava coisa muito pior" [César da Silva, A Derrocada de um Trono. Crónica dos Últimos Reinados em Portugal (1889 -1910), João Romano Torres Editores, Lisboa, 1922, p. 57].

A situação política e económica em Portugal torna-se gradualmente mais complexa e tensa. Por um lado, eclode no Porto a revolta republicana de 31 de Janeiro que leva muitos republicanos implicados a viver no exílio ou a serem degredados para as colónias portuguesas. Muitos destes homens que se viram forçados a partir acabaram por nunca perdoar a atitude persecutória da Monarquia simplesmente porque tinham ideias políticas diferentes. Além disso, a situação económica agrava-se muito nesse período, entrando o país em falência. Procede-se à desvalorização da moeda, regista-se o aumento do desemprego e estabelece-se a pauta proteccionista a partir de 1892.

Nos últimos anos do seu reinado, D. Carlos confronta-se com sucessivos escândalos que são aproveitados pela imprensa republicana da época, particularmente O Mundo e A Luta, para incutir os princípios republicanos de governação. A reorganização que o Partido Republicano inicia em 1903, começa a conquistar visibilidade pública e a conquistar eleitores em 1906 com a eleição de quatro deputados republicanos: Afonso Costa, António José de Almeida, Alexandre Braga e João de Meneses.

A entrega do Governo a João Franco, para iniciar uma ditadura, assume também uma importância preponderante, porque as medidas legislativas contra a imprensa para tentar abafar os escândalos como: os sanatórios da Madeira, os monopólios dos fósforos, do tabaco e o problema dos adiantamentos à Casa Real, só contribuíram para fomentar a conspiração e desencadear tentativas de golpe de Estado.

Os republicanos com uma campanha cada vez mais organizada, devido à sua imprensa espalhada por todo o País; bons oradores nos comícios públicos; concertando acções com as sociedades secretas como a Carbonária e a Maçonaria; desenvolvendo um conjunto de iniciativas contra a ditadura de João Franco; e, desmontando e criticando todos os argumentos, por mais inteligentes e inatacáveis que pudessem ser, para os transformar em armas de arremesso contra a Monarquia que era representada naquela época pela personalidade de D. Carlos. Estes factos acabaram por conduzir à tentativa fracassada de 28 de Janeiro de 1908.

Nessa data estava prevista iniciar-se a revolta republicana, mas a polícia tomou conhecimento dos factos e procedeu de imediato a um conjunto de detenções. Em 21 de Janeiro foram detidos: João Chagas, Alfredo Leal, Vítor de Sousa e, dias mais tarde, o Visconde da Ribeira Brava, João Pinto dos Santos, o Dr. Egas Moniz, [em cima, da esquerda para a direita, na foto] que eram dissidentes da Monarquia e dos líderes republicanos Afonso Costa, António José de Almeida e Álvaro Pope que foram presos no Elevador da Biblioteca, de onde deveria partir o sinal para iniciar a revolta. Foram ainda detidos vários populares e houve mesmo tiroteio entre a polícia e alguns grupos suspeitos de que resultaram um morto e vários feridos.

No entanto, a conspiração continuava a avançar nos meandros das sociedades secretas. Os acontecimentos tornam-se ainda mais complexos quando João Franco propõe um decreto que visava a deportação dos anarquistas e republicanos envolvidos em actividades revolucionárias, assinado pelo rei em 31 de Janeiro de 1908, em Vila Viçosa. No dia seguinte, no regresso a Lisboa, desenrolam-se os acontecimentos que ficaram conhecidos como o Regicídio.

Nos próximos dias, o Almanaque Republicano propõe-se recordar alguns títulos, acontecimentos, imagens e biografias dos intervenientes nesta época.

A.A.B.M.

DO 28 DE JANEIRO DE 1908 AO REGICÍDIO


Nos próximos dias 28 e 29 de Janeiro de 2008, no espaço Cidade Universitária da Biblioteca Museu República e Resistência vai realizar-se uma conferência seguida de debate subordinada ao tema Da intentona do Elevador ao Regicídio. Cinco dias que abalaram Portugal. Participam no debate, com as suas reflexões e pesquisa António Reis (Professor de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano) e António Valdemar (jornalista e sócio correspondente da Classe de Letras, na secção de Literatura e Estudos Literários da Academia das Ciências de Lisboa).

Participa como moderador no debate o investigador e escritor Jorge Morais, autor entre outras da obra recentemente publicada Regicídio. A Contagem Decrescente, que o Almanaque Republicano também divulgou aqui.

A sessão terá início pelas 18.30h.

No dia seguinte, no referido espaço e horário, decorrerá nova sessão com a participação de Francisco Carromeu, autor do Dicionário da Carbonária e doutorando da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Este autor vai analisar a repressão do movimento de 28 de Janeiro e sobre o regicídio, no quadro da vigência da ditadura de João Franco.

O Espaço Cidade Universitária da Biblioteca Museu República e Resistência situa-se na Rua Alberto de Sousa, 10A, Zona B do Rêgo, em Lisboa (Telef.: 217802760 e Fax: 217802788).

Um conjunto de sessões a não perder.

A.A.B.M.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

EFEMÉRIDES: JANEIRO DE 1908


Dia 4
- Em Vila Nova de Ourém, realizou-se o registo civil de baptismo de uma filha de Artur de Oliveira Santos que recebeu o nome de Democracia. Foram testemunhas do acto Álvaro Mendes e Joaquim Fernandes Cordeiro. Era, segundo as nossas fontes, o segundo registo civil de nascimento em Ourém.

Dia 5
- Eleição da Comissão Municipal Republicana de Azeitão. Eram membros efectivos: Lino [Leão?] Magno Azedo, médico; Joaquim Brandão, solicitador; Emílio Fernandes Otero, comerciante; José Augusto Coelho, comerciante; João Augusto dos Santos, proprietário. Participavam ainda como membros substitutos: António Casimiro Arronches Junqueiro, proprietário; Manuel Libório, comerciante; Manuel João d’Almeida, industrial; Joaquim dos Santos Fernandes, proprietário; Abílio Antão de Carvalho, farmacêutico.
- Realizou-se também a eleição para a Comissão Paroquial Republicana de Azeitão, onde participavam como membros efectivos: Manuel Pedro Soares, proprietário; Joaquim António dos Santos, comerciante; José Anastácio Esteves, comerciante. Foram eleitos como substitutos: Manuel Luís dos Santos, proprietário; António José da Silveira, industrial; Francisco Simões Valido Júnior, industrial.

Dia 6-
Início de mais uma Missão das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, desta feita em Mangualde, apoiada pelos republicanos locais, onde se destacava o Dr. Pessoa Ferreira.

Dia 7´
- Na Sociedade Promotora de Instrução realizou-se uma cerimónia de homenagem ao cidadão João de Oliveira Miguens, assinalando o primeiro aniversário do seu falecimento. Na sede da Sociedade Promotora de Educação Popular, Rua de Alcântara, 2º andar, discursaram: Inácio da Conceição Estrela, Fernão Boto Machado, Fernão Pires, Joaquim Ferreira da Silva, Joaquim Ribeiro Moita e Arnaldo de Carvalho que teceram elogios e enalteceram a figura de João de Oliveira Miguens.

Dia 8-
O jornal Independência de Águeda, que se publicava naquele concelho desde 1903, declarou-se republicano. Colaboravam nesse periódico aguedense, entre outros: António José de Almeida e Albano Coutinho. Tornou-se o órgão da Comissão Municipal Republicana de Águeda.

Dia 9
- Foi eleita a Comissão Paroquial Republicana de Alpiarça. Da comissão paroquial faziam parte os seguintes membros efectivos: José Relvas, José Malhou, Dr. João Costa, Jacinto Falcão, António Meira, Ricardo Durão, Manuel Duarte Mendonça, Joaquim Fernão Pires, Florindo Agostinho, António Cristóvão, José Nunes Pedro. Eram membros da comissão executiva eleitoral republicana: José Relvas, José Malhou, Dr. João Costa, Dr. Joaquim Romão, Dr. Joaquim Duarte Governo, Ricardo Durão, António Meira, Jacinto dos Mártires Falcão, Florindo Agostinho, António Cristóvão, Joaquim Duarte, José Leonardo Gomes, José Nunes Pedro, António Martins dos Santos, José Raposo, Joaquim Moreira, Joaquim José Coutinho, Raimundo Mendes, Francisco Varela, José dos Santos Duarte, José Lourenço Pereira, Isidoro Correia Santos, Manuel da Silva Tendeiro, Manuel Jorge da Câmara, João Coimbra Júnior, Eduardo Freitas, Manuel Duarte e Jacinto Maria Nunes.

Dia 11
- Termina o julgamento do antigo director do semanário republicano em Beja, Nove de Julho, o cidadão Filipe Fernandes. Foi seu advogado de defesa o Dr. João de Meneses, que conseguiu a absolvição do crime de liberdade de imprensa, por ter publicado artigos considerados passíveis de crime sobre a questão dos adiantamentos à Casa Real.

Dia 12
- Maria Veleda [pseudónimo de Maria Carolina Frederico Crispim], realizou uma conferência no Centro Escolar Dr. Afonso Costa, conforme tinha sido anunciado. O sr. Alves Torgo fez a apresentação da conferente. Entre as muitas ideias da autora transcritas pela imprensa republicana salientam-se: “a criação dos cursos gratuitos para mulheres deve ser o principal objectivo da propaganda feminista”; “a educadora natural do cidadão é a mãe”; “as boas feministas não pretendem ser superiores ao homem. Querem ter direitos como ele, querem deixar de ser escravas. A mulher educadora deve interessar-se não só pela educação da mulher do povo, mas também pela sorte dessas infelizes, a quem a ignorância e a miséria lançaram no abismo da prostituição”; “Não há profissões incompatíveis com a dignidade feminina. O trabalho é sempre honesto”; “negam-se direitos às mulheres, porque dizem, entre outros argumentos, os anti-feministas: a mulher não paga imposto de sangue”; “É um erro. A mulher paga um imposto muito maior, paga o imposto da maternidade”; “Pouco importa que lhes seja concedido ou não o sufrágio. As mulheres devem ter o direito de votar, mas não deverão fazer uso dele, enquanto as eleições forem uma farsa ignóbil, uma galopinagem indecente. Quando os homens estiverem todos devidamente educados, as mulheres poderão ser eleitoras. Educar a mulher, é, portanto, uma obra mais do que patriótica: - é uma obra de solidariedade universal”.
- Agostinho Fortes realizou uma conferência no Grémio José Fontana subordinada ao tema: As crenças do homem moderno, no seu antagonismo com as religiões reveladas. O Ateísmo e o Humanitarismo.
- Constituiu-se a Comissão Municipal Republicana de Santa Comba Dão. Eram efectivos: Dr. José Henrique Gomes, médico e proprietário, presidente da comissão; João Neves da Silva Miranda, proprietário, vice-presidente; Miguel Paulo Ferreira Neves, proprietário, primeiro secretário; José Rodrigues da Costa Lemos, proprietário, segundo secretário; José Correia Pinto, proprietário, vogal. Como substitutos: António Ferreira Viegas, proprietário; António Correia Pinto, proprietário; António Moreira da Costa, proprietário; José Albino de Sousa, proprietário.

[Na foto, Maria Veleda, retirado da Associação de Professores de História, com a devida vénia.]

[a continuar.]

A.A.B.M.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

ULTIMATO INGLÊS: ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ESSENCIAIS

Algumas referências bibliográficas essenciais

Memórias:

- CABRAL, António, Os culpados da queda da monarquia: para a história, Livraria Popular de Francisco Franco,Lisboa, 1946.
- CARVALHO, Cristiano de, Revelações, Portucalense Editora, Barcelos, 1932.
- CRISTO, Francisco Manuel Homem, Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, VII vols. Lisboa, 1936 e ss.
- ENES, António, O Ultimatum visto por António Enes, Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1946.
- FERRAZ, Silva, A Infâmia. Carta a Sua Magestade El-Rei D. Carlos a propósito do conflicto anglo-portuguez, Typ. da Empreza Litterária e Typographica, Porto, 1890.
- MARTINS, Francisco José Rocha, D. Carlos. História do Seu Reinado, Estoril, 1927.
- MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira, Portugal em África, 1891.
- MENESES, Bourbon e, O Ultimatum de 1890 (Antecedentes do conflito anglo-português), Edições Excelsior, Lisboa, s.d.
- RIBEIRO, E. R. Hintze, Portugal e a Inglaterra. As Negociações do Tratado sobre os domínios de África, Lisboa, 1891.
- SALGADO, Heliodoro, A Insurreição de Janeiro, Typ. da Empreza Litterária e Typographica, Porto, 1894.
- TELES, Basílio, Do Ultimatum ao 31 de Janeiro (Esboço de história Política), Porto, 1905.


Estudos:

- BRISSOS, José – “O Tradicionalismo Miguelista Perante O Ultimatum Inglês de 1890”, Clio, Lisboa, N. s., vol. 2 (1997), p. 109- ?
- CASTELO- BRANCO, Fernando, “O Ultimatum e o Partido Republicano”, Arquivos do Centro Cultural Português, vol. V, Paris, 1972, p. 714-722.
- Coelho, Maria Teresa Pinto, Apocalipse e regeneração: o Ultimatum e a mitologia da Pátria na literatura finissecular, Lisboa, Edições Cosmos, 1996
- COUTINHO, Lourenço Pereira, Do Ultimato à República : política e diplomacia nas últimas décadas da monarquia, Lisboa, Prefácio, 2003.
- DÓRIA, António Álvaro, Movimentos Políticos do Porto no séc. XIX, Porto, 1963.
- FERREIRA, António Matos, "Repercussões do Ultimatum no meio católico: notas acerca do nacionalismo católico", Lusitânia Sacra, Lisboa, S.2, nº6, 1994, p. 31-45.
- GALA, José Luís Vaz e, A liga patriótica do Norte e a sua repercussão em Lisboa : propósitos e fontes de um trabalho, Sep. de Bol. da Bibl. Pública Municipal de Matosinhos, [Matosinhos : Biblioteca Municipal, 1988?], 32, 1988.
- GUEDES, Armando Marques, A Aliança Inglesa. Notas de História Diplomática, Lisboa, 1938.
- GUIMARÃES, Ângela, "O Ultimato inglês e o Mapa Cor-de-Rosa", Portugal no Mundo, vol. 3, Dir. Luís de Albuquerque, Selecções do Reader's Digest, Lisboa, 1993, p. 452-465.
- HOMEM, Amadeu Carvalho, “O Ultimato Inglês e a opinião pública”, Revista de História das Ideias, vol. 14, Coimbra, 1992, p. 281-296.
- HOMEM, Amadeu Carvalho, Memória sobre as causas do ultimato inglês de 1890, Sep. de Biblos, vol. LXI, 1985,[S.l., s.n., 1985?] (Coimbra : Imprensa de Coimbra), p. 453-471.
- HOMEM, Amadeu Carvalho, Para a história do republicanismo portuense - No período anterior ao ultimato, Biblos, Vol. 71, Coimbra. (1995), p. 361- ?
- HOMEM, Amadeu Carvalho, Para a História do Republicanismo Portuense no Período Anterior ao Ultimato, Ler história, Lisboa. Nº 38 (2000), p. 165 - ?
- JOÃO, Maria Isabel – “As reacções ao Ultimatum nos Açores”, Arquipélago. História, Ponta Delgada, S. 2, vol. 1, nº 2 (1995), p. 241 - ?
- LEAL, Ernesto Castro – “Opinião Pública na Província em 1890. Elementos de Agitação e Antropologia do Português Durante a Crise do "Ultimatum" Inglês”, Clio, Lisboa, N. s., vol. 3 (1998), p. 39- ?
- MAGALHÃES, Calvet de - O Ultimatum Britânico: Causas Imediatas e Reacção Interna, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, S. 108, nº 1/6 (1990), p. 31- ?
- MARQUES, António Henrique de Oliveira, “A Propósito do Ultimatum e do 31 de Janeiro”, Nova Renascença, nº 40, vol 10, Porto, 1991, p.159-165.
- MARTINS, Guilherme d’Oliveira, “Algumas notas sobre Oliveira Martins e o Ultimatum”, Nova Renascença, nº 40, vol 10, Porto, 1991, p.167-179.
- MEDINA, João, John Bull and Zé Povinho : the clash between two national stereotypes : a centennial remembrance of the 1890 British Ultimatum to Portugal, Sep. de Rev. Islenha, (10) Jan.-Jun. 1992, Madeira : Sec. Regional do Turismo, Cultura e Emigração, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 1992, p. 19-34.
- NOGUEIRA, Franco – “Ultimatum”, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, S. 108, nº 1/6 (1990), p. 47 - ?
- OLIVEIRA, Maurício de, Os Navios do Ultimato, Lisboa, 1946.
- PAIXÃO, Vítor Manuel Braga, “Cartas régias sobre o Ultimatum”, sep. Memórias da Academia das Ciências, Lisboa, 1963.
- PINTO, Rui M. Costa – “O sonho cor-de-rosa”, História, Lisboa, N. s., a.18, nº 26 (1996), p. 4 - ?
- RIBEIRO, Maria Manuela Tavares, Portugal entre o passado e o futuro : o reencontro da tradição atlântica, Sep. de: El dia después: España y sus ex-colonias tras el desastre del 98, Madrid, [s.n.], 1998, p. 259-290.
- SANTOS, Victor Marques dos, A questão africana e as relações luso-britânicas : 1884-1914, Lisboa, ISCSP, 2007.
- TEIXEIRA, Nuno Severiano, O Ultimatum Inglês: política externa e política interna no Portugal de 1890, Análise Social, nº 98, 1987.
- TEIXEIRA, Nuno Severiano, O Ultimatum inglês: política externa e política interna no Portugal de 1890, Lisboa, Alfa, 1990.

Internet

FREUDENTHAL, Aida, Voz de Angola em Tempo de Ultimato, Estudos Afro-Asiáticos, Ano 23, nº 1, 2001, p. 135-169. [http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n1/a06v23n1.pdf]

[Na imagem mais um dos trabalhos de Rafael Bordalo Pinheiro para a revista Pontos nos iii, que pode ser consultada na Hemeroteca Digital de Lisboa, com a devida vénia.]

A.A.B.M.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

ULTIMATO INGLÊS (1890)


Os acontecimentos que conduziram ao Ultimato de 11 de Janeiro de 1890, têm raízes profundas e longínquas no tempo. Pelo menos desde o Congresso de Viena de 1815, onde Portugal viu consagrados os direitos históricos, por ter sido o primeiro a chegar àquelas paragens, que outras potências coloniais europeias cobiçavam os territórios portugueses em África. Porém, a fraca ocupação efectiva do imenso território africano levantava dificuldades que um país com a dimensão, o atraso e a falta de meios, condicionava de sobremaneira.

Durante muito tempo África esteve abandonada pelos europeus, só o desenvolvimento da industrialização obrigou as potências industrializadas a encontrar novos produtos, novas fontes de matérias-primas e potenciais mercados para colocação de excedentes. Assim, a partir da segunda metade do século XIX, alguns países europeus investem de facto na exploração do interior africano, conhecendo os povos, os produtos, os animais e realizam expedições sucessivas para ocupar o território. Surgem novas povoações e a cultura europeia penetra nas florestas e sanzala africana.

As expedições de Magyar (1849-57), Welwitsch (1853-60), Livingstone (1854-57), Bastian (1857), Andersson (Cubango, 1859), Cameron (Bié, 1873-76), Lux e Pogge (Lunda, 1875-76), Schütt (Lunda, 1878-79), Buchner (1879-81) e Wissmann (Lunda 1881-84), procuram garantir um melhor conhecimento do continente para as diferentes potências europeias. Perante estas investidas, que podiam fazer perigar a presença portuguesa na região também os portugueses enviam expedições de reconhecimento, onde se destacam Silva Porto (1853), Capelo e Ivens (1877-1880), António Maria Cardoso (1883), Capelo e Ivens (1884-1885), Henrique de Carvalho (1884-1885) e Serpa Pinto (1885-1886).

A crescente disputa dos territórios em África conduz à criação da Sociedade de Geografia de Lisboa (1876), fundada por homens como Luciano Cordeiro, João Cândido de Morais, Cândido de Figueiredo, Agostinho Lúcio da Silva e Rodrigo Afonso Pequito. Estes propunham-se desenvolver a exploração do continente africano, o que face aos problemas levantados na Conferência de Berlim (1884-1885), vão tentar desenhar o que ficou conhecido como Mapa Cor-de-Rosa.

A situação começa a ficar mais tensa com a acção de Serpa Pinto em Novembro de 1887, quando os ingleses se queixam formalmente de que Portugal, através das tropas de Serpa Pinto, atacava os Makocolos, etnia que os ingleses consideravam sob sua protecção. O representante inglês pede que não fosse permitido “às forças portuguesas qualquer ataque às estações britânicas do Niassa ou do Chire, nem ao país dos Makocolos, e além disso que não consentirá que ataquem Lubengula, ou qualquer outro território que se tenha declarado sob a protecção da Grã-Bretanha”. Portugal atrasa o mais possível a resposta a esta situação, respondendo só em Dezembro de 1889 através do ministro Barros Gomes, que se limita a apresentar a versão portuguesa dos factos. Perante esta atitude, o governo britânico responde com a seguinte missiva:

O Governo de Sua Majestade Britânica não pode aceitar, como satisfatórias ou suficientes, as seguranças dadas pelo Governo Português, tais como as interpreta.
O Cônsul interino de Sua Majestade em Moçambique telegrafou, citando o próprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda ocupando o Chire, e que Katunga e outros lugares mais no território dos Makololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o Governo de Sua Majestade deseja e em que mais insiste é no seguinte:
Que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas actualmente no Chire e nos países dos Makololos e Mashonas se retirem.
O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, as seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias.
Mr. Petre ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa, com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade, Enchantress, está em Vigo esperando as suas ordens.
Legação Britânica, 11 de Janeiro de 1890.


Face a esta ameaça dos ingleses e reunido o Governo e o Conselho de Estado presidido pelo jovem monarca D. Carlos, decide-se responder ao Ultimato nestes termos:

Na presença duma ruptura iminente de relações com a Grã-Bretanha e de todas as consequências que dela poderiam talvez derivar, o Governo de S. M. resolveu ceder às exigências formuladas nos dois memorandos, a que alude, e, ressalvando por todas as formas os direitos da Coroa de Portugal às regiões africanas de que se trata; e bem assim, pelo direito que lhe confere o artº 12 do Acto Geral de Berlim, de ser resolvido definitivamente o assunto em litígio por uma mediação ou por uma arbitragem, o Governo de S. M. vai expedir para o Governador Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha.

A cedência de Portugal aos interesses da Grã-Bretanha provoca um coro de protestos que percorre todo o território. Organizam-se manifestações por todo o lado, surgem comissões para angariar fundos e combater os ingleses, mas quem aproveita este acontecimento para conquistar maior visibilidade política são os republicanos. Basílio Teles considerou o Ultimato “o acontecimento mais considerável que, desde as invasões napoleónicas, abalou a sociedade portuguesa”, mais, afirmou: “este dia valeu séculos: este momento, à semelhança de outros que conhecemos da História, resumiu, na sua intensa brevidade, todo um passado doloroso, e esboçou, numa forma indecisa, o segredo dum futuro perturbante”. Por seu lado, Guerra Junqueiro, na sua obra Finis Patriae acusava: Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente// Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?

O sentimento de instabilidade e insegurança instala-se, o governo progressista demite-se, substituído por outro regenerador. Surgem subscrições para tentar angariar fundos e adquirir navios de guerra, boicotam-se os produtos ingleses, surge A Portuguesa, que se vai tornar o hino da República, da autoria de Lopes de Mendonça e Alfredo Keil.

No Porto, Antero de Quental, Sampaio Bruno e Basílio Teles dirigem a Liga Patriótica do Norte. Em Lisboa, os militares fundam a Liga Liberal. Porém, Eça de Queirós, com a sua sagacidade observava:”bradar nas ruas contra a Inglaterra, elaborar manifestos, fundar comissões, agitar archotes, desfraldar bandeiras, abater tabuletas, não nos parecem na verdade os modos dum povo, que sob o impulso do patriotismo, se prepara para a regeneração: antes se nos afiguram os modos de um povo que, através do patriotismo se está educando para a insurreição”.

De facto, a agitação provocada pelo Ultimato tem poucos ou nenhuns efeitos práticos. Em Agosto desse ano, Portugal e Grã-Bretanha assinam um tratado onde Portugal cede os territórios do interior africano aos ingleses, satisfazendo os interesses de Cecil Rhodes, que alimentava o sonho de ligar a cidade do Cabo à cidade do Cairo, atravessando o continente negro. Por outro lado, conspirava-se cada vez com mais intensidade visando derrubar a Monarquia, o que viria a originar a revolta de 31 de Janeiro de 1891.

A.A.B.M.

"THE FIERCE LITTLE PORTUGUESE"


"The fierce little portuguese"

Legenda: "(Salisbury para Wolseley) – Ponha-me esse macaco em cima d’uma cadeira, Wolseley, a ver a vista que faz."

"O Moonshine, jornal de caricaturas de Londres – uma espécie de Punch com peor aguardente – dá-nos de presente a gentileza que acima reproduzimos, e que nos põe de macacos trajando de generaes Bouens, entre um estadista pulha, e um bandoleiro general. Como ironia, é pesado e tosco: como desforço d’imprensa, é pedantesco. O humor político da Gran-Bretanha cheira a vómito. Isto nos relevara de que o humor portuguez, ao referir-se á Inglaterra, cheire a ... outra coisa"

[in Pontos nos ii, jornal satírico de Rafael Bordalo Pinheiro, a 16 de Janeiro de 1890, p. 19]

J.M.M.

D. JOÃO DA CÂMARA, VIDA E OBRA - MOSTRA BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL



A Hemeroteca Municipal de Lisboa leva a cabo uma Mostra Documental - Átrio e Escadaria da Hemeroteca Municipal de Lisboa – que "tem por objectivo revisitar a obra literária de D. João da Câmara (1852-1908), com destaque para a sua actividade como dramaturgo e jornalista". No centenário da sua morte é, pois, uma "excelente oportunidade para recuperar e divulgar as peças de D. João da Câmara, o sucesso que teve na época, bem como a sua brilhante actividade como jornalista". A não perder. Ver programa, aqui.

Local: Hemeroteca Municipal de Lisboa - Átrio e Escadaria. Data: 2 a 31 de Janeiro.

J.M.M.

O ULTIMATO INGLÊS (11 DE JANEIRO DE 1890) VISTO PELOS REPUBLICANOS


“(…) A data afrontosa – 11 de Janeiro de 1890 – não poderá mais ser esquecida; porque pelo facto abrupto a que está ligada e pelas suas consequências, fixa o momento da convulsão profunda e da crise decisiva em que se acha a Nação portuguesa. Desde esse dia até ao completar-se um ano, a crise nacional só tem apresentado os francos caracteres de decomposição inevitável; os esforços para uma reorganização e revivescência da nacionalidade têm consistido em explosões sentimentais, sem plano e sem vontade de acção. E como o sentimento é sempre vago e ingénuo, fácil foi entorpecer as aspirações patrióticas pelas decepções, expedientes e embustes dos partidos exauctorados, e sobretudo pela incoerência dos que a si próprios procuram iludir-se, não querendo medir a intensidade do desastre.

O facto brutal do Ultimatum de 11 de Janeiro, que é uma desonra para a diplomacia europeia, que deixou um pequeno Estado ao abandono, diante do arbítrio de potência mercantil, essa moderna Cartago, que não conhece deveres, nem mutualidade, esse facto veio evidenciar a mais sinistra luz:
Que a monarquia é incapaz de manter a integridade do território português e a dignidade da sua autonomia, porque desde D. João I, 9 de Maio de 1386, até 20 de Agosto de 1890, todos os tratados com a Inglaterra têm sido feitos exclusivamente em benefício da segurança dinástica.

Que os governos monárquicos, que se têm sucedido no poder (ministros por confiança da coroa a parlamentos por candidaturas ministeriais) esgotaram esterilmente as forças económicas deste país, deixando-o desarmado e sem recursos para uma resistência natural contra a mais leve agressão estrangeira.
E, por último, que os partidos monárquicos, que monopolizam a governação, se exauctoram, dando as provas peremptórias de absoluta incapacidade governativa, defrontando-se com a questão vital a que está ligado o destina da Nação portuguesa, o qual neste momento obscuro da história se acha entregue ao acaso dos acontecimentos e não há vontade deliberada de altos caracteres.

Tiremos a lição dos factos. Em 11 de Janeiro de 1890, o partido progressista recuou desertando do poder, sem protesto, nem apelo às potências, como se os ministros fossem uns abnegados do governo inglês. A Nação portuguesa já não pode aceitar mais esse partido na gerência pública – é um falido de responsabilidade.
Desde 11 de Fevereiro, o partido regenerador, que explorara as manifestações patrióticas para apoderar-se do poder, sem protesto, infamando depois essas nobres manifestações com estigmas de arruaças, reprimindo as emoções da dignidade nacional com prisões discricionárias, atentando contra as liberdades públicas de imprensa e de associação, contra as franquias municipais, contra o acto generoso de uma subscrição para a defesa do país, estabelecendo alçadas especiais e repelindo a cooperação tardia das potências amigas, pediu ao próprio governo inglês que lhe ajudasse a salvar a dinastia contra a Nação, forçando esta por uma ditadura imbecil a uma atitude correcta, para depois, pelo tratado de 20 de Agosto [de 1890], cortar à vontade em carne morta. Esse partido enterrou-se sob o peso das iniquidades em que procurava firmar-se.

A morte dos dois partidos, progressista e regenerador, ficou patente e evidenciada pela prolongada interinidade ministerial. Essa estupenda acefalia conseguiu mascarar-se pelo processo gasto de uma Liga Liberal, a que se acolheu a debandada progressista e os ludibriados esquerdistas, lisonjeando a aspiração nacional pela fórmula mentirosa – de que não faziam questão da forma de governo.

De toda esta elaboração desagregativa surgiu o expediente deplorável de um governo extra-partidário, continuando a ditadura regeneradora e a doblez progressista [sic], mantendo o tratado de 20 de Agosto pela interinidade do modus vivendi, ocultando ao país todas as afrontas recebidas na espoliação da África, fechando o parlamento para fugir ao julgamento da publicidade, e esgotando o sentimento nacional, adormentando-o para consumar a fatalidade que pesa sobre nós todos.

Não satisfeitos ainda com a ruína política de Portugal, preparam a derrocada económica, consignando os rendimentos da nação a desvairados empréstimos, assinalando o fim do crédito a um país, e abrindo as portas à intervenção estrangeira, que não longe virá tomar conta das nossas alfândegas e vias férreas, pondo-nos em tutela como um Egipto, para os credores se pagarem por suas mãos e nos espoliarem sob a égide dos seus governos.

Diante deste quadro de decomposição, é preciso ver claro: A monarquia, que já não proclama a ficção de manter a nossa integridade, e que se sustenta provisoriamente pelo nosso desmembramento, não tem apoio moral; mantém-se apenas pela indiferença geral. Os governos, que se alternam no poder, não têm pensamento, porque são adstritos ao interesse dinástico e sustentam-se com expedientes de momento e com favores egoístas das vontades que compram ou corrompem.

Somente as naturezas tímidas ou insensatas é que podem confiar-se na esperança já formulada pelos jornais conservadores: - Isto cai por si. Cai por si, é verdade, mas depôs de nos ter infeccionado com o vírus de uma decomposição irremediável. É preciso entrar, e de pronto, no caminho da recomposição nacional, de um modo deliberado e verdadeiramente digno. Que a Nação tome conta dos seus destinos. O que é a República, senão uma nacionalidade exercendo por si mesma a própria soberania, intervindo no exercício normal das suas funções e magistraturas? No estado actual da crise portuguesa só existe uma solução nacional, prática e salvadora - a proclamação da República. Só assim acabarão os interesses egoístas que nos perturbam e vendem, só assim aparecerá uma geração nova capaz de civismo e de sacrifícios pela Pátria.

No momento que atravessamos não há lugar para demonstrações teóricas, nem para argumentar com os pedantocratas do constitucionalismo. Eles já deram as suas provas. Para a crise extrema, um supremo remédio. Diante da Pátria vilipendiada pelo egoísmo de um regime e pela inépcia de todos os partidários que o sustentam, seja a nossa divisa a bela frase dos homens de 1820, que souberam libertar Portugal do protectorado execrando de Beresford:

Uma só vontade nos una … para procedermos como herdeiros das nobres gerações de 1384, de 1640, de 1820 e de 1834, fazendo a obra gloriosa da reorganização de Portugal.(…)


Lisboa 11 de Janeiro de 1891
O Directório do Partido Republicano
Teófilo Braga
Bernardino Pinheiro
José Jacinto Nunes
Manuel de Arriaga
J. F. Azevedo e Silva
Francisco Cristo

(Manifesto do Partido Republicano Português)

A.A.B.M.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

DESTAQUES NA BRIGANTIA


Como já dissemos aqui, e após uma rápida leitura deste volume, três artigos nos suscitam maior interesse. Os dois primeiros sobre a figura de José Francisco Trindade Coelho, a que já fizemos referência aqui, e o terceiro sobre uma polémica entre Guerra Junqueiro e o Padre Sena Freitas.
No artigo de José Maria Cruz Pontes, intitulado Trindade Coelho. Cartas para António Corrêa d'Oliveira dá-se continuidade a um trabalho já iniciado no número anterior e que transcreve a epistolografia de Trindade Coelho para o poeta Corrêa d'Oliveira. Neste artigo analisa-se o conteúdo das cartas trocadas entre ambos e as sugestões que Trindade Coelho realizava ao trabalho do poeta Corrêa d'Oliveira. Concluindo com o paralelelismo entre a vida de ambos os escritores, os problemas pessoais, as dúvidas e sugestões, as questões profissionais e literárias.

Uma artigo muito interessante e fundamental para conhecer melhor as duas personalidades em questão. Reconhecendo o papel de Trindade Coelho ao ter descoberto e protegido Corrêa d'Oliveira durante algum tempo, empenhando-se na sua valorização enquanto poeta. Um trabalho que inclui a publicação de cartas que podem servir para a realização ou avanço de outras investigações, porque a epistolografia é fundamental para estudar a personalidade de alguém e as pesosas com quem se vai relacionando, permitindo descobrir facetas diferentes daquelas que muitas vezes se mostram em público.

De seguida, o vastíssimo e valioso trabalho de investigação e prospecção biobibliográfica realizada pelo professor Hirondino Fernandes, sobre a figura de Trindade Coelho. Este vai ser, em nossa opinião, um trabalho marcante e fundamental para quem quiser estudar a personalidade de Trindade Coelho. Seria mesmo merecedor de uma publicação autónoma, em livro, caso alguma editora o tivesse descoberto atempadamente.

Neste artigo é possível encontrar, se não toda, quase toda a produção literária e jonalística de José Francisco Trindade Coelho. Mais, teve a preocupação de agrupar a produção deste autor por anos e descobriu os diferentes pseudónimos que utilizou ao longo do tempo. Após uma breve nótula biográfica, inicia propriamente a descrever a bibliografia activa com os documentos manuscritos que se encontram no Museu do Abade de Baçal. Parte depois para o levantamento de todos os documentos impressos que foi possível encontrar desde 1878/1879, muitos deles acompanhados de pequenos excertos, que mostram a minúcia da sua pesquisa. Consultou centenas de publicações periódicas e livros, bem como o espaço imenso que a Internet coloca à nossa disposição. Recolheu uma imensa quantidade de informação que agora fica disponível para outros investigadores poderem avançar em novas direcções. Elaborou também uma extensa bibliografia passiva sobre o autor ordenada alfabeticamente. Recolheu ainda uma utilíssima secção intitulada "Ecos da Imprensa" onde se encontram referências extremamente relevantes para os estudiosos de Trindade Coelho e da sua época. Pesquisou também as referências a Trindade Coelho na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Pares. Encontrou ainda referência a uma curta metragem sobre a personalidade em apreço. Finalmente, também não poderia ser esquecida a iconografia, com um conjunto de imagens de Trindade Coelho, algumas delas muito pouco conhecidas que agora ficam a ilustar este valiosíssimo contributo para a cultura portuguesa.

Este artigo que se insere no seu projecto mais vasto de elaborar a Bibliografia do Distrito de Bragança, projecto ambicioso que há algum tempo temos tido oportunidade de vir a acompanhar. As longas décadas de trabalho de investigação e os milhares de páginas já escritas são um património importantíssimo para os transmontanos e, particularmente, para os brigantinos. Façam favor de não o deixar perder!!!
A amizade que começamos a construir nas nossas deambulações pelas bibliotecas, compulsando e recolhendo em jornais e revistas (muitas vezes a desfazer-se entre os dedos), procurando realizar um trabalho que nada nem ninguém recompensa, e, muitas vezes, só com o gozo de conseguir encontrar algo que já se pensava perdido e esquecido por todos. Ele procurando autores do seu distrito e nós pesquisando sobre autores do "Meu Algarve", tentando realizar um projecto semelhante para esta região.

Por fim, permitam-nos destacar o artigo da autoria de Henrique Manuel S. Pereira, intitulado Polémica entre Sena Freitas e Guerra Junqueiro, porque aborda uma polémica sempre presente entre republicanos,livres-pensadores e maçons face aos católicos. Neste caso representados por duas figuras de relevo num e noutro campos, numa polémica pouco conhecida entre o padre José Joaquim de Sena Freitas, que teria celebrado uma missa aquando do falecimento de Émile Littré (1881) onde criticou o seu pensamento ao que Abílio Guerra Junqueiro respondeu com a publicação de uma poesia onde insultava de forma clara o eclesiástico com "Littré e o Padre Sena Freitas" publicado no jornal portuense Folha Nova em Julho de 1881. O autor analisou os ecos na imprensa desta polémica e as suas várias leituras, bem como as referências que encontrou sobre esta questão em diferentes autores ao longo do tempo. Muito interessante para compreender a evolução do pensamento de Guerra Junqueiro e o anticlericalismo de muitos dos autores ligados ao Partido Republicano.

A.A.B.M.

sábado, 5 de janeiro de 2008

BRIGANTIA - REVISTA DE CULTURA


Publicou-se o XXVII volume da Brigantia - Revista de Cultura, respeitante ainda ao ano de 2007. Nesta publicação, agora dirigida por Ana Maria Afonso, encontram-se onze artigos, totalizando 832 páginas.

Num país onde este tipo de publicações dedicadas à cultura local e regional são ainda bastantes escassas, e, muitas vezes iniciativas fugazes de alguns amantes da sua terra, saúda-se a manutenção deste espaço cultural para reflexão e conhecimento da região circundante a Bragança.

De seguida, apresentaremos o sumário desta importante revista de cultura regional:

José Maria Cruz Pontes, Trindade Coelho. Cartas para António Corrêa d'Oliveira, p. 3-102.

Hirondino Fernandes, Coelho, José Francisco Trindade, p. 103 - 462.

Fernando de Sousa, A Indústria de Sedas em Trás-os-Montes, sob a Égide dos Arnauds
(1790-1820)
, p. 463-490.

António Rodrigues Mourinho, Macedo de Cavaleiros: Subsídio para a História do Património Histórico do Concelho, p. 491-690.

Henrique Manuel S. Pereira, Polémica entre Sena Freitas e Guerra Junqueiro: Notas para um "Correctivo", p. 691-724.

Carlos d'Abreu, Torre de Moncorvo: Território e Administração (1285-1994), p. 725 - 740.

A. Nogueira Afonso, Lembrando: Cón. Manuel Nunes Formigão, p. 741- 770.

Berta Beça, As Línguas do Romanceiro de Trás-os-Montes, p. 771-776.

António A. Pinelo Tiza, Tradições Nordestinas: Heranças Lusitanas, p. 777-798.

Maria Emília Pires Nogueiro, Breve Análise Iconográfica do Tecto Setecentista em Caixotões do Museu do Abade de Baçal, p. 799-824.

Ana Isabel Fernandes Miranda, Deilão, um Reduto da Tecelagem Artesanal em Trás-os-Montes, p. 825 - 832.

Nos próximos dias analisaremos, mais em pormenor, os vários e interessantes artigos que integram o presente número desta revista.

A.A.B.M.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

AS [NOSSAS] TRÊS ESCOLHAS DE 2007



* A História da PIDE, de Irene Flunser Pimentel, é indubitavelmente uma obra imprescindível para todos os que estudam o período salazarista. A acção opressora e repressora deste organismo, fulcral para sustentar a ditadura em Portugal durante quase meio século, foi finalmente analisado como um todo entre 1945 e 1974.

O estudo elaborado por Irene Pimentel, ao longo de mais de meio milhar de páginas, adaptada para publicação, "versão resumida e corrigida da dissertação de doutoramento em História Contemporânea Institucional e Política" defendida em Janeiro de 2007, na FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, estrutura-se da seguinte forma:

1ª Parte – A Instituição Policial. Funções e Relações com o Estado.
2ª Parte – A PIDE/DGS e os seus principais adversários
3ª Parte – Outros adversários vítimas da PIDE/DGS
4ª Parte – Os Métodos da PIDE/DGS
5ª Parte – Da Prisão ao Julgamento
Epílogo: A PIDE/DGS, as Forças Armadas e o MFA

A autora, durante seis anos, teve que ultrapassar obstáculos complicados para poder desenvolver o seu trabalho. Destacam-se entre outros o perigo de estudar a história recente, os arquivos truncados, o melindre em abordar situações que envolvem pessoas ainda vivas, que têm uma determinada memória dos factos, que “filtraram” ou omitiram deliberadamente acontecimentos. Estes problemas acabam por ser ultrapassados, mas logo outros surgem, porque o questionar o nosso passado colectivo exige sempre um aprofundamento e uma complexidade crescentes para encontrar respostas que, por vezes são inesperadas, ou mesmo contrárias a algumas ideias que vão fazendo carreira, negando factos ou tentando branquear situações.

Irene Pimentel analisa situações como as técnicas de vigilância, de captura das pessoas, os interrogatórios, a investigação e instrução de processos, os julgamentos, a vida nas prisões e, em especial, a perseguição ao Partido Comunista Português ao longo deste tempo, com base na vastíssima rede de informadores que esta instituição dispunha por todo o País. Daí o clima de medo que existia em Portugal durante o salazarismo e mesmo com as alterações “cosméticas” introduzidas pelo consulado marcelista, a PIDE continuou a ser o organismo mais temido do Estado Novo.

Em nossa opinião, devem salientar-se também aspectos gráficos muito importantes nesta obra, a importância das imagens em extra-texto, dos apêndices com mapas, gráficos, fichas biográficas de alguns presos políticos e o muitas vezes esquecido índice onomástico, que facilita tanto o trabalho a quem tem de consultar uma obra desta dimensão.

Torna-se um trabalho de consulta obrigatória para quem estuda o período em questão. Apresenta também um instrumento de trabalho fundamental: as fontes e arquivos, bem como a imensa bibliografia consultada, inclusive a publicada no estrangeiro.

Em segundo lugar, optamos por um estudo da época que nos ocupa mais, neste nosso inglório esforço para acompanhar a produção historiográfica portuguesa no domínio da história contemporânea. Neste caso, um trabalho realizado por Maria Alice Samara, Operárias e Burguesas. As Mulheres no Tempo da República, que se dedica “a dar a conhecer mulheres dos alvores do século XX”. O conjunto das 12 biografias, com leituras actualizadas e novas interpretações sobre o papel de algumas mulheres de destaque na sociedade portuguesa no início do século XX como: Guiomar Torrezão, Alice Pestana, Domitila de Carvalho, Regina Quintanilha, Angelina Vidal, Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Maria Veleda, Emília de Sousa Costa e Maria Alves complementado por dois ensaios: A mulher vista pela mulher e o olhar masculino sobre a mulher.

Uma obra de divulgação da transformação da condição feminina em Portugal, partindo de exemplos concretos de mulheres que foram “pioneiras” no seu tempo, porque lutaram de variadas formas para alcançar uma maior visibilidade, respeitabilidade e importância numa sociedade dominada por homens. Encontramos feministas, socialistas, republicanas, operárias que “tinham dificuldades em fazer ouvir a sua voz”, por isso, muitas vezes acabam por ficar no ostracismo. Devido a esta circunstância, também o Almanaque Republicano tem dedicado pouco espaço às mulheres republicanas. Muitas continuam pouco conhecidas, apesar de trabalhos recentes desenvolvidos por várias investigadoras sobre a questão feminina, pois circunscrevem-se a meios universitários e pouco divulgados para o exterior.

Por fim, o trabalho de António Ventura, sobre A Maçonaria no Distrito de Portalegre a que fizemos referência aqui. As cerca de 300 biografias elaboradas, os diversos triângulos e lojas dispersos pelo distrito mostram a importância que a Maçonaria teve na região, em particular com as informações recolhidas de carácter social que mostram a influência da mesma nas primeiras décadas do século XX. Como era importante surgirem trabalhos semelhantes para outros distritos do País!!!

O carácter enciclopédico deste trabalho, como assinala Salvato Telles de Menezes, na apresentação do livro torna-o um “marco singular nos estudos maçónicos”, pois permite acompanhar com grande detalhe entre 1903 e 1935, as lojas e triângulos existentes no distrito de Portalegre subordinadas ao Grande Oriente Lusitano Unido, ao Grémio Luso-Francês, ao Direito Humano e ao Soberano Grande Conselho Geral Ibérico, com os respectivos quadros. As informações foram recolhidas nos Livros Gerais do Arquivo do Grémio Lusitano, foram completadas com outra documentação existente no Arquivo Distrital de Portalegre, em primeiro lugar, mas também de Arquivos Distritais do país – em particular, Aveiro, Évora, Setúbal, Leiria, Santarém, Viana do Castelo, Lisboa, Coimbra, Évora -, no Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo da Marinha, Arquivo Geral do Exército, Arquivo Geral da Universidade de Coimbra, Arquivo da Universidade de Lisboa, entre muitos outros arquivos. Tornou-se também imprescindível a consulta da imprensa local e nacional. Sem esquecer as informações dadas por familiares dos biografados.

Este conjunto de três livros, publicados em 2007, e que, na nossa humilde opinião, se tornaram imprescindíveis para qualquer investigador ou pessoa interessada nos assuntos relacionados com a história contemporânea de Portugal. Serão sempre escolhas subjectivas, algumas mais discutíveis outras facilmente compreensíveis devido à temática que abordam. Ficamos à espera de mais e melhores livros em 2008 e cá estaremos para os divulgar, sempre que tenhamos conhecimento do facto, ou para os analisar sempre que isso seja possível e exista disponibilidade para tal.

A.A.B.M.